1. Introdução
O intuito deste artigo é de estudar e avaliar o instituto da Recuperação judicial através de sua evolução histórica, da sua finalidade social, buscando uma comparação entre antiga Concordata e a nova Lei de Falências e Recuperação Judicial, indicando seus avanços, diferenças e analisando o grau de eficácia da nova lei na aplicação ao caso concreto.
Neste ano, em que a Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, completa 10 anos, o tema revela ainda mais sua importância na vida diária do empresariado brasileiro, tendo em vista a substituição da ultrapassada figura da concordata pela referida lei, batizada de Lei de Recuperação de Empresas (LRE), tendo esta nova legislação como influência o princípio da preservação da empresa e a manutenção da função social da empresa. Também sendo ela responsável pela criação do instituto da Recuperação Extrajudicial que até então era desprestigiada e sofria com o caráter punitivo imposto pela legislação anterior que à concebia como ato de falência, mas esta inovação juntamente com a Recuperação Judicial representa uma solução em crises empresariais sem que ocorra a sua paralisação, sendo este um de seus maiores benefícios.
A influência da Revolução Industrial e seus efeitos intensificados com a globalização tornaram a grande maioria das empresas suscetíveis às crises econômico-financeiras que podem ser desencadeadas em qualquer lugar do planeta, demonstrando de certa forma uma impotência por parte dos empresários na manutenção da saúde financeira de suas atividades empresariais, por este motivo a lei de recuperação de empresas se torna tão importante nos dias atuais, se pensarmos que a referida lei pode ajudar o empresariado brasileiro a superar tais crises evitando um malefício maior que a crise econômico-financeira, que seria a liquidação da empresa, dessa forma garantindo a continuação da exploração das atividades econômicas por meio da circulação de produtos e prestação de serviços, garantindo a criação de postos de trabalho, assim como, o crescimento na arrecadação de tributos, que definitivamente são de suma importância para a sociedade.
Devido à importância do instituto em questão e o seu custo para a sociedade, vale ainda, ressaltar que existem impedimentos para a obtenção da recuperação judicial com intuito de evitar o uso indevido por parte dos empresários. Outra questão importante e que visa também evitar o alto custo deste tipo de processo em recuperações inviáveis, é a análise que deve ser feita pelo judiciário referente à viabilidade da recuperação judicial de determinada empresa levando em conta alguns aspectos como a importância social da empresa, o tempo de existência, a quantidade de postos de trabalho, a tecnologia aplicada e seu porte econômico, dentre outros.
2. Análise da Recuperação Judicial
O exercício de uma atividade empresarial está sempre acompanhado de um risco de insucesso, que por sua vez, pode se manifestar inicialmente na inadimplência dos tributos, na diminuição capital social da empresa e em muitos casos deixada como última opção, a inadimplência com os fornecedores e credores.
Neste último caso, o caixa da empresa se demonstra incapaz de suportar o fluxo de entradas e saídas de mercadorias para comercialização, ou de insumos e de matéria prima para indústrias, assim como, para os prestadores de serviços, em casos como esse, esse fato se caracteriza como sendo uma crise financeira. Existem ainda a crise econômica, que afeta o empresário quando ocorre uma diminuição do faturamento e a crise patrimonial, quando o os bens no ativo da empresa não são mais capazes de satisfazer o passivo.[1]
As crises empresariais são tratadas por Renata Albuquerque Lima (2014, p. 81) como externas e internas, nestes termos:
As causas externas estão relacionadas com inadimplemento dos fornecedores, o desequilíbrio da economia, os excessivos tributos pagos pela empresa, os altos juros, a desvalorização da moeda nacional, os conflitos sociais, dentre outros, não possuindo nenhuma relação com os atos praticados pelo administrador ou pelo próprio empresário. Já as causas internas, ao contrário das anteriores, estão mais ligadas às decisões e atitudes tomadas pelo administrador ou empresário, que, de alguma forma, levam a empresa a passar por uma crise econômico-financeira, podendo resultar em uma falência.
É Importante identificar essas causas, pois, elas influenciam de tal forma na análise da viabilidade do processo de recuperação, que depois de identificadas e ficando constatada que não há a possibilidade de restruturação da empresa, estas causas poderão incitar diretamente na decretação da falência, sem que ocorra a tentativa de recuperação, assim, a recuperação judicial deverá ser usada apenas em empresas viáveis. Tomazette afirma que: “uma vez que seu uso para empresas inviáveis subverteria a ordem normal das coisas, passando aos credores o risco da atividade.” (2012, p. 45). Destarte, a recuperação judicial se populariza em meio aos empresários como a alternativa mais eficaz de tentar evitar a falência.
O que se nota é que após a vigência da Lei nº 11.101/05, o número de processos com intuito de decretação de falência diminuíram em relação a antiga lei de concordata. Marlon Tomazette faz remissão em sua obra que, no ano de 2005 houveram aproximadamente 10.000 falências requeridas e já no ano de 2007, apenas dois anos depois da vigência da referida lei, esse número caiu pela metade, aproximando-se de 5.000 falências requeridas.[2]
Neste sentido a LRE demonstra alcançar a sua finalidade principal, cuja é explicitada por André Luiz Santa Cruz (2013, p. 715) nos termos a seguir:
O dispositivo deixa claro a sua finalidade: permitir a recuperação dos empresários individuais e sociedades empresárias em crise, em reconhecimento à função social da empresa e em homenagem ao princípio da preservação da empresa.
Em regra a Lei de Recuperação de Empresas tem atendido, tanto a sua finalidade, quanto a função social da empresa seguindo sempre o princípio da preservação da empresa.
3. Críticas a Recuperação Judicial.
Restam algumas críticas a certos dispositivos desta lei que dentre eles, escolhi apenas dois para discutir, que são: a não sujeição dos créditos tributários à recuperação judicial disposta no art. 6º, parágrafo 7º e a exigência de certidão negativa de débitos fiscais que é exigida pelo art. 57, ambos da Lei nº 11.101/05.[3]
Os dispositivos relatados no parágrafo anterior, pressupõem que a empresa mesmo enfrentando uma crise deveria estar com todos os débitos quitados com os órgãos da fazenda federal, estadual e municipal, algo que demonstra uma certa insensatez, tendo em vista, que os primeiros sinais, que a empresa demonstra ao enfrentar um momento de dificuldade, no âmbito econômico-financeiro, é o atraso de suas obrigações tributárias nos referidos órgãos.
Da mesma forma a exigência de certidões negativas de débitos, se apresenta como um ponto incoerente na LRE, com base nos mesmos argumentos relatados no parágrafo anterior, mas que nesse caso, empresa poderá ser dispensada da apresentação das certidões com base no art. 52, II, da LRE, para que a empresa exerça suas atividades, exceto para contratação com o poder público ou para o recebimento de incentivo fiscais ou creditício.
Esta vedação ao recebimento de incentivos fiscais se torna também um retrocesso, pois, estes incentivos estariam coadunando com o princípio da preservação da empresa, tendo em vista, que esta regra se caracteriza muito mais com o caráter punitivo que era imposto pelo Direito Falimentar de outrora.
4. Sugestões à Lei de Recuperação Judicial.
Existem alguns mecanismos para tentar resolver as questões do parágrafo anterior como por exemplo a criação de um Programa de Recuperação Fiscal (REFIS) elaborado exclusivamente para empresas que almejam requerer a recuperação judicial, desse modo, um REFIS, poderia solucionar essas questões, pois, a empresa receberia um incentivo a parcelar seus débitos, incentivos esses que geralmente são reduções nos juros e multas cobrados pelos atrasos no adimplemento das obrigações tributárias. Por conseguinte a empresa poderia ao menos emitir uma certidão positiva com efeitos de negativa e deste modo estaria enquadrada nos requisitos dos art. 6º, § 7º e art. 57, ambos da Lei nº 11.101/05.
5. Eficácia.
Independentemente de seus avanços, a Lei de Recuperação de Empresas, ainda nos dias de hoje, sofre com algumas dúvidas a respeito de sua eficácia, tendo em vista, o número de empresas que instauram o processo de recuperação e a percentagem destas que efetivamente obtêm o êxito almejado que é o equilíbrio financeiro entre os ativos e passivos, sempre com o escopo de produzir riquezas.
Tatiana Bautzer, na publicação eletrônica da revista EXAME, faz uma avaliação em que:
Estima-se que, das cerca de 4 000 empresas que pediram recuperação no país desde a entrada em vigor da nova lei, só 1% delas tenha saído do processo recuperadas de fato, segundo dados da consultoria Corporate Consulting.
Pouco mais de 10% faliram e o restante continua sob a tutela dos administradores mesmo depois dos dois anos vistos por especialistas como razoável para concluir uma recuperação judicial.
Com uma visão apenas nas estatísticas e na possibilidade de fraudes, a publicação demonstra uma grande quantidade de empresas que não conseguiram êxito ao ingressar com ações de recuperação judicial, entretanto, tenho opinião adversa da autora da publicação acima citada, tendo em vista, que a Lei nº 11.101/05, não visa apenas o êxito na recuperação, mas também a tentativa de preservar a atividade empresarial e a manutenção de seus benefícios para sociedade.
6. Conclusão.
Embora existam algumas estatísticas que corroboram com a tese que a Lei de Falências e Recuperação Judicial não alcança os objetivos almejados na concepção de seu projeto, entendemo que ocorreu sim, um avanço com a sua introdução no ordenamento jurídico brasileiro, justamente pelo princípio que lhe rege, sendo este, a preservação da empresa e com isto uma série de benefícios a sociedade. Acredito que resguardada a devida fiscalização ao procedimento de recuperação judicial e a escolha de profissionais capacitados e comprometidos com o processo, a recuperação judicial é a alternativa mais transparante e correta para tentar contornar o processo de falência, o qual é mais danoso a economia e por consequência ao empresariado brasileiro.
Referências.
BAUTZER, Tatiana. Poucas empresas em recuperação judicial se salvam no Brasil. Disponível em:<http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1056/noticias/a-intencao-era-boa> Acesso em 26 de maio de 2015.
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
GUIMARÃES, M. C. M. Entraves à eficácia da lei de recuperação de empresas em crise. Como superá-los? Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, nº 50, p. 265-280, 2007.
Lima, Renata Albuquerque. A atuação do estado brasileiro e a crise empresarial na perspectiva da lei de falências e de recuperação de empresas. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2014.
Ramos, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 3. Ed. São Paulo: Método, 2013.
Tomazette, Marlon. Curso de direito empresarial. Falência e recuperação de empresas. Vol. 3.2. Ed. São Paulo: Atlas, 2012.
[1] Nesse sentido, ver: COELHO, 2013.
[2] TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: Falência e Recuperação de Empresas. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 54 apud Fonte: Disponível em. Acesso em: 10 de dezembro de 2008.
[3] GUIMARÃES, M. C. M. Entraves à eficácia da lei de recuperação de empresas em crise. Como Superá-los? Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, nº 50, p. 265-280, 2007.