Análise sobre a reincidência no Direito Penal:aspectos práticos e teóricos à luz da jurisprudência dos Tribunais Superiores

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02/09/2015 às 18:31
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O termo "reincidência" é popular não só entre os operadores do direito, mas também na sociedade como um todo e na mídia em geral. Ocorre que, muitas vezes, a menção a esta agravante do direito penal é utilizada de modo equivocado. Entenda seu conteúdo.

Sumário: 1. Introdução. 2. Requisitos de aplicabilidade. 2.1. Prazo depurador (art. 64, I, do Código Penal). 2.2. Condenação anterior no estrangeiro e/ou por contravenção penal.  2.3. Influência do tipo de pena imposta e a natureza do delito. 3. Conduta Social X Maus Antecedentes X Reincidência. 3.1. Agente capaz. 3.2. Discussão quanto à aplicabilidade do prazo do art. 64, I, do Código Penal com relação aos antecedentes criminais. 4. Concurso entre a agravante da reincidência e eventuais causas atenuantes. 5. Reincidência X Proibição do bis in idem. 6. Espécies de reincidência e documentos aptos a sua comprovação. 7. Efeitos da reincidência. 8. Conclusão.

1. Introdução:

            Antes de analisar especificamente o instituto da reincidência, faz-se necessário uma breve introdução sobre o sistema de aplicação da pena privativa de liberdade adotado pelo Direito Penal brasileiro.

            Depreende-se da leitura do art. 68 do Código Penal[1] que foi adotado o sistema trifásico para a dosimetria da pena, também conhecido como sistema Nelson Hungria[2], o qual impõe ao julgador que, ao aplicar a pena in concreto ao réu, respeite a seguinte ordem: primeiramente, devem ser analisadas as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal[3], momento em que será fixada a pena base (1a fase); logo depois, serão analisadas as eventuais circunstâncias atenuantes e agravantes presentes no caso concreto (2a fase); e, por fim, a 3a fase compreende a análise das causas de diminuição e de aumento de pena.

            Sabendo-se que o Código Penal, em sua parte geral, traz a reincidência como um das agravantes da pena[4], este instituto deve ser analisado na 2a fase da dosimetria, logo após a fixação da pena base.

            Com relação ao quantum que a pena base será agravada, consagrou-se na jurisprudência que deverá ser aumentada na fração de 1/6. Nesse contexto, "a aplicação de fração superior a 1/6 pela reincidência exige motivação idônea[5]", sob pena de nulidade da dosimetria elaborada pelo julgador.

            Quanto ao conceito deste instituto, interessante transcrever o que dispõe o art. 63 do Código Penal: "verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior."

            Ocorre que este conceito deve ser complementado pelo artigo 7o da Lei de Contravenções Penais (Lei no 3.688/41): "verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção."

2. Requisitos de aplicabilidade:

            Da análise dos dispositivos acima, é possível identificar os requisitos necessários para que o julgador, na 2a fase da dosimetria, possa justificar a incidência da agravante da reincidência, quais sejam:

            a) existência de condenação penal anterior transitada em julgado;

            b) cometimento de nova infração penal após a condenação definitiva anterior[6].

            Porém, o instituto da reincidência é complexo, exigindo uma análise mais aprofundada de algumas peculiaridades - análise esta que será feita no decorrer deste artigo.

2.1 Prazo depurador (art. 64, I, do Código Penal):

            Não basta que o réu pratique nova infração penal após o trânsito em julgado da primeira condenação. Para a incidência da presente agravante, faz-se necessário o respeito ao prazo previsto no art. 64, inciso I, do Código Penal, ao qual a doutrina convencionou denominar de período depurador da reincidência[7]:

Art. 64 - Para efeito de reincidência:

I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;

            Portanto, caso o réu tenha contra si sentença condenatória definitiva por crime praticado no Brasil ou no estrangeiro, ao praticar novo crime ou nova contravenção penal será considerado reincidente desde que a nova infração seja cometida após o trânsito em julgado da primeira sentença e antes do prazo de 05 (cinco) anos após o cumprimento ou extinção da pena imposta na condenação anterior.

            Repetindo, "a condenação definitiva anterior perde a eficácia para fins de reincidência se ocorrer o transcurso do prazo de 05 (cinco) anos, contados da data do cumprimento ou extinção da pena."[8]

            Portanto, o marco inicial da contagem do período depurador da reincidência não é a data do trânsito em julgado da sentença condenatória, mas sim o cumprimento ou extinção da pena imposta por esta sentença.

            Porém o trânsito em julgado da primeira sentença condenatória não deixa de ser um marco importante: somente depois que a condenação se torna definitiva é que, caso o acusado cometa nova infração penal, poderá ser considerado reincidente (desde que não ultrapasse o período depurador). Caso o réu cometa nova infração penal antes do trânsito em julgado da condenação pela primeira infração, este fato não gera reincidência - obrigatoriamente, para gerar a reincidência é preciso que a nova infração penal seja posterior ao trânsito em julgado da primeira condenação.

            Outro ponto importante que merece análise é a parte final do art. 64, I, do Código Penal, dispositivo que afirma que na sistemática da temporariedade da reincidência será "computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação."

            Significa dizer que, se o agente estiver cumprindo pena privativa de liberdade e for beneficiado pela concessão do livramento condicional, este prazo deverá ser computado para fins do cálculo da reincidência. O marco inicial para contagem do período depurador da reincidência vai ser o momento em que o agente foi beneficiado pelo livramento condicional (e não somente após a extinção da pena), mas por óbvio que se faz necessário a não revogação do livramento condicional. O mesmo raciocínio deve ser aplicado caso o acusado seja beneficiado com a suspensão condicional da pena (sursis).

            Para melhor fixação, interessante mencionar o exemplo presente no livro de Ricardo Augusto Schmitt: o acusado foi condenado a 06 (anos) de reclusão e, no decorrer do cumprimento da pena privativa de liberdade, foi beneficiado com o livramento condicional, podendo cumprir o restante em liberdade - nesse caso o acusado ficará por 04 (quatro) anos em livramento condicional. Com isso, a contagem do período depurador da reincidência deve ter início a partir do momento que o agente foi beneficiado com o livramento condicional. Assim, verificada a extinção da pena privativa de liberdade em razão do decurso do prazo do livramento condicional, sem qualquer revogação, caso o agente cometa novo crime após 02 (dois) anos, não poderá ser considerado reincidente - deve-se somar o período do livramento condicional (quatro anos) com o tempo entre a efetiva extinção da pena e o novo crime (dois anos), logo, o agente não é reincidente porque somente cometeu o novo crime após o decurso de 06 (seis) anos e não somente 02 (dois).[9]

            Atente-se que, caso ocorra alguma revogação dos benefícios do livramento condicional ou do sursis, o prazo de 05 (cinco) anos será contado a partir da data em que o agente terminar de cumprir a pena privativa de liberdade - não será computado o prazo que eventualmente tenha gozado do benefício.

2.2 Condenação anterior no estrangeiro e/ou por contravenção penal:

            Outro detalhe importante a ser analisado é que, caso a primeira condenação do réu seja pela prática de um crime, não importa se este foi cometido no Brasil ou no estrangeiro, sendo suficiente que o novo crime ou a nova contravenção sejam praticados após o trânsito em julgado da primeira condenação e antes do período depurador[10]. Porém, igual sorte não socorre caso a primeira condenação seja pela prática de uma contravenção penal, hipótese em que faz diferença se a contravenção foi praticada no Brasil ou em território estrangeiro.

            O art. 7o da Lei de Contravenções Penais deixa claro que o fato do réu ter sido condenado, no estrangeiro, por contravenção penal não pode ser utilizado para efeito de reincidência. Isso porque não existe extraterritorialidade da lei penal quando se trata de contravenção penal[11].

            Além disso, verifica-se que há lacuna legislativa com relação à hipótese do réu ter sido condenado por contravenção penal praticada no Brasil e, após o trânsito em julgado desta, ter cometido um crime. Nesse caso, ao ser julgado pelo crime, não pode ser considerado reincidente, caso contrário, haveria violação ao princípio da legalidade, tendo em vista que essa hipótese não foi contemplada pelo legislador.

            Cumpre destacar, no entanto, que caso o réu pratique um crime nas condições acima, ou seja, após a condenação definitiva de uma contravenção penal, apesar de não configurar reincidência (por ausência de previsão legal), poderá configurar maus antecedentes - a pena base será majorada.

2.3 A influência do tipo de pena imposta e a natureza do delito:

            Outros dois pontos a serem analisados é que: 1) não importa qual o tipo de pena que foi imposta ao réu na primeira condenação, se privativa de liberdade, restritiva de direitos ou mesmo pena de multa, qualquer espécie de condenação, inclusive a pena de multa, é apta a gerar reincidência; 2) caso o réu tenha sido condenado no estrangeiro por fato que, no Brasil, é atípico, esta condenação não é capaz de gerar reincidência[12].

            Com relação ao dispositivo legal que justifica a possibilidade da condenação a pena de multa gerar reincidência, interessante analisar o art. 77 do Código Penal, o qual trata sobre os requisitos da suspensão da pena[13].

Em seu inciso I, afirma que um dos requisitos para que o acusado seja beneficiado com a suspensão da pena é que não seja reincidente em crime doloso. Logo depois, no §1o afirma que "condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício", portanto, caso a condenação a pena de multa não gerasse reincidência, não haveria necessidade de existir este mencionado §1o, o qual traz uma exceção ao inciso I do caput.

            Verificado que a espécie de pena aplicada não importa para a configuração da reincidência, por outro lado, a natureza do delito pelo qual o réu foi condenado pode interferir diretamente na aplicação ou não da agravante. Nesse sentido, imprescindível a análise do art. 64, inciso II, do Código Penal:

Art. 64 - Para efeito de reincidência: (...)

II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.

            Com base no mencionado artigo, caso o réu tenha sido condenado, com sentença transitada em julgado, por crime militar próprio ou por crime político, se posteriormente cometer um crime comum, não pode ser considerado reincidente por expressa proibição legal (art. 64, II, CP).

            Porém, nada impede que no julgamento deste crime comum essa condenação por crime militar próprio ou por crime político seja utilizada para majorar a pena base ao valorar negativamente a circunstância dos antecedentes criminais do acusado, ou seja, esse fato não pode justificar a reincidência, mas é capaz de caracterizar maus antecedentes[14].

            Atente-se que um dos casos ilustrados no art. 64, inciso II, do Código Penal é a hipótese do acusado ter sido condenado por crime militar próprio e depois cometer um crime comum ou mesmo um crime militar impróprio - não sendo possível, no julgamento do crime comum ou do militar impróprio, o acusado ser considerado reincidente.

Ocorre que não se pode esquecer o disposto no artigo 71 do Código Penal Militar, o qual prevê a possibilidade da condenação definitiva por crime militar próprio ser considerada a título de reincidência na hipótese do novo crime cometido pelo acusado também ser um crime militar próprio - seria o caso de reincidência específica: quando os dois crimes praticados pelo condenado são da mesma espécie.

            Com relação à condenação definitiva pela prática de crime político, nem mesmo se o novo crime praticado pelo réu também seja de natureza política é possível incidir a agravante da reincidência. Essa hipótese não foi contemplada pela legislação e, levando-se em consideração a proibição de analogia in malam partem, condenação definitiva por crime político no máximo é capaz de gerar maus antecedentes.

3. Conduta Social X Maus Antecedentes X Reincidência:

            Da leitura do tópico anterior, percebe-se que algumas vezes a primeira condenação do réu não pode justificar a incidência da agravante da reincidência, porém essa mesma condenação é capaz de majorar a pena base.

            Inicialmente, interessante analisar as semelhanças e as peculiaridades que distinguem o conceito de conduta social, de maus antecedentes e de reincidência.

            A conduta social do réu, assim como os seus antecedentes criminais, são circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal e, como visto acima, devem ser analisadas na 1a fase da dosimetria da pena.

            Porém, o magistrado, ao analisar a conduta social do réu, leva em consideração o seu comportamento no seio social, familiar e profissional. Essa circunstância apresenta caráter comportamental, analisa-se o relacionamento do agente no meio em que vive, perante a comunidade, não podendo ser confundida com a circunstância judicial dos antecedentes nem com a agravante da reincidência, as quais são reservadas a analisar fatos ilícitos cometidos pelo réu[15].

            Nesse contexto, merece destaque o julgado do Superior Tribunal de Justiça, disponibilizado no Informativo no 490, o qual afirma que o fato isolado do réu ser usuário de drogas não pode justificar o aumento da pena base sob a justificativa do agente apresentar má conduta social[16].

            Sabendo-se que o princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpa[17] tem destaque no procedimento de aplicação da pena, uma de suas consequências diretas é a conclusão de que meras suposições de envolvimento do acusado em práticas criminosas não são capazes de valorar negativamente a sua conduta social, não sendo aptas a aumentar a pena base do acusado.

            Seguindo com a análise das consequências da aplicação do princípio constitucional da presunção de inocência, cumpre destacar o que dispões a Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça:

STJ Súmula nº 444 - 28/04/2010 - DJe 13/05/2010

Vedação - Utilização de Inquéritos Policiais e Ações Penais em Curso para Agravar a Pena-Base

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É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.

            Ao elaborar esta súmula, o Superior Tribunal de Justiça aplicou o disposto no art. 5o, inciso LVII, da CF/88, fixando o entendimento de que inquéritos policiais e ações penais em curso não são aptos a agravar a pena base, tendo em vista que, se o réu é considerado inocente até o trânsito em julgado da sentença condenatória, procedimentos administrativos e processos em curso não são suficientes para rotulá-lo como possuidor de maus antecedentes ou de má conduta social ou mesmo de personalidade desajustada[18].

            Portanto, ultrapassado o conceito da circunstância judicial da conduta social, faz-se necessário analisar quais os fatos capazes de gerar maus antecedentes e quais podem caracterizar o réu como reincidente.

            Como dito, a circunstância judicial dos antecedentes criminais do agente também está prevista no art. 59 do Código Penal, devendo ser analisada na 1a fase da dosimetria, e diz respeito à vida pregressa do réu, suas condutas ilícitas praticadas antes da infração penal que está sendo objeto da sentença.

            Com base da Súmula 444 do STJ, sabe-se que inquérito policial ou mesmo ação penal em curso não servem como maus antecedentes em razão de ausência de sentença condenatória definitiva, sem trânsito em julgado. Logo, como decorrência lógica do princípio da presunção de inocência, conclui-se que também não poderão ser considerados como antecedentes criminais:

            a) processo extintos sem julgamento do mérito;

            b) inquéritos policiais arquivados (não importando qual o fundamento do arquivamento);

            c) ações penais que resultem em absolvição;

            d) punições impostas em procedimentos administrativos - estas, porém, podem ser          consideradas na conduta social, desde que o fato apurado não corresponda a um ilícito      penal[19].

            Partindo do pressuposto que somente ações penais condenatórias com trânsito em julgado são capazes de justificar tanto a reincidência como os maus antecedentes, é salutar a distinção entre os dois institutos, tendo em vista que, em respeito à vedação do bis in idem, o mesmo fato não pode ser utilizado para agravar a pena base e fazer incidir a agravante do art. 61, I, do Código Penal[20].

            Atente-se que somente as condenações definitivas que não caracterizam a agravante da reincidência é que podem ser valoradas como maus antecedentes. Uma condenação penal definitiva não é capaz de rotular o réu como reincidente quando:

a) a infração penal posterior for cometida após o decurso do período depurador da reincidência, ou seja, mais de 05 (cinco) anos após o cumprimento ou a extinção da pena imposta em condenação anterior (art. 64, I, CP):

            Para gerar reincidência, como visto acima, a infração posterior deve ser praticada após o trânsito em julgado da primeira condenação, mas antes de atingir o prazo de 05 (cinco) anos após o cumprimento ou extinção da pena anteriormente imposta - computado o período de prova da suspensão da pena e do livramento condicional.

            Portanto, a título de exemplo, caso o réu cometa um furto após decorrer mais de 05 (cinco) anos do cumprimento da pena pelo delito anterior de roubo, o magistrado, ao aplicar a dosimetria do furto (segundo crime), não irá considerar a condenação definitiva do roubo como agravante da reincidência (2a fase) – sendo questionável se pode ou não considerá-la como maus antecedentes (1a fase)[21].

b) a condenação anterior foi por crime militar próprio ou por crime político (art. 64, II, CP):

            Como visto acima, condenação definitiva anterior por crime militar próprio ou por crime político não podem gerar efeitos para caracterizar reincidência diante do cometimento de novo crime comum - expressa previsão legal.

            Destrinchando, o réu condenado definitivamente por prática de crime militar próprio somente pode ser considerado reincidente se cometer novo crime militar próprio (art. 71, CPM). Caso cometa um crime comum ou mesmo um crime militar impróprio, a condenação definitiva anterior por crime militar próprio não é apta a gerar reincidência, mas gera maus antecedentes - devendo a pena base ser aumentada.

            Da mesma forma é o caso do réu condenado definitivamente por crime político: essa condenação não é apta a gerar reincidência, mas é perfeitamente possível que seja utilizada para justificar o aumento da pena base (caracteriza maus antecedentes).

c) a nova infração penal tiver sido praticada antes do trânsito em julgado da primeira condenação:

            Em tópico anterior, foram analisados os requisitos que ensejam a reincidência e dentre eles é necessário que a nova infração penal seja praticada após o trânsito em julgado da primeira condenação.

            Caso a nova infração penal seja cometida ainda no decorrer do processo pela primeira infração, o agente não pode ser considerado reincidente.

            Porém, para gerar maus antecedes é imprescindível que a data da segunda infração seja posterior à data do cometimento da primeira. Ou seja, João cometeu um crime de roubo em 2000, delito pelo qual foi condenado com trânsito em julgado em 2010; em 2005, ainda no decorrer do processo do roubo, João comete um furto: o magistrado, em 2011, quando aplicou a pena de João pelo delito do furto, considerou a condenação definitiva pelo roubo como maus antecedentes e não como reincidência.

            Feita a distinção entre a circunstância judicial dos antecedentes criminais e a agravante da reincidência, é salutar a análise de alguns institutos do Direito Penal que, muitas vezes, geram dúvidas com relação à aptidão de gerar ou não maus antecedentes e/ou reincidência. Vejamos:

  • Transação penal não gera reincidência e nem mesmo maus antecedentes.

            Por expressa previsão legal (art. 76 da Lei no 9.099/95, §§4o e 6o)[22], caso a proposta de transação penal oferecida pelo Ministério seja aceita pelo autor da infração, o juiz aplicará pena restritiva de direitos ou multa, mas esta imposição "não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos", além de que "não constará de certidão de antecedentes criminais."

  • Suspensão condicional do processo não gera reincidência e nem mesmo maus antecedentes.

            Nessa hipótese do art. 89 da Lei no 9.099/95[23], quando há suspensão condicional do processo, não existe sequer sentença penal condenatória e, portanto, não pode ensejar nem o aumento da pena base (maus antecedentes) nem a incidência da agravante da reincidência.

  • Perdão judicial não gera reincidência e nem mesmo maus antecedentes.

            Trata-se de expressa previsão legal do Código Penal:

Perdão judicial

Art. 120 - A sentença que conceder perdão judicial não será considerada para efeitos de reincidência.

            A título de complementação, interessante mencionar a Súmula no 18 do Superior Tribunal de Justiça, a qual dispõe que "a sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório."

  • Quando a infração penal anterior for atingida por causa extintiva da punibilidade antes do trânsito em julgado da condenação, não gera reincidência e nem mesmo maus antecedentes.

            Nesse tema é preciso ter cautela, pois o fato de incidir uma causa extintiva da punibilidade sobre a condenação anterior não é o bastante para a exclusão da reincidência e dos antecedentes criminais.

            Sabendo-se que um dos requisitos para que uma condenação penal possa ser utilizada como fundamento da reincidência ou dos maus antecedentes é que a sentença tenha transitado em julgado, é preciso analisar em qual momento houve a extinção da punibilidade.

            João cometeu um furto e, antes do trânsito em julgado da condenação penal, houve a extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva. Portanto, caso João cometa nova infração penal, a sentença que extinguiu a punibilidade do furto não pode ser utilizada nem como maus antecedentes nem como reincidência - tendo em vista que não houve condenação definitiva.

            Por outro lado, caso João cometa um furto e seja devidamente condenado com trânsito em julgado, eventual sentença ulterior de extinção da punibilidade, por exemplo, por prescrição da pretensão executória, não impede que a condenação definitiva pelo furto seja utilizada na dosimetria da pena da nova infração penal praticada por João - desde que cumpridos os demais requisitos.

            Em resumo, é imprescindível verificar em que momento houve a extinção da punibilidade: antes ou depois da sentença condenatória transitar em julgado.

            Ocorre que existem 02 (dois) casos em que a extinção da punibilidade, mesmo depois do trânsito em julgado da condenação, não é capaz de gerar reincidência nem mesmo maus antecedentes: se a extinção for em razão de abolitio ciminis ou anistia (art. 107, incisos II e III, do Código Penal).

            A justificativa para essas exceções é que, em havendo abolitio criminis ou anistia[24], são apagados todos os efeitos penais da condenação anterior - circunstância que nitidamente impede que o fato seja valorado como maus antecedentes ou reincidência.

3.1 Agente capaz:

            De início, interessante mencionar o conceito de Ricardo Augusto Schmitt sobre a circunstância judicial dos antecedentes criminais, o qual considera possuidor de maus antecedentes o "agente capaz que possui contra si sentença penal condenatória transitada em julgado."[25]

            Esse conceito encontra amparo no posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, ao passo em que possíveis condenações ocorridas em sede de representações por atos infracionais, com aplicação de medidas socioeducativas, não são aptas a ensejar maus antecedentes ou a induzir a reincidência.

            Por um lado, o STJ fixou o entendimento que condenação por ato infracional não pode gerar maus antecedentes ou reincidência, porém, por outro lado, recentes julgados deste Tribunal Superior divergem quanto à possibilidade da prática de atos infracionais ser considerada para justificar que o réu possui "personalidade desajustada ou voltada para a criminalidade". Interessante transcrever a ementa de algumas decisões, in verbis:

HABEAS CORPUS. (...) DOSIMETRIA. PENA-BASE. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. ATOS INFRACIONAIS. MAUS ANTECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE. PERSONALIDADE VOLTADA PARA O MUNDO DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. (...)

1. Consoante precedentes desta Corte Superior, atos infracionais não podem ser levados à consideração de maus antecedentes para a elevação da pena-base.

2. Embora o envolvimento anterior em atos infracionais não possa ser considerado como maus antecedentes e nem se preste para induzir a reincidência, demonstra a "personalidade voltada para o mundo do crime" e inclinação para a prática delitiva, o que é suficiente para justificar o aumento de pena procedido na primeira etapa da dosimetria.

(STJ. HC 198.223/PE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/02/2013, DJe 04/03/2013).[26]

HABEAS CORPUS. PENAL. CRIMES DE ROUBO MAJORADO E CORRUPÇÃO DE MENORES. MAUS ANTECEDENTES. UTILIZAÇÃO DE ANOTAÇÕES DE ATOS INFRACIONAIS. ILEGALIDADE. FIXAÇÃO DAS PENAS-BASE DOS CRIMES NO MÍNIMO LEGAL. (...)

1. "Atos infracionais não podem ser considerados como personalidade desajustada ou voltada para a criminalidade para fins de exasperação da pena-base" (HC 190.569/DF, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJe de 12/09/2012). (...)

(STJ. HC 185.452/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 19/02/2013, DJe 28/02/2013).[27]

3.2 Discussão quanto à aplicabilidade do prazo do art. 64, I, do CP com relação aos antecedentes criminais:

            A presente discussão não é novidade entre os doutrinadores, porém, recentemente[28], posicionamento do Supremo Tribunal Federal efervesceu os debates. Vejamos.

            O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que não existe prazo limite para que uma condenação penal definitiva possa fundamentar o aumento da pena base em razão de maus antecedentes. O prazo de 05 (cinco) anos, computado a partir do cumprimento ou extinção da pena, unicamente seria aplicado ao instituto da reincidência por haver expressa previsão legal (art. 64, I, CP).

            Portanto, segundo o posicionamento majoritário, o período depurador de 05 (cinco) anos previsto no art. 64, I, do Código Penal não seria aplicado para a circunstância judicial dos antecedentes criminais. Nesse sentido, segue julgado do Superior Tribunal de Justiça, a saber:

HABEAS CORPUS. ART. 157, § 2.°, I, II E V, DO CÓDIGO PENAL. (1) IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) MAUS ANTECEDENTES. CONDENAÇÕES ANTERIORES. DECURSO DO PRAZO PREVISTO NO ART. 64, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. CONFIGURAÇÃO DE MAUS ANTECEDENTES. POSSIBILIDADE. (3) PENA-BASE. QUANTUM. DESPROPORCIONALIDADE. ILEGALIDADE (...).

1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso especial.

2. Não há ilegalidade a ser reconhecida no tocante à fixação da pena-base acima do mínimo legal em razão da configuração de maus antecedentes. À luz do art. 64, inciso I, do Código Penal, ultrapassado o lapso temporal superior a 5 anos entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior, as condenações penais anteriores não prevalecem para fins de reincidência. Podem, contudo, ser consideradas como maus antecedentes, nos termos do art. 59 do Código Penal. (...)

(HC 223.920/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 24/10/2013, DJe 04/11/2013).[29]

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, em decisão inovadora[30], aplicou à circunstância dos antecedentes criminais (art. 59 do CP) o período depurador previsto no art. 64, inciso I, do CP, o qual faz menção à agravante da reincidência. Interessante transcrever trecho do voto do Ministro Relator, Dias Toffoli, no HC 119200/PR, in verbis:

“Com efeito, a interpretação do disposto no inciso I do art. 64 do Código Penal deve ser no sentido de se extinguirem, no prazo ali preconizado, não só os efeitos decorrentes da reincidência, mas qualquer outra valoração negativa por condutas pretéritas praticadas pelo agente.

Penso que eventuais deslizes na vida pregressa do sentenciado que não tenha, há mais de cinco anos, contados da extinção de pena anterior que lhe tenha sido imposta, voltado a delinquir, não podem mais ser validamente sopesados como circunstâncias judiciais desfavoráveis (CP, art. 59), sob pena de perpetuação de efeitos que a lei não prevê e que não se coadunam com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e do caráter socializador da reprimenda penal. (...)

O homem não pode ser penalizado eternamente por deslizes em seu passado, pelos quais já tenha sido condenado e tenha cumprido a reprimenda que lhe foi imposta em regular processo penal.

Faz ele jus ao denominado ‘direito ao esquecimento’, não podendo perdurar indefinidamente os efeitos nefastos de uma condenação anterior, já regularmente extinta.

Por isso, delimitou expressamente o legislador o prazo de cinco (5) anos para o desaparecimento dos efeitos da reincidência (CP, art. 64).

Se essas condenações não mais se prestam para o efeito da reincidência, que é o mais, com muito maior razão não devem valer para os antecedentes criminais, que são o menos.”[31]

            Os doutrinadores que defendem esta tese da “temporariedade dos maus antecedentes”, no mesmo sentido do julgado acima, afirmam que essa seria a interpretação mais razoável, tendo em vista que evitaria que os efeitos de uma condenação se propagassem por toda a vida do agente, além de não haver justificativa lógica para que cessem os feitos da condenação com relação à reincidência e não com relação aos maus antecedentes.[32] O Ministro Relator Dias Toffoli, dentre os seus fundamentos, justificou a tese no “direito ao esquecimento” do réu.

Ressalte-se que o presente tema quanto à existência de prazo limite para utilização de uma sentença condenatória definitiva como mau antecedente foi afetado pelo Supremo Tribunal Federal no RE no 593818 RG[33] e encontra-se pendente de julgamento. Somente após a decisão de mérito pelo Plenário do STF, em sede de Repercussão Geral, é que haverá unicidade da jurisprudência.

Ultrapassado esse ponto específico, sabendo-se que a posição doutrinária é no sentido de que a agravante da reincidência também é aplicável aos delitos culposos e preterdolosos[34], com base na jurisprudência do STJ, interessante mencionar o julgado veiculado no seu Informativo no 493, o qual considerou não ser possível utilizar condenação anterior como mau antecedente, caso a primeira condenação tenha sido por crime culposo e o novo crime praticado seja doloso. A justificativa adotada pelo Ministro Relator, Marco Aurélio Bellizze, foi no sentido de que "o aumento da pena do crime doloso por crime culposo cometido em passado distante afrontaria os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na fixação da pena privativa de liberdade."[35] Segue a ementa do mencionado julgado, in verbis:

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DOSIMETRIA DA PENA. VALORAÇÃO DE CONDENAÇÕES POR CRIMES DE LESÃO CORPORAL CULPOSA E EXTINTAS HÁ MAIS DE CINCO ANOS. CONSIDERAÇÃO NA PRIMEIRA ETAPA DA FIXAÇÃO DA PENA COMO MAUS ANTECEDENTES. NÃO CARACTERIZAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA.

1. Não há falar em flagrante ilegalidade se o Juízo sentenciante considera na fixação da pena condenações pretéritas, ainda que tenha transcorrido lapso temporal superior a 5 (cinco) anos entre o efetivo cumprimento das penas e a infração posterior, pois, embora não sejam aptas a gerar a reincidência, nos termos do art. 64, inciso I, do Código Penal, são passíveis de serem consideradas como maus antecedentes no sopesamento negativo das circunstâncias judiciais.

2. Na hipótese dos autos, ainda que condenações anteriores possam, em princípio, caracterizar os maus antecedentes do paciente, tenho que a peculiaridade de terem sido os delitos cometidos em sua forma culposa mostra-se suficiente para infirmar o entendimento consolidado nesta Corte, pois que a sua adoção no caso em exame afrontaria os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na fixação da pena privativa de liberdade, com o aumento da pena do crime doloso por crime culposo cometido em passado distante.

3. Habeas corpus concedido.

(HC 198.557/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 13/03/2012, DJe 16/04/2012).[36]

4. Concurso entre a agravante da reincidência e eventuais causas atenuantes:

            Em havendo concurso entre agravantes e atenuantes no mesmo caso concreto, aplica-se o critério da preponderância expresso no Código Penal:

Art. 67 No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.

            Com base nesse artigo, orientação pacífica do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que "a atenuante da menoridade relativa prepondera sobre qualquer outra circunstância, inclusive sobre a reincidência"[37].

            Através de análise jurisprudencial com relação ao concurso de agravantes e atenuantes, a doutrina indica uma ordem de preponderância:

            1a - atenuantes da menoridade e da senilidade;

            2a - agravante da reincidência;

            3a - atenuantes e agravantes subjetivas;

            4a - atenuantes e agravantes objetivas.[38]

            Especificamente com relação ao concurso entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência, faz-se imprescindível analisar a divergência de posicionamento entre o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.

            Segundo o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, a agravante da reincidência prepondera sobre a atenuante da confissão espontânea. Entende que "a reincidência é circunstância agravante que prepondera sobre as atenuantes, com exceção daquelas que resultam dos motivos determinantes do crime ou da personalidade do agente, o que não é o caso da confissão espontânea."[39]

            Ainda com base no mesmo julgado, o STF entende que a confissão espontânea é ato posterior ao cometimento da infração penal, não apresentando relação com o ilícito, sendo tão somente circunstância de interesse pessoal que demonstra "conveniência do réu durante o desenvolvimento do processo penal, motivo pelo qual não se inclui no caráter subjetivo dos motivos determinantes do crime ou na personalidade do agente."[40]

            O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, apresenta entendimento diverso ao passo que aplica a tese de que a agravante da reincidência deve ser compensada com a atenuante da confissão espontânea. Recentemente essa questão foi decidida sob a sistemática do recurso repetitivo[41].

            Da leitura do Informativo no 522 do Superior Tribunal de Justiça, depreende-se que a justificativa para a mencionada compensação entre a reincidência e a confissão espontânea é que esta também está prevista no rol das circunstâncias preponderantes, considerando que é um aspecto relacionado com a personalidade do agente.[42]

5. Reincidência X Proibição do bis in idem:

            Como já analisado em tópico anterior, em respeito ao princípio do non bis in idem, uma mesma condenação penal definitiva não pode ser valorada negativamente nos antecedentes criminais (1a fase) e também justificar a incidência da reincidência (2a fase). Nesse sentido, inclusive, existe Súmula do Superior Tribunal de Justiça, a saber:

STJ Súmula nº 241 - 23/08/2000 - DJ 15.09.2000

Reincidência - Circunstância Agravante - Circunstância Judicial

A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial.

               Situação distinta é quando o réu apresenta mais de uma condenação definitiva e o magistrado, ao aplicar a dosimetria da pena, considera uma condenação como maus antecedentes e outra como hipótese de reincidência - nesse caso, cada fato só foi valorado uma vez e, portanto, não se configura bis in idem a utilização de condenações definitivas, anteriores e distintas, para caracterização de maus antecedentes e reincidência."[43]

               Caso interessante foi o exposto no Informativo no 506 do Superior Tribunal de Justiça, situação em que o réu possuía 02 (duas) condenações definitivas e anteriores e o magistrado, ao analisar a nova infração penal praticada pelo agente, utilizou uma condenação como maus antecedentes e a outra como reincidência, porém novamente utilizou essas condenações criminais para justificar que o agente possuía "personalidade voltada ao crime." O STJ declarou que houve bis in idem porque os fatos utilizados para negativar a personalidade do agente foram os mesmos que foram analisados com relação aos maus antecedentes e a reincidência.[44]

               Ocorre que, além dos casos acima já expostos, há doutrinadores que defendem que o instituto da reincidência por si só já caracterizaria bis in idem. Alegam que quando se majora a pena em razão da reincidência, o agente novamente está sendo apenado pelo fato anteriormente cometido - seria uma segunda punição pelo mesmo crime e, por isso, representa violação aos princípios constitucionais da legalidade e da proporcionalidade.[45]

            Não é essa a tese que prevalece nos Tribunais Superiores, inclusive, merece destaque o Informativo no 700 do Supremo Tribunal Federal, o qual ilustra um julgado que a Corte Suprema reconhece a constitucionalidade do instituto da reincidência (art. 61, I, CP), justificando-o como forma de efetivar o princípio constitucional da individualização da pena (art. 5o, XLVI, CF) ao passo em que possibilita a punição mais severa ao réu reincidente se comparado com o réu primário[46]. Também é possível perceber respeito ao princípio constitucional da igualdade (art. 5o, caput, CF), no sentido de os iguais devem ser tratados de modo igual e os desiguais, de modo desigual, na medida de suas desigualdades.

6. Espécies de reincidência e documentos aptos a sua comprovação:

            A doutrina distingue algumas espécies de reincidência[47]:

a) Reincidência real: ocorre quando o agente comete nova infração penal após ter efetivamente cumprido a totalidade da pena imposta pelo crime anterior (e antes do período depurador de cinco anos);

b) Reincidência ficta: essa hipótese ocorre quando a nova infração penal é cometida após o agente ter sido condenado definitivamente, mas antes de ter cumprido a totalidade da pena imposta pelo delito anterior - nesse caso, o prazo da caducidade da reincidência sequer começou a correr;

c) Reincidência genérica: configura-se quando os crimes praticados pelo agente são de espécies distintas;

d) Reincidência específica: quando os crimes praticados pelo agente são da mesma espécie.

            Nesse tópico, interessante mencionar o que representa o termo "tecnicamente primário", o qual é rotineiramente empregado. Segundo Ricardo Augusto Schmitt, o termo decorreu de uma construção jurisprudencial, sendo utilizado para caracterizar 02 (duas) situações distintas:

1a - agente que cometeu nova infração penal somente após o período depurador da reincidência;

2a - quando o agente possui várias condenações definitivas, mas nenhuma delas gera reincidência, em razão do fato de não ter sido condenado por novo crime após o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória[48].

            Com relação ao meio de prova apto a comprovar a agravante da reincidência, em regra o instrumento hábil a ser citado pelo magistrado na sentença é a certidão cartorária, a qual deve indiciar a data do fato e do trânsito em julgado da condenação, além das demais informações necessárias.

            Ocorre que o Supremo Tribunal Federal admitiu a utilização da folha de antecedentes criminais para comprovar o instituto da reincidência, alegando que a legislação não indicou taxativamente qual a documentação necessária a sua comprovação. Segue a ementa do mencionado julgado, in verbis:

HABEAS CORPUS. PENAL. REINCIDÊNCIA COMPROVADA. VALIDADE DA FOLHA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS EXPEDIDA PELO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL PARA ESSE FIM. PRECEDENTE DA CORTE. ORDEM DENEGADA. I - Neste writ, alega-se que a folha de antecedentes expedida pelo Departamento da Polícia Federal não é documento hábil para comprovar a reincidência do paciente, o que somente poderia ser atestado mediante certidão cartorária judicial. II - A legislação estabelece apenas o momento em que a reincidência pode ser verificada (art. 63 do CP), sem, contudo, exigir um documento específico para a sua comprovação. Precedentes. III - A sentença condenatória ora em exame é de 3/9/2008 e a certidão indica que o trânsito em julgado da condenação anterior ocorreu em 2/12/2003. Portanto, na data da nova condenação, o paciente ainda era tecnicamente reincidente, nos termos da legislação penal aplicável. IV - A folha de antecedentes criminais expedida pelo Departamento de Polícia Federal no Estado de Mato Grosso do Sul é formal e materialmente idônea para comprovar a reincidência do paciente, porquanto contém todas as informações necessárias para tanto, além de ser um documento público, com presunção iuris tantum de veracidade. V - Ordem denegada.

(STF. HC 103969, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 21/09/2010).[49]

7. Efeitos da reincidência:

            No decorrer deste artigo, foi dado destaque ao fato da reincidência ser uma agravante genérica prevista na parte geral do Código Penal e, como efeito dessas circunstâncias legais, a pena base deve ser agravada, em regra, no patamar de 1/6 - desde que devidamente cumpridos os requisitos exigidos a sua incidência.

            Ocorre que os efeitos da aplicação da reincidência vão além da capacidade de agravar a pena base. Este instituto é apto a produzir inúmeras outras consequências negativas ao réu, as quais apresentam expressa previsão legal. Dentre as possíveis consequências, destaca-se que:

a) o regime inicial de cumprimento da pena se torna mais gravoso (art. 33, §2o, do CP);

b) o reincidente em crime doloso não tem o direito à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito (art. 44, II, do CP);

c) o reincidente em crime doloso também não tem direito à suspensão condicional da pena - sursis (art. 77, I, do CP), exceto se a condenação do réu aplicar-lhe exclusivamente pena de multa (art. 77, §1o, do CP);

d) o réu reincidente não poderá ser beneficiado com o privilégio do furto (art. 155, §2o, do CP) e, consequentemente, esse privilégio também não será aplicado aos crimes de apropriação indébita (art. 170), estelionato (art. 171, §1o, do CP) e receptação (art. 180, §5o, do CP);

e) o fato do réu ser reincidente também impede a concessão da transação penal e da suspensão condicional do processo (arts. 76, §2o, I, e 89, caput, ambos da Lei no 9.099/95);

f) a reincidência influencia no tempo necessário para a concessão do livramento condicional - ampliando a fração necessária de cumprimento da pena (art. 83 do CP);

g) o prazo da prescrição executória aumenta em 1/3 se o condenado é reincidente (art. 110 do CP);

h) a reincidência também é hipótese de causa interruptiva da prescrição executória (art. 117, VI, do CP);

i) configurada a reincidência, esta é causa de revogação do sursis (art. 81, I e §1o, do CP), do livramento condicional (arts. 86, I e II, e 87, do CP) e da reabilitação, salvo se a pena imposta pela condenação seja unicamente de multa (art. 95 do CP).

8. Conclusão:

            O instituto da reincidência apresenta expressa previsão legal (arts. 61, inciso I, do CP e art. 7o da Lei no 3.688/41) e, segundo corrente majoritária, é constitucional - inclusive há recente posicionamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal nesse sentido.

             O fato da pena base ser agravada em razão da reincidência não viola a vedação do bis in idem e, no caso concreto, reflete aplicação dos princípios constitucionais da individualização da pena e da isonomia (art. 5o, caput, e inciso XLVI, da CF/88).

            Em resumo, os requisitos necessários à caracterização da reincidência são: a) existência de condenação penal anterior transitada em julgado; e b) cometimento de nova infração penal após a condenação definitiva anterior.

            Interessante analisar o quadro de estudo:

1o Momento:

2o Momento

Consequência:

Condenação penal definitiva por crime no Brasil ou no estrangeiro

Cometimento de um novo crime

Reincidência (art. 63, CP)

Condenação penal definitiva por crime no Brasil ou no estrangeiro

Cometimento de uma contravenção penal

Reincidência (art. 7o, LCP)

Condenação penal definitiva por contravenção penal praticada no Brasil

Cometimento de uma nova contravenção penal

Reincidência (art. 7o, LCP)

Condenação penal definitiva por contravenção penal praticada no Brasil

Cometimento de crime

NÃO gera reincidência: ausência de previsão legal.

Contudo, gera Maus Antecedentes.

Condenação penal definitiva por contravenção penal praticada no estrangeiro

Cometimento de crime ou contravenção

Não gera reincidência (art. 7o, LCP).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LIVROS

1 . CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Parte Geral (arts. 1o ao 120). JusPodivm, 2013.

2. SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença penal condenatória. Teoria e prática. 7a ed. JusPodivm, 2012.

SITES

1. http://www.stf.jus.br;

2. http://www.stj.jus.br.

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Sobre o autor
Marcella Pontes

Marcella Waleska Costa Pontes de Mendonça<br>Graduada em Direito pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL<br>Assessora Jurídica do Tribunal de Justiça de Alagoas - TJAL<br>Aluna da especialização em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus<br>Pesquisadora do laboratório de Direitos Humanos da Universidade Federal de Alagoas - UFAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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