Operação Lava Jato e a improbidade administrativa

02/09/2015 às 15:37
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O presente artigo busca situar de maneira breve e simples as consequências jurídicas da Operação Lava Jato, especificamente no que se refere à aplicação da Lei 8.429/92.

RESUMO

O presente artigo busca situar de maneira breve e simples as consequências jurídicas da Operação Lava Jato, especificamente no que se refere à aplicação da Lei 8.429/92 que trata sobre improbidade administrativa, a partir da qual analisaremos os aspectos subjetivos - as relações dos infratores com a administração pública - e objetivos - as condutas típicas realizadas - que culminam nas sanções previstas.

1.    Contexto

A Polícia Federal deflagrou em 2014 uma das maiores operações, se não a maior, de combate à corrupção já vistas no país. O esquema envolvia desvio de dinheiro público e contou com a participação de diretores de empreiteiras, funcionários e diretores de estatais e agentes políticos [1]. Estima-se que as perdas dos cofres públicos, somente na Petrobras, alcancem a marca de pelo menos 6 bilhões de reais [2].

A operação vem sendo realizada há mais de 500 dias e nesse período já foi ordenada a prisão (preventiva ou temporária) de mais de 100 pessoas, tendo levado a recuperação de R$ 870 milhões e o bloqueio de R$ 2,4 bilhões [3].

2.    Abordagem Jurídica

A despeito da longa discussão doutrinária sobre a natureza jurídica da improbidade administrativa – se civil, criminal ou administrativa – a qual não enfrentaremos aqui, encontramos, na Constituição Federal de 88, no artigo 37, § 4°, aquela que talvez seja principal síntese da improbidade administrativa em nosso ordenamento:

“Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. ”

A lei a que se refere esse enunciado é a Lei 8.429/92, a qual disciplina “as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências” [4].

            Diante da enorme simplicidade (como notarão a seguir) aplicada a esse enunciado, precisamos evidenciar melhor dois aspectos: 1- quem pode sofrer tais sanções; 2- diante de quais condutas tais sanções podem ser aplicadas.

            Primeiramente, o enunciado já nos deixa claro que os agentes públicos são disciplinados por essa lei, logo, começaremos por eles. Em seu artigo 2º, a lei estabelece que, para seus efeitos, considera-se agente público “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”. Dentro das entidades mencionadas no artigo 1º está a “empresa incorporada ao patrimônio público”, como é o caso da Petrobras, uma sociedade de economia mista de capital majoritariamente estatal. Segundo, portanto, o enunciado do artigo, eventuais funcionários e diretores da Petrobras e também agentes políticos envolvidos nos desvios serão, sem dúvida alguma, responsabilizados com base nessa lei.

            Não obstante - e é aqui que estendemos o alcance do simplificado enunciado da lei - mesmo aqueles que não sejam agentes públicos também podem sofrer sanções decorrentes desta lei, conforme enuncia o seu artigo 3º. Para isso basta que o indivíduo “induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. ”

            A lei deixa bem claro, portanto, que tanto agentes públicos quanto terceiros, alheios à administração pública, mas que em prejuízo desta venham se beneficiar, respondem judicialmente pelos danos causados ao patrimônio público. É o caso exato, por exemplo, dos funcionários e diretores das empreiteiras e outras empresas que mantinham contrato e/ou participavam de licitações fraudulentas com a Petrobras, nas quais havia um acordo prévio em relação à empresa que venceria a licitação.

            Tendo identificado aqueles que podem ser responsabilizados por improbidade administrativa, passamos a analisar as circunstâncias, ou mais especificamente, os atos, que ensejam tal responsabilidade.

            O Capítulo II da Lei 8.429/99 trata especificamente dos atos considerados ímprobos, e os divide em três seções, nos artigos 9º, 10º e 11º, respectivamente: dos que importam enriquecimento ilícito, dos que causam prejuízo ao erário, e dos que atentam contra os princípios da administração pública.

            No caput dos artigos percebe-se uma tipificação mais abertas das condutas:

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente;

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente;

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente; (grifos meus)

            Já nos incisos o legislador preferiu especificar claramente algumas condutas consideradas ímprobas, como por exemplo:

Art. 9, I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

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Art. 10, VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

Art. 11, I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; (grifos meus)

 

            A fundamentação das ações civis públicas [5] propostas pelo Ministério Público em face dos acusados de improbidade administrativa, como não poderia ser diferente, tomam como base exatamente esses artigos, como podemos comprovar [6]:

“Dessa forma, nos termos do art. 3º da Lei 8.429/92, GERSON DE MELLO ALMADA, CARLOS EDUARDO STRAUCH ALBERO, NEWTON PRADO JUNIOR e LUIZ ROBERTO PEREIRA dolosamente concorreram e se beneficiaram com a prática de atos de improbidade praticados por PAULO ROBERTO COSTA que acarretaram enriquecimento ilícito, danos ao erário no valor de R$ 38.489.299,90 (trinta e oito milhões, quatrocentos e oitenta e nove mil, duzentos e noventa e nove reais, e noventa centavos) e violação aos princípios administrativos (artigos 3º, 9, 10 e 11 da Lei 8.429/92)” (grifos meus)

            Por fim, em relação às penas aplicadas aos delitos (no sentido mais amplo da palavra, visto não estarmos diante de uma visão penal) a lei estabelece que independentemente das sanções penais, civis e administrativas (no âmbito dos processos administrativos), os responsáveis pelos atos de improbidade terão penas diretamente correspondentes com as condutas elencadas nos artigos 9º, 10º e 11º. Sendo assim, indivíduos que enriqueçam ilicitamente, assim como os que causem prejuízo ao erário, sofrerão com a perda dos bens e valores recebidos ilicitamente, e também terão de reparar integralmente o dano causado. No caso de atentar contra os princípios da administração pública os indivíduos incorrem na pena de ressarcimento integral do dano. Além disso, em todas as sanções é prevista a perda da função pública (se for o caso), a suspensão dos direitos políticos, em dosimetrias diferentes de acordo com a gravidade e a natureza do fato praticado, e também a proibição de contratar com o Poder Público, ou seja, de participar de processos licitatórios.

3.   Considerações Finais

Em tempos de combate à corrupção cada vez mais evidente, a Lei 8.429/92 tem papel importante na proteção do patrimônio público, e certamente merece destaque. Como vimos, é ela que tipifica condutas e fundamenta as ações civis públicas do Ministério Público, o ente responsável por defender a ordem jurídica e os interesses sociais indisponíveis.

Sendo assim, este artigo serve como contato inicial com essa lei tão importante, de forma que, aplicada a um caso concreto e atualmente tão discutido, sirva de incentivo para o aprofundamento dos estudos ao seu respeito.

[1] FOLHA, Entenda a Operação Lava Jato - http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/11/1548049-entenda-a-operacao-lava-jato-da-policia-federal.shtml - Acesso em 12 de agosto de 2015.

[2] FOLHA, Propina da Lava Jato é estimada em até R$ 6 bilhões pela Petrobras -http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/04/1614687-propina-da-lava-jato-e-estimada-em-ate-r-6-bilhoes-pela-petrobras.shtml - Acesso em 12 de agosto de 2015.

[3] G1, Lava Jato completa 500 dias com a recuperação de R$ 870 milhões -  http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/07/lava-jato-completa-500-dias-com-recuperacao-de-r-870-milhoes.html - Acesso em 12 de agosto de 2015

[4] BRASIL, Lei 8.429/1992. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8429.htm> Acesso em 12 de agosto de 2015

[5] MPF, Ações de Improbidade - http://lavajato.mpf.mp.br/atuacao-na-1a-instancia/acoes-de-improbidade - Acesso em 12 de agosto de 2015.

[6] MPF, Ação Civil Pública Por Ato de Improbidade Administrativa - http://lavajato.mpf.mp.br/atuacao-na-1a-instancia/acoes-de-improbidade/docs/aia-engevix-assinada - Acesso em 13 de agosto de 2015.

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Sobre o autor
Thiago Stocco

Estudante de Direito da Universidade Positivo - Curitiba, Paraná.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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