Importância da função social do contrato

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Tendo em vista a importância das tratativas contratuais no meio social, busca-se entender as limitações sofridas na liberdade contratual, para que a autonomia da vontade das partes não esbarre no interesse coletivo.

1. Introito evolutivo:

Atitudes decorrentes da emergente civilização humana, os povos passaram a realizar tratativas ao invés de usar das próprias forças para alcançar seus fins, deixando para trás o estado da barbárie e as concepções individualistas, passando a negociar entre sei, o que demonstra a evolução moral e social do ser humano.

Através dos tempos o instituto jurídico do contrato vêm sendo moldado à estrutura social no qual se insere, por tratar-se de um meio utilizado para circular riquezas e bens entre os membros da sociedade, sendo, desta forma,  uma criação da sociedade e para a sociedade, de acordo com a época, local e modelo econômico vigente.


2. Conceito de contrato:

Contrato é um acordo de vontades bilateral que tem por fim criar, modificar ou pôr fim a direitos e obrigações, ou, como o conceituou Clóvis Beviláquia “é o acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”. Os direitos e obrigações objetos dos contratos são os interesses, os bens da vida que determinados sujeitos, ao realizar uma tratativa, têm em mente almejá-lo por meio daquele a fim de satisfazer seus desejos.


3. Influência da Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002

A constituição de 1988, em seu contexto social, traz em seu bojo princípios aplicáveis em geral às relações entre particulares, em especial aos contratos, como a dignidade da pessoa humana, a isonomia, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que retratam a importância de aspectos não apenas particulares nas relações interinidividuais, mas também do contexto social envolvido em tais tratativas.

O código Civil de 2002, permeado substancialmente dos princípios contidos na Lei Maior, trouxe consigo princípios sociais contratuais que reforçam o intuito da Constituição de 1988, quais sejam a boa-fé contratual e a função social dos contratos, ditas “cláusulas gerais“, ou seja, normas principiológicas sem determinação ou resultado jurídico concreto, devendo ser analisadas e preenchidas valorativamente em cada caso concreto. Como aduz Flávio Tartuce, “o preenchimento dos conceitos legais indeterminados que constam da atual codificação privada, caso da função social e da boa-fé objetiva, deve-se dar a partir de valores constitucionais, caso da dignidade humana, da solidariedade social e da igualdade substancial, em sentido amplo”.


4. Função social

O tema vem tratado no artigo 421 do Código Civil, que assim descreve:

“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social “

Com essa descrição, o dispositivo vem trazendo à tona o interesse do legislador no sentido de que as negociações entre particulares não possuam caráter apenas individualista, mas que se adequem ao meio onde estão sendo realizadas, buscando, além de alcançar o próprio objetivo, o bem comum da coletividade.

A claúsula geral também pode ser encontrada no artigo 2.035 do mesmo diploma normativo, em seu parágrafo único, que assim descreve que:

“ Art. 2.035. (...)

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos. “

O aludido dispositivo reforça a vontade da lei de enfatizar as questões sociais em detrimento à individualidade humana, protegendo a coletividade de eventuais abusos a serem causados na ausência de limitações ao exercício da autonomia da vontade na seara contratual. 


5. Relação com demais princípios contratuais

Tendo em vista o conceito de contrato, o acordo de vontades característico de sua formação significa que as partes possuem ampla liberdade de contratar, sendo facultada a celebração do contrato, ou seja, há possibilidade de aceitação ou rejeição da formação de uma tratativa sob a forma de contrato, sendo desta forma uma autorregulamentação de interesses.

A liberdade contratual tem base legal no artigo 421 do Código Civil de 2002, dispondo que “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. No contexto social em que tal codificação está inserida, é claro o fato de que autonomia privada para realizar tratativas contratuais encontra restrições em regras cogentes, devendo observar os demais princípios que regem o diploma normativo civilista também a Constituição sobre a qual se subordina. Um dos princípios que devem os sujeitos da relação contratual atentar-se é o da função social, por decorrência da sociabilidade presente nas leis atuais, fazendo com que a concepção social prevaleça sobre interesses puramente particulares, caracterizando o princípio da supremacia da ordem pública. Este último, relacionado com a função social, limita a autonomia da vontade, dando prevalência ao interesse público

Em relação ao princípio da obrigatoriedade dos contratos, que nos traz a idéia de que o contrato, a partir do momento em que é formado, vincula as partes que o fizeram, devendo estes cumpri-lo, sob pena de serem considerados inadimplentes. Também este, assim como todos os demais princípios contratuais, deve observar a limitação imposta pela cláusula de observância geral da função social, devendo ser mantidos e continuados os contratos que não ferem o bem comum, que se adéquam aos interesses transindividuais, moldando-se à realidade legal do Direito Contratual.

No que tange à relatividade dos efeitos decorrentes da formação de um contrato, em regra este só se perfaz entre os contratantes, não afetando terceiros. O objetivo de um contrato é satisfazer uma necessidade exclusivamente individual, portanto devendo produzir seus efeitos apenas entre as partes que o houvessem ajustado; com o advento do Código Civil de 2002, a concepção social foi enfatizada, cabendo ao contrato não apenas a realização de pretensões entre os que o firmaram, mas a ele é atribuído uma função social, possibilitando, como aduz Carlos Roberto Gonçalves, que “terceiros que não são propriamente partes do contrato possam nele influir, em razão de serem direta ou indiretamente por ele atingidos”.

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6. Conclusão

A mudança no paradigma e enfoque constitucional, introduzindo no ordenamento princípios de observância geral que dão superioridade jurídica aos interesses sociais em face aos unicamente individuais, transformou de maneira profunda e de forma benéfica o Direito Civil, mais precisamente as relações contratuais por este ramo regida, instituindo preceitos que objetivam equilibrar as relações entre indivíduos, que se tornam abusivas em vistas à liberdade que estes possuem para realizar suas convenções.

A função social do contrato não tende a suprimir direitos, mas apenas relativizá-los, condicionando-os à exigência do bem comum, adequando-os a preceitos superiores de ordem pública, que devem ter maior importância e atenção para o convívio social harmônio e igualitário, como rezam os moldes principiológicos constitucionais.

Deste modo, nas tratativas de direito provado, sob a égide do Código Civil de 2002, o inovador princípio sob a forma de cláusula-geral, denominado função social, molda todo o sistema legal em relação aos contratos, demonstrando com isso a sociabilidade humana, reforçando a tese de que o interesse público se sobrepõe ao privado.


7. Referências

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 15ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo, 2010.

GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil IV– Contratos – Teoria geral. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume III: contratos e atos unilaterais – 6. ed. rev., São Paulo: Saraiva, 2009.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil Vol. 3. 6ª Edição. Editora Método. São Paulo, 2011.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. 2ª Edição. Editora Atlas. São Paulo, 2011

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Sobre o autor
Wilker Jeymisson Gomes da Silva

Graduando em Direito na FESP Faculdades. Atualmente é estagiário do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba. Ex-estagiário do Tribunal Regional do Trabalho - 13ª Região. Monitor da disciplina de Direito Administrativo II na FESP Faculdades. Pesquisador na área de Direito do Trabalho e Processo Civil.

Informações sobre o texto

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