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A inconstitucionalidade da súmula de efeito vinculante no Direito brasileiro

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5.0 - Conclusões

Frente a esta análise realizada, pode-se dizer que a súmula de efeito vinculante, conforme assinalado pelos diversos autores contrários a tal medida, além de estar sendo banida dos ordenamentos jurídicos dos países mais adiantados, poderia, também, ser utilizado como forma do Governo Federal "impor" à toda a sociedade, via Poder Judiciário - uma vez que os Ministros do Supremo são escolhidos por indicações, sobretudo, políticas -, um determinado entendimento jurisprudencial, através de súmulas de efeito vinculante, que reflitam, acima de tudo, suas pretensões meramente politiqueiras, como foi, por exemplo, o caso dos seqüestros de bens, realizados pelo ex-Presidente Fernando Collor, onde os Ministros deram apoio às medidas tomadas pelo então Presidente.

Deve-se levar em conta, ainda, que, geralmente, é através dos votos vencidos que nascem as novas interpretações jurisprudenciais, que contribuem para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do Ordenamento Jurídico, que já é bem fechado e inflexível, sendo, ao contrário, recomendado e necessário, que este esteja sempre aberto às transformações sociais, principalmente neste mundo globalizado de hoje em dia, onde, "do dia para noite" ocorrem violentas transformações, sobretudo nas áreas econômicas, comerciais e científicas. O direito é algo vivo, móvel e pulsante, não podendo, em hipótese alguma, ser tratado como um ser inanimado (José Anchieta da Silva, op. cit. pág. 47). O direito deve ser estável, porém não pode jamais permanecer estático (Roscoe Pound, apud José Anchieta da Silva, op. cit. pág. 46).

Não se pode esquecer, ainda, que a independência e liberdade da magistratura está cravada de maneira indelével no espírito do Estado Democrático de Direito (garantido pela CF/88 no art. 1º, caput), não sendo possível tornar os juízes de primeiro grau em escravos dos tribunais superiores sem, no mínimo, transformar este estado em um estado autoritário.

A adoção do efeito vinculante acabaria fazendo letra morta o princípio do due process of law, insculpido na Constituição Federal, uma vez que o efeito vinculativo obrigatório negaria a defesa aos que não participaram do processo, que não produziram provas, que não foram chamados a se defender, através da negativa de seu acesso à justiça, afastando seus direitos da apreciação jurisdicional, ou, em casos raros, onde a parte insistisse em pedir a tutela jurisdicional, o processo teria fim com uma sentença fundamentada apenas formalmente, o que também não condiz com a Carta Magna, inviabilizando o duplo grau de jurisdição, uma vez que o resultado do recurso já seria previamente conhecido, além de que criaria uma super-valorização do Poder Judiciário, o que não condiz com a harmonização dos Três Poderes.

Não se deve, ainda esquecer do disposto no artigo 17 do Código de Processo Civil, segundo o qual "reputa-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesas contra texto expresso de lei ou fato incontroverso...", de modo que, caso seja adotado o efeito vinculante, será possível condenar-se a parte por litigância de má-fé caso esta venha a pedir direito não reconhecido pela súmula vinculante, mesmo que esteja fundamentada em voto vencido declarado na edição da referida súmula. Além de que, dependendo-se de como for aprovada a Emenda Constitucional que aprove o efeito vinculante, poder-se-ia estar criando o "Crime de Hermenêutica", onde o juiz poderia ser condenado por discordar do entendimento sumular.

A verdade é fria, os que são favoráveis ao efeito vinculante, na verdade desejam fechar o Judiciário às lutas populares, desejam acabar com o avanço dos direitos fundamentais e, sobre tudo, dos Direitos Humanos, que, a partir da Constituição Federal de 1988, passaram a ser objetivos da República Federativa do Brasil (CF/88, artigo 3º), desejam, mais, transformar o Poder Judiciário, o único poder "sério" que o país ainda possui, em mero "braço" do Poder Executivo, convalidando suas ações pouco democráticas.

A adoção do efeito vinculante não será capaz de transformar a máquina do Judiciário em "exemplo de eficiência", como defendem os favoráveis à "lei da mordaça", primeiro porque o principal culpado pelo gigantesco número de processos "entulhados" nos tribunais superiores é, justamente, o governo, sobretudo o Federal, que insiste em recorrer das decisões de instâncias inferiores apenas com o intuito de adiar para o próximo governo, o pagamento das ações que sabe que perderá, além de que, em segundo lugar, a grande demora das soluções processuais, se deve, em grande parte pela insuficiência de magistrados e funcionários públicos em geral. E, assim, a medida, apesar de contribuir para uma aceleração da solução da lide, não contribuirá para a celeridade processual da forma como é salientado pelos favoráveis ao efeito vinculante.

Cumpre lembrar por fim, que o artigo 60, § 4º, IV da Constituição Federal veda qualquer alteração constitucional que vise abolir os direitos e garantias individuais, de forma que não pode ser aceita, por inconstitucional, qualquer alteração da Constituição Federal que tenha por finalidade dar às súmulas dos tribunais superiores o efeito vinculante, uma vez que, como visto, tal efeito atenta diretamente com o princípio do due process of law e com as garantias constitucionais corolárias deste princípio, como por exemplo a da amplitude de defesa, do acesso à justiça, da inafastabilidade da apreciação jurisdicional frente à lesão ou ameaça a direito, e da fundamentação das decisões judiciais, além de atentar também contra os princípios do duplo grau de jurisdição e da separação dos poderes.

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Não se trata de ser radicalmente contra as súmulas de efeito vinculante, de forma que estas poderão ser muito úteis se utilizadas apenas para os casos referentes às matérias Administrativas, Tributárias e Previdenciárias, onde o poder público tenha sucumbido frente aos interesses particulares, ou ainda, nos casos de Interesses Difuso e/ou Coletivos, de forma que tal efeito vinculatório, por ser absolutamente anti-democrático não deve ser permitido em outros casos não elencados.

E, mesmo nos casos onde deveria ser admitido o efeito vinculante, deveria, por outro lado, haver um mecanismo que permitisse a real revisão da súmula, uma vez que o direito deve ser, sempre, um instrumento de libertação (Conforme preconiza João Baptista Herkenhoff em seus mais variados livros, sobretudo "Como aplicar o Direito" da Editora Forense e "Direito e Utopia" da Livraria do Advogado).


6.0 - Referências Bibliográficas

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Sobre o autor
Enéas Castilho Chiarini Júnior

advogado e árbitro em Pouso Alegre (MG), especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC) em parceria com a Faculdade de Direito do Sul de Minas Gerais (FDSM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. A inconstitucionalidade da súmula de efeito vinculante no Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 91, 2 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4248. Acesso em: 28 mar. 2024.

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