ACUMULAÇÃO DE CARGOS NO SERVIÇO PÚBLICO
REGRA e EXCEÇÃO
Marcelo Roque Anderson Maciel Avila[1]
Conforme o disposto no art. 37, XVI da Constituição Federal, a regra geral aplicável aos servidores públicos é a não acumulação de cargos; funções e empregos públicos, como adiante se verifica:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998):
XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
A exceção a esta regra vem posta as alienas “a”; “b” e “ c” do mesmo inciso XVI, a saber:
a) a de dois cargos de professor; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 2001)
O artigo 37, XVI, da CF/88, permite, pois, a cumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais da saúde, com profissões regulamentadas.
No âmbito da Administração Pública Federal há o Parecer da AGU de nº GQ 145/98, o qual limita a licitude das acumulações ao exercício da carga horária máxima de 60 (sessenta) horas semanais.
Por seu turno, tanto a Constituição Federal, em seu art. 37, XVI, bem como a Lei 8.112/90, em seu art. 118, § 2°, condicionam a acumulação de cargos a apenas à compatibilidade de horários, não fazendo qualquer referência à carga
horária, não podendo um parecer administrativo querer regulamentar a Normal Legal e mormente a Regra Constitucional, sob pena de ferir o princípio da Legalidade.
Nesse sentido: precedente do STF no julgamento do RExt 351905, relatora a ministra Ellen Gracie. e RE 633298 AgR, Relator, o ministro Ricardo Lewandowski, Confira-se:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. PROFISSIONAL DA SAÚDE. ART. 17 DO ADCT.
1. Desde 1º.11.1980, a recorrida ocupou, cumulativamente, os cargos de auxiliar de enfermagem no Instituto Nacional do Câncer e no Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro - IASERJ. A administração estadual exigiu que ela optasse por apenas um dos cargos.
2. A recorrida encontra-se amparada pela norma do art. 17, § 2º, do ADCT da CF/88. Na época da promulgação da Carta Magna, acumulava dois cargos de auxiliar de enfermagem.
3. O art. 17, § 2º, do ADCT deve ser interpretado em conjunto com o inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal, estando a cumulação de cargos condicionada à compatibilidade de horários. Conforme assentado nas instâncias ordinárias, não havia choque de horário nos dois hospitais em que a recorrida trabalhava.
4. Recurso extraordinário conhecido e improvido.
(RE 351905, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 24/05/2005, DJ 01-07-2005 PP-00088 EMENT VOL-02198-05 PP-00831 REPUBLICAÇÃO: DJ 09-09-2005 PP-00063 LEXSTF v. 27, n. 322, 2005, p. 299-303)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. EXISTÊNCIA DE NORMA INFRACONSTITUCIONAL QUE LIMITA A JORNADA SEMANAL DOS CARGOS A SEREM ACUMULADOS. PREVISÃO QUE NÃO PODE SER OPOSTA COMO IMPEDITIVA AO RECONHECIMENTO DO DIREITO À ACUMULAÇÃO. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
I - A existência de norma infraconstitucional que estipula limitação de jornada semanal não constitui óbice ao reconhecimento do direito à acumulação prevista no art. 37, XVI, c, da Constituição, desde que haja compatibilidade de horários para o exercício dos cargos a serem acumulados. II – Para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido quanto à compatibilidade de horários entre os cargos a serem acumulados, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF. III - Agravo regimental improvido. (RE 633298 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 13/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-032 DIVULG 13-02-2012 PUBLIC 14-02-2012).
Com efeito, já se posicionou nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial (REsp n.º 97.551⁄97), de relatoria do ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, entendendo que o regime de trabalho de dedicação exclusiva, por si só, não é obstáculo à acumulação de cargos.
Por oportuno, confiram-se os fundamentos do referido voto, in verbis:
(...) a Constituição da República admite a cumulação de dois cargos de professor, havendo compatibilidade de horários (at. 37, XVI, a).
A hierarquia das normas jurídicas, evidente, afasta a vigência de lei quando contrastar com a Carta Política. Esta, evidente, visou a suprir a notória falta de professores, em parte, consequência do lamentável abandono da Educação, no Brasil.
O argumento trazido pela Recorrente, no sentido de o Recorrido exercer atividade, em dedicação exclusiva, data venia, não configura óbice intransponível.
Impõe-se, a compatibilidade de horários. Evidente, o Professor precisará modificar seu regime de trabalho. Não é possível, com dedicação em uma matéria, exercer outra, concomitantemente. E mais. Haver compatibilidade de horas, de modo a que haja efetiva dedicação às duas disciplinas. A interpretação jurídica não pode traduzir mera forma, impõe enfrentar a matéria substancialmente. Cumpre deixar evidente o registro do v. acórdão:
E mais, assim continua o voto do eminente Relator no STJ:
"Com relação à compatibilização dos horários, é problema a ser resolvido em momento posterior à investidura, podendo a Universidade, de acordo com a sua conveniência, aplicar o disposto no art. 7.º do DL 465⁄69 ou liberar o impetrante da dedicação exclusiva, de modo a permitir o exercício simultâneo dos cargos."
Confira-se ainda os julgados do STJ sobre o tema versado na denúncia, os quais não deixam margem á digressões outras que não sejam pela legalidade da acumulação, uma vez que observada a compatibilidade de horários do denunciado:
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. CONTRADIÇÃO RECONHECIDA. CORREÇÃO. RECONSIDERAÇÃO DO JULGADO. SERVIDOR PÚBLICO. REGIME DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA. ACUMULAÇÃO DE DOIS CARGOS DE PROFESSOR. POSSIBILIDADE. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. EXEGESE DO ART. 37, XVI, DA CF/88 E ART. 118, § 2º, DA LEI N. 8.112/1990. PRECEDENTES DO STJ.
1. "O atual regime de trabalho (dedicação exclusiva), por si só, não é obstáculo. Evidente, deverá conferir a necessária atenção às duas disciplinas, no tocante ao horário" (REsp 97.551/PE, Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ de 25.8.1997).
2. Não há falar, in casu, em ilegalidade da acumulação pretendida - cargo de professor adjunto da Faculdade de Odontologia da UFRJ com o cargo de professor adjunto da disciplina de Radiologia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Odontologia da UERJ -, por ter sido respeitada a compatibilidade de horários e por se cuidar de cargos incluídos no rol taxativo previsto na Constituição Federal.
Embargos acolhidos com efeitos modificativos e, nessa extensão, recurso especial provido. (EDcl no REsp 1195791/RJ, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 28/06/2012)
E, neste sentido, entendemos ser perfeitamente possível e cabível a acumulação de cargos, porque a Carta Magna prevê em seu artigo 37, inciso XVI, apenas como requisito para a referida acumulação que haja compatibilidade de horários.
Por outro lado, não há como aplicar à hipótese as disposições do Decreto 94.664/87, quando estabelece restrições à acumulação de cargos, em confronto às regras constitucionais sobre o assunto.
DA IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO POR FORÇA DE PARECER DA AGU ou ACÓRDÃO DO TCU
Veja-se que há norma constitucional expressa no artigo 37, XVI, da CF/88, que permite a cumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais da saúde, com profissões regulamentadas.
Deste modo, verifica-se, por exemplo que os dois cargos de médico ocupados por um servidor embora totalizem carga horária semanal superior a 60 horas, e tenham horário compatível e sem sobreposição, são, pois, perfeitamente acumuláveis.
Deste modo, deve-se afastar, para hipótese em exame, a recomendação exarada pela Advocacia Geral da União no Parecer GC-145 de 30/03/98, de carga horária máxima semanal de 60 (sessenta horas). Isto porque, um Parecer Administrativo, não tem o condão de alterar norma legal e constitucional, inovando a ordem jurídica, sob pena de violar o principio da legalidade, como acima gizamos.
Nesse sentido o STJ:
DIREITO ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS INDEPENDENTEMENTE DE CARGA HORÁRIA MÁXIMA CONSIDERADA EM ACÓRDÃO DO TCU.
Havendo compatibilidade de horários, é possível a acumulação de dois cargos públicos privativos de profissionais de saúde, ainda que a soma da carga horária referente àqueles cargos ultrapasse o limite máximo de sessenta horas semanais considerado pelo TCU na apreciação de caso análogo. De fato, o art. 37, XVI, da CF e o art. 118, § 2º, da Lei 8.112/1990 somente condicionam a acumulação lícita de cargos à compatibilidade de horários, não havendo qualquer dispositivo que estabeleça limite máximo, diário ou semanal, à carga horária a ser cumprida. Dessa forma, não se pode negar o direito à acumulação com base numa suposta incompatibilidade com decisão proferida pelo TCU (Acórdão 2.133⁄2005), a qual não possui força normativa capaz de se sobrepor à garantia constitucional e legal. Ademais, mostra-se desarrazoado negar o referido direito com fundamento em mera presunção de que a realização de jornada de trabalho superior a sessenta horas semanais comprometeria a qualidade do serviço a ser prestado. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.168.979-RJ, Sexta Turma, DJe 14/12/2012; MS 15.663-DF, Primeira Seção, DJe 3/4/2012; e EDcl no REsp 1.195.791-RJ, Segunda Turma, DJe 28/6/2012. AgRg no AREsp 291.919-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 18/4/2013
A corroborar tal entendimento, cabe trazer à colação v. Aresto oriundo da E. 6ª Turma Especializada, do TRF-2, que analisou matéria similar, in verbis:
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – ENSINO SUPERIOR - PROFESSOR – DEDICAÇÃO EXCLUSIVA – CONVERSÃO DE REGIME DE TRABALHO – POSSIBILIDADE – DECRETO Nº 94.664/87 (PLANO ÚNICO DE CLASSIFICAÇÃO E RETRIBUIÇÃO DE CARGOS E EMPREGOS – LEI Nº 7.596, DE 10.04.1987) – ILEGALIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 09/88 – ACUMULAÇÃO REMUNERADA DE CARGOS PÚBLICOS – COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS – ART. 37, XVI, CF.
1. O Decreto nº 94.664/87, que “aprova o Plano único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos de que trata a Lei nº 7.596, de 10 de abril de 1987”, em seu art. 47, § 3º, não elenca, como requisito para a concessão do afastamento do docente, a obrigatoriedade de sua permanência no mesmo regime a que estava submetido quando do seu afastamento. É ilegal, portanto, a condição prevista no art. 7º da Resolução nº 09/88 – CEP/UFES, por extrapolar o Decreto em questão, quando sua verdadeira função seria apenas a de regulamentar suas disposições.
2. Não é possível, em nosso ordenamento, que um veículo normativo de ordem inferior altere ou extrapole uma norma que lhe seja superior.
3. Sendo ilegal a condição, imposta pela Resolução, de manutenção do mesmo regime de trabalho da data do afastamento, não é nem menos devida a indenização prevista (tanto no Decreto quanto na Resolução), pois que não houve, na hipótese, desrespeito à norma pelo docente.
4. Não há qualquer incompatibilidade entre o exercício de atividade remunerada pública ou privada, e o exercício do cargo de professor com dedicação exclusiva. Isto ocorre pelo fato da flagrante inconstitucionalidade da vedação imposta pelo Decreto nº 94.664/87.
5. O único requisito exigido pela Carta Magna para que possa haver a acumulação dos cargos enumerados pelas alíneas do inciso XVI, do art. 37 é a existência de compatibilidade de horários. O Decreto nº 94.664/87 restringiu o disposto na Constituição ao impedir a acumulação de cargos, que é constitucionalmente assegurada, quando o professor se encontra em regime de dedicação exclusiva. Essa restrição é inconstitucional, por não estar prevista na Constituição Federal, bem como pelo fato de que limita o exercício de um direito nela assegurado.
6. Recurso adesivo do Impetrante improvido 7. Apelação da UFES e remessa necessária improvidas. Sentença mantida”. (TRF2 - Apelação em Mandado de Segurança - 67448 - Processo: 2001.50.01.000056-2 - UF: RJ - Relator: Desembargador Federal FREDERICO GUEIROS - Órgão Julgador: Sexta Turma Especializada - DJU Data:28/04/2008 - Pág:182)
Veja-se ainda o entendimento do Superior Tribunal de Justiça-STJ, a quem cabe, por missão, uniformizar o entendimento sobre normas infraconstitucionais:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. DEMISSÃO. VERIFICAÇÃO DE COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. MERA APLICAÇÃO DO PARECER AGU GQ-145. VIOLAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO, PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. Cuida-se de impetração efetuada por servidora pública federal demitida por acumulação supostamente ilícita de dois cargos públicos da área de saúde, na qual a administração tão somente cotejou o quantitativo máximo de horas fixado pelo Parecer GQ-145, da Advocacia-Geral da União, com o que era laborado pela servidora. Do cotejamento, instou-se que a servidora reduzisse a carga ou se exorasse de um dos cargos. Da negativa, iniciou-se processo administrativo disciplinar em rito sumário para demitir a servidora por acumulação ilícita de cargos, ou seja, por infração ao art. 118, da Lei n. 8.112/90.
2. No caso concreto, a servidora possuía uma jornada de 40 horas semanais, num cargo, combinada com plantões noturnos de 12 horas de trabalho, por 48 horas de descanso, noutro cargo, sem sobreposição de horários. A administração entendeu que a simples totalização semanal de 72 horas e meia, por si, configura a ilegal cumulação.
3. Os Tribunais Regionais Federais possuem jurisprudência assentada de que o Parecer AGU GQ-145, de 30.8.1998, não assenta em força normativa a autorizar a aplicação de demissão por acumulação ilegal de cargos. Diversos precedentes do TRF-1, TRF-2, TRF-3 e TRF-4.
4. Anote-se que a observância à jurisprudência dos tribunais de origem se justifica, porquanto o STJ possui a função central de evitar discrepâncias notórias quanto ao modo de aplicar o direito entre os tribunais da federação. Esse cariz uniformizador das construções pretorianas federais evita desvios hermenêuticos entre plexos jurisdicionais de diferentes estados ou regiões da União, coibindo que o direito dos cidadãos seja aplicado de forma incoerente.
5. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, inclusive, já se deparou com situações idênticas à que é encontrada nos autos, nas quais não acolheu que a existência de carga horária semanal de 72 horas e meia, por si, seja autorizadora de similar demissão por violação ao art. 118, da Lei n. 8.112/90. Precedentes do TRF-2.
6 O Supremo Tribunal Federal examinou a matéria e negou provimento ao recurso extraordinário, do Estado do Rio de Janeiro, que produziu Decreto similar ao Parecer AGU GQ-145, de 3.8.1998, considerando a regulamentação como violadora, aduzindo ser "regra não prevista" e "verdadeira norma autônoma" Precedente: Recurso Extraordinário 351.905, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 24.5.2005, publicado no Diário da Justiça de 1º.7.2005, p. 88, Ementário vol. 2.198-05, p. 831, republicação no Diário da Justiça de 9.9.2005, p. 63, publicado na LEX-STF, v. 27, n. 322, 2005, p.299-303.
7. O direito líquido e certo da impetrante decorre de que a Constituição Federal permite a acumulação de dois cargos na área de saúde (art. 37, XVI, da CF; art. 118, da Lei n. 8.112/90) e, assim, cumpre à Administração Pública comprovar a existência de incompatibilidade de horários em cada caso específico, não bastando tão somente cotejar o somatório de horas, com o padrão derivado de um parecer ou, mesmo de um Decreto.Segurança concedida. (MS 15.415/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/04/2011, DJe 04/05/2011) grifei.
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. FISIOTERAPEUTA. PROFESSOR.COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. OCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE. EXEGESE DOS ARTIGOS 37, XVI, DA CF/88 E 1º DA LEI ESTADUAL 942/2005.
Encontrando-se os cargos dentro do rol taxativo previsto na Constituição Federal, e comprovada a compatibilidade de horários para o seu exercício, não há falar em ilegalidade na sua acumulação.
Exegese do art. 37, XVI, da CF, e do art. 1º da Lei nº 942/2005 do Estado do Amapá.
Agravo regimental desprovido.(AgRg no RMS 31.398/AP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 04/10/2010) grifei.
Sendo assim, e na esteira dos entendimentos consolidados do Superior Tribunal de Justiça e demonstrada a plena compatibilidade de horários, nada há de irregular na acumulação de cargos na forma disposta no iniso XVI do artigo 37 da CRFB/88.
Deste modo, deve-se afastar, para hipótese em exame, a recomendação exarada pela Advocacia Geral da União no Parecer GC-145 de 30/03/98, de carga horária máxima semanal de 60(sessenta horas).
DA DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA
Outra questão de relevo é quando o servidor que acumula dos cargos vem exercendo os dois cargos há vários anos, com a mesma carga horária.
É ressabido e rebarbativo dizer que os atos administrativos estão também sujeitos aos efeitos sanatórios do tempo, sendo certo que assim sendo configuram ato jurídico perfeito e acabado, gerando o ingresso de seus efeitos no patrimônio da beneficiária, fazendo nascer para ela o direito adquirido.
Já Lei 9.784 de 29 de janeiro de 1999, em seu artigo 54, estatui que o Administrador decai de seu direito à revisão após cinco anos, salvo se comprovada má-fé. Que, diga-se, in casu inocorre, porquanto as aposentadorias foram precedidas do regular procedimento administrativo, determinados por legislação específica e aprovados pelo órgão concessor.
Vejamos o que estabelece o dispositivo legal citado:
“Art 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
Parágrafo 1º . No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento;
Para corroborar, vale transcrever trechos extraídos do voto do Relator Des. Fed. Rogério Carvalho, na Apelação em Mandado de Segurança n. 97.0239228-4/RJ, cujo Acórdão da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da Segunda Região foi unânime:
“....A doutrina adota entendimento favorável à fixação de marco temporal para o agir da Administração Pública. DIÓGENES GASPARINI, à pag..100/101, da 4ª edição de “Direito Administrativo”, Editora Saraiva, preleciona:” prescrevem as ações judiciais e os recursos administrativos pelos quais o administrado, ou a própria Administração Pública, pode pleitear a declaração de invalidação de um ato administrativo? Ao nosso ver, sim. Nada justifica a possibilidade de um ato administrativo vir a ser declarado inválido depois de um longo tempo de sua edição. A entender-se isso factível, estar-se-ia pondo em risco a necessária estabilidade das relações jurídicas após certo tempo em vigência .
Destarte, decorrido um determinado prazo, o ato, mesmo que inválido, firma-se estabiliza-se, não podendo mais ser invalidado pela Administração Pública ou anulado pelo Judiciário. Nesse sentido é a lição de Clenício da Silva Duarte, ao afirmar que “as situações irregulares consolidam-se com o decurso do tempo, não sendo mais passíveis de qualquer retificações, seja para melhor ou seja para pior” (RDA 116.368).
Também a esse respeito, diz Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo, cit. pág. 189) que “a prescrição administrativa e a judicial impedem a anulação do âmbito da Administração ou do Poder Judiciário. Ademais, continua esse Autor, justifica-se essa conduta porque o interesse na estabilidade das relações jurídicas existentes entre os administrados e a Administração, ou entre esta e seus servidores, é também de interesse público, tão relevante quanto os demais, impõe-se pois, a estabilização dos atos que superaram os prazos admitidos, para ser alcançada da declaração de sua inatividade. Esse o principal efeito da prescrição. Assim, não prevalece a tese em sentido contrário, isto é, que sustenta ser possível, a qualquer tempo, a decretação da invalidade , defendida por, entre outros, J.H. Meirelles Teixeira (RDA, 101:325). Ademais , em direção oposta a essa inteligência têm sido as decisões de nossos Tribunais (RTJ 45.589; RDA, 134:217; RJTJSP, 38.318). A regra, como já assentou o STF, é a prescritibilidade (RDA, 135:78).”
Confira-se o TRF/2ª Região, a esse respeito:
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE DOIS CARGOS PÚBLICOS DE MÉDICO. CARGA HORÁRIA TOTAL.LIMITAÇÃO EM 60 HORAS SEMANAIS. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGOS 37, XVI, “C”, DA CF/88 E 118, § 2º, DA LEI Nº 8.112/90
I – Tanto a Constituição Federal, em seu art. 37, XVI, “c”, como a Lei nº 8.112/90, em seu art. 118, § 2º, condicionam a acumulação de dois cargos públicos privativos de profissionais de saúde à compatibilidade de horários, não fazendo qualquer referência à carga horária total.
II – Desde que comprovada a compatibilidade de horários, como, de fato, ocorreu no caso em análise, não há sequer que se falar em redução da carga horária em um dos cargos para adequação ao limite de 60 horas semanais. Entendimento contrário implicaria, sem amparo legal, criar requisito adicional para a acumulação de cargos. Precedentes do STF e do STJ.
III – Conforme consignado no MS nº 15.415/DF (STJ – 1ª Seção – Rel. Min. Humberto Martins – julgado em 13/04/2011 – DJe de 04/05/2011), “cumpre à Administração Pública comprovar a existência de incompatibilidade de horários em cada caso específico, não bastando tão somente cotejar o somatório de horas, com o padrão derivado de um parecer ou, mesmo de um Decreto”.
IV – A procedência do pedido também se justifica pelo fato de a cumulação ocorrer desde o ano de 1978, não existindo notícia de que a parte autora tenha sido submetida a procedimento disciplinar por ter deixado de cumprir suas obrigações, o que, inclusive, vai de encontro à alegação genérica de violação ao princípio da eficiência. (00086 2012.51.01.005091-7 (MS) APELREEX RJ 569899 CNJ : 0005091-82.2012.4.02.5101 RELATOR : DES.FED. SERGIO SCHWAITZER APTE : UNIAO FEDERAL APDO : LUIS GONZAGA LOPES BUARQUE ADV : MARCELO ROQUE ANDERSON MACIEL AVILA RMTE : JUIZO FEDERAL DA 21A VARA-RJ)
CONCLUSÃO
Deste modo, deve-se afastar, para hipótese em exame, a recomendação exarada pela Advocacia Geral da União no Parecer GQ-145 de 30/03/98, de carga horária máxima semanal de 60(sessenta horas), haja vista que o seu teor pode malferir o princípio da legalidade, ante sua incompatibilidade com o disposto no seu art. 37, XVI, bem como a Lei 8.112/90, em seu art. 118, parágrafo 2°.
Assim, é de clareza solar que, estando o servidor em acumulação licita e tendo havido a comprovação da compatibilidade de horários sem sobreposição de jornadas, nada há de ilícito nesta acumulação.
[1] Marcelo Roque Anderson Maciel Ávila
(Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros-IAB)
Pós-Graduado em Direito Administrativo e Administração Pública
ESPECIALISTA EM DIREITO PÚBLICO