Poder constituinte originário e poder de reforma constitucional

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11/09/2015 às 20:46
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Análise do procedimento de elaboração de uma Carta Magna e o procedimento para sua reforma e atualização.

Introdução

O presente trabalho acadêmico aprofunda-se na análise e reflexão sobre dois importantes objetos de estudo do Estado, são eles o Poder Constituinte Originário e o Poder de Reforma Constitucional.

Nesse sentido, segue o presente memorial penetrando no contexto de formação e reforma da Lei fundamental de uma sociedade política, estabelecendo conceitos e análises dos sistemas legais que vigerão posteriormente. Restando esclarecer, que toda essa análise encontra-se dentro de uma disciplina chamada Teoria Geral do Estado e da Constituição.

A TGE que é o principal requisito para o posterior estudo de Direito Constitucional, é a análise do Estado como um todo, sua importância pode ser compreendida através das palavras do emérito Professor Dalmo de Abreu Dallari, in verbis:

“O estudo de Teoria geral do Estado (TGE) é de profunda importância para futuros operadores do direito, sendo requisito obrigatório para conclusão de curso e aptidão para o bacharelado e a advocacia. Tal exigência é explicada pela amplitude de conhecimentos que a referida disciplina propicia aos seus estudantes, afinal é através de seu estudo que se conhece e compreende os fenômenos do Estado, desde sua origem, formação, estrutura, organização, funcionamento e suas finalidades, compreendendo-se no seu âmbito tudo possui relevância para o Estado ou através dele.”

Portanto, o estudo de TGE e de seus objetos epistemólogicos são vitais para o futuro operador de direito, afinal atualmente há a preocupação de formação de juristas e não meros mecanicistas de direito, ao passo que em um mundo de tal complexidade jurídica, filosófica e social, entender o funcionamento desse organismo político que nos rodeia deve ser o diferencial para os futuros constitucionalistas do século XXI.

Antes de iniciarmos a análise do Poder Constituinte Originário e o Poder de Reforma Constitucional, é necessário entender o universo que rodeia esses dois objetos de estudo, portanto, se faz necessário conhecer o conceito e a evolução histórica do Direito Constitucional, a fim de entender a disciplina em que estão enquadrados os dois tópicos do presente trabalho acadêmico.

Conceito de Direito Constitucional

Ao ramo do direito responsável por analisar e controlar as leis fundamentais que regem o Estado dá-se-lhe o nome de direito constitucional. O seu objeto de estudo é a forma de governo e a regulação dos poderes públicos, tanto na sua relação com os cidadãos como entre os seus vários órgãos.

O poder político é formado pelas instituições às quais a sociedade lhes tenha outorgado o monopólio do uso da violência. Ou seja, o poder político tem a capacidade de coerção para obrigar a cumprir os seus mandatos imperativos através da violência legítima, sempre que este uso seja necessário.

O direito constitucional, que pertence ao direito público, é sustentado na Constituição, que é um texto jurídico-político que fundamenta o ordenamento do poder político. A Constituição é a norma suprema de um país, pelo que prevalece sobre qualquer outra normativa ou lei.

A Constituição é caracterizada pelo seu rigor, uma vez que apenas pode ser modificada mediante certas condições excepcionais que constam no seu próprio texto. A estrutura constitucional contempla um preâmbulo, uma parte dogmática (com os direitos fundamentais processuais e substantivos) e uma parte orgânica (com a criação dos poderes constituídos).

Entre os princípios doutrinais do direito constitucional, destacaremos a divisão de poderes (Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judicial) e a proteção do estado de direito (o poder estatal submetido a uma ordem jurídica), a soberania nacional e os direitos fundamentais (estabilidade e controlo da constitucionalidade, que é o mecanismo jurídico que garante o cumprimento das normas constitucionais).


História do Direito Constitucional

O Direito Constitucional surge num momento – o final do século XVIII – e num contexto – a Europa Ocidental e a América do Norte – em que o Estado estava firmemente consolidado como forma de organização típica da comunidade política. Como consequência deste fato, a realidade estatal é configurada, desde o princípio, como o marco do Direito Constitucional.  Paulo Bonavides diz que “a origem da expressão Direito Constitucional, consagrada há mais de um século, prende-se ao triunfo político e doutrinário de alguns princípios ideológicos na organização do Estado Moderno”.

O Estado deve ser considerado, deste modo, como uma realidade concreta na base de formação do Direito Constitucional e assim está colocado até este momento.

O conceito de Estado e categorias afins – como o Estado Nacional ou Soberania Estatal – são dois conceitos anteriores ao Direito Constitucional.

A origem e a história do Direito Constitucional estão associadas, portanto, ao surgimento e a evolução do Estado. O Direito Constitucional transforma o Estado/Nação em uma organização jurídico-político fundamental.

Na antiguidade a característica predominante era o governo único para governar as cidades-estados, como no Império Grego e Império Persa até o Império Romano onde tem início uma nova ordem, a ordem estatal.

A característica da Idade Média era o Regime feudal marcado pela concentração de riquezas e pelo predomínio do Direito Romano.           

Na Idade Moderna há a predominância do Estado absolutista caracterizado pelo Poder ilimitado do Rei.

Após a Idade Moderna verifica-se a predominância do Estado Liberal, onde o Estado se encontra sujeito ao império da lei; predomínio da economia privada, do Direito Privado. É com o Estado Intervencionista, em face das múltiplas atividades que o Estado passa a exercer.

A primeira cadeira de Direito Constitucional surge no século XVIII por ocasião da Revolução Francesa, com o objetivo de propagar na juventude o sentimento de liberdade, igualdade e fraternidade.

A origem da expressão Direito Constitucional, consagrada há cerca de um século, prende-se ao triunfo político e doutrinário de alguns princípios ideológicos na organização do Estado moderno. Impuseram-se tais princípios desde a Revolução Francesa, entrando a inspirar as formas políticas do chamado Estado liberal, Estado de direito ou Estado constitucional.

Consubstanciava-se numa ideia fundamental: a limitação da autoridade governativa. Tal limitação se lograria tecnicamente mediante a separação de poderes (as funções legislativas, executivas e judiciárias atribuídas a órgãos distintos) e a declaração de direitos.

Guizot, ministro da Instrução Pública, determinou, em 1834, na Faculdade de Direito de Paris, a instalação da primeira cadeira de Direito Constitucional. De França – aonde a expressão “constitucional” chegou ao Dicionário da Academia, um ano após a iniciativa de Guizot – o Direito Constitucional se trasladou a outros países, tornando-se de uso corrente no vocabulário político e jurídico dos últimos cem anos, período em que passou a designar o estudo sistemático das regras constitucionais.

Assim como o Direito Privado ganhara com a Revolução o Código de Napoleão, o Direito Público, graças a Guizot, ganhara com a Constituição aquele que, de futuro, seria o mais importante ramo da Ciência Jurídica: o Direito Constitucional, de características doutrinárias definidas. Um Direito Constitucional que aspirava a dar ao Estado as bases permanentes de sua organização, segundo as correntes do pensamento jurídico, individualista e liberal, tomando então por definitivo, absoluto, eterno, imutável.

Em virtude dessa origem histórica, sustentou-se, durante largo tempo, do ponto de vista doutrinário, que o Direito Constitucional e a Constituição eram distintos. E o eram, precisamente, por admitir-se, em coerência com a doutrina recém-exposta, a existência de Estados “sem Constituição”, ou apenas com uma “Constituição de fato”, nos quais não haveria lugar para o Direito Constitucional. Países dotados, pois, de Constituição de fato eram países sem Direito Constitucional, segundo o entendimento que prevaleceu, durante a primeira metade do século XIX, entre as noções liberais da Europa continental.

O Direito Constitucional era, então, o direito da Constituição, direito dos “povos livres”, referido a determinado texto, ou seja, a um conjunto de instituições, regidas pela “forma representativa”, sob a inspiração do liberalismo, daquela doutrina que diminuía ou confinava os poderes do Estado.

Tendo, historicamente, por base a filosofia jurídica do regime liberal, o Direito Constitucional acompanhou a crise do velho Estado burguês, até tornar nova configuração conceitual, mais jurídica do que filosófica, com a neutralização, para o estudioso ou pesquisador, dos valores aderentes às instituições, objeto daquela disciplina; valores, por conseguinte, já de nenhuma interferência na caracterização da Constituição ou do Direito Constitucional. Esse Direito Constitucional professadamente científico ou apolítico, o Estado liberal só o conheceu depois que seus juristas haviam, com máxima tranquilidade, cimentado um Estado de direito fora de todas as contestações contrarrevolucionárias do absolutismo.

Aquela acepção de fundo racionalista e normativista, decorrente, historicamente, do domínio político da classe burguesa à colher os primeiros frutos de sua vitória sobre os Estados da monarquia absoluta e sua respectiva organização de poder, cedeu lugar, hoje, a uma concepção mais ampla e verdadeira, muito menos tímida, aliás, aquela em que o Direito Constitucional é, conjuntamente, “técnica do poder” e “técnica da liberdade”; um Direito Constitucional político, sem ser, porém, contra ou a favor das instituições que abrange ou encerra. Enfim, para chegar a esse conceito, teve que se refletir o ocaso do constitucionalismo, com a queda de um sistema de valores e a decomposição de uma doutrina arraigadamente individualista. Não foi de emergência fácil e suave, porquanto veio no torvelinho de uma crise, que hoje açoita principalmente o ordenamento jurídico dos países constitucionais em desenvolvimento.

O Direito Constitucional deixa de ser, portanto, o que fora no século XIX: na doutrina, uma filosofia do Direito; na prática, uma espécie de direito público do liberalismo.

Ao termo de suas mais recentes transformações, alcançou ele o grau de autêntica Ciência Jurídica: a ciência das normas e instituições básicas de toda e qualquer modalidade de ordenamento político.

Podemos, enfim, concluir, com Marcel Prélot, que “o termo direito constitucional, sem epítelo nem determinativo, corresponde logicamente a qualquer conjunto de normas que venham a governar uma coletividade humana”.

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Poder Constituinte: Teoria e legitimidade

É o poder de elaborar e modificar normas constitucionais. É o instrumento ou meio legítimo de se estabelecer a constituição, a forma de Estado, a organização e a estrutura da sociedade política. Existem 3 espécies de Poder Constituinte: Originário (poder de elaborar uma constituição), Derivado (poder de modificar uma constituição), Decorrente (o poder constituinte originário atribui aos Estados-membros o poder constituinte decorrente para criarem suas próprias constituições).

Já a Teoria do Poder Constituinte é resultado de um momento histórico, conforme explicado na evolução histórica já apresentada, portanto, é basicamente uma teoria da legitimidade do Poder. Surge quando uma nova forma de Poder ganha força para se sobrepor a vigente, a partir da Revolução Francesa, substitui-se a vontade do Soberania Monárquica pela Soberania Popular, portanto, a teoria do Poder Constituinte faz sua aparição histórica e revolucionária em fins do século XVIII.

Esse poder novo, oposto ao Poder decadente e absoluto das monarquias de direito divino, invoca a razão humana ao mesmo passo que substitui Deus pela Nação como titular da Soberania. Nasce assim a teoria do Poder Constituinte, legitimando uma nova titularidade do Poder Soberano e conferindo expressão jurídica aos conceitos de Soberania Nacional e Soberania Popular.

Cumpre, todavia não confundir o Poder Constituinte com a sua teoria.

Poder Constituinte sempre existiu em toda sociedade política, porque jamais deixou de haver o ato de uma sociedade estabelecendo os fundamentos de sua própria organização. Uma teorização desse Poder para legitimá-lo, numa de suas formas ou variantes, só veio a existir desde o século XVIII, por obra da sua reflexão iluminista, da filosofia do contrato social, do pensamento mecanicista anti-historicista e antiautoritário do racionalismo francês, com sua concepção de sociedade. Numa fórmula feliz, estabeleceu Egon Zweig a síntese dessa teoria: um conceito novo para instituir a suprema potestas nationis et rationis (o poder supremo da nação e da razão).

A Teoria do Poder Constituinte nem sempre existiu. Surgiu como o poder constituinte nacional (soberania a serviço do sistema representativo ou transcende a vontade governativa do monarca, do príncipe, de poderes absolutos).

A Teoria do Poder Constituinte só se faz inteligível à luz de considerações sobre o problema da legitimidade.

Emergiu de uma concepção em que a titularidade do poder era deferida exclusivamente e por inteiro à Nação, única legítima para postular obediência ou estabelecer comando na sociedade.

Do ponto de vista formal, o Poder Constituinte sempre existiu e sempre existirá, sendo assim um instrumento ou meio com que estabelece a Constituição, a forma de Estado, a organização e a estruturada sociedade política.

Do ponto de vista material ou de conteúdo, individualizado e não generalizado, formulado já em termos históricos no âmbito de uma teoria, o Poder Constituinte é conceito realmente novo, com o objetivo de exprimir uma determinada filosofia do Poder, incompreensível fora de suas respectivas conotações ideológicas.

A Teoria do Poder Constituinte empresta dimensão jurídica às instituições produzidas pela razão humana. Como teoria jurídica, prende-se indissociavelmente ao conceito formal de Constituição, separa o Poder Constituinte dos Poderes Constituídos, toma-se ponto de partida e matriz de toda a obra levantada pelo constitucionalismo de fins do século XVIII e primeira metade do século passado, assinala enfim o advento das Constituições rígidas.

A Constituição obriga os Poderes Constituídos, não obriga o Poder Constituinte. Institui o governo, distribui a competência, separa os poderes, arma-os de prerrogativas, mas não constitui a Nação nem o corpo político, sempre soberano para modificá-la.

O aspecto político de Poder Constituinte tem a função de fazer com que a Nação ou o Povo (governados), sejam sujeitos da Soberania.

Pelo conceito jurídico o Poder Constituinte, implica na existência prévia de uma organização constitucional do qual ele é legitimado para o seu exercício.

O Poder Constituinte reside na Constituição, e para o seu exercício se serve de determinados órgãos com caráter representativo.

O Poder Constituinte é competente para ultimar a mudança constitucional e poderá: reformar a Constituição ab-rogá-la, se limitar a pequenas emendas, ou uma revisão que venha resultar a feitura de uma nova Carta.

O Poder Constituinte tem natureza política soberana, inerente à sua essência, absoluto, desatado de vínculos restritivos que não os da direta e imediata expressão de sua própria vontade, presente e atualizada. Muito embora a Teoria Constitucional Moderna busque um caráter mais jurídico do que político ao Poder Constituinte Derivado.

Sob a óptica da Soberania Nacional faz da Constituinte um Poder à parte, distinto dos Poderes Constituídos provido de competência, tanto para a revisão total como parcial da Constituição. Exerce poderes limitados.

Sob a óptica da Soberania Popular abrange duas alternativas teóricas, seguidas historicamente: a francesa, segundo a qual a Constituinte é o povo (concepção falsa, visto que a Soberania é de natureza indelegável), e a americana, que vê na Constituinte ou Convenção apenas uma Assembleia limitada cujo trabalho se legitima unicamente com a aprovação do povo.

A titularidade do Poder Constituinte não se concentra nem se absorve num único titular, visível ou definido. Há um Poder Constituinte de titularidade indeterminada.

A legitimidade de um Poder Constituinte assentado sobre a vontade dos governados e tendo por base o princípio democrático da participação apresenta uma extensão horizontal (amplitude de cidadãos que decidem a matéria ou escolhem seus representantes), e vertical, (permite mensurar os graus de participação popular).

A Teoria de Sieyès

O Poder Constituinte, distinto dos poderes constituídos, é do povo (nação), mas se exerce por representantes especiais. Não se faz necessário, acrescentava Sieyès, que a sociedade o exerça de modo direto, por seus membros individuais, podendo fazê-lo mediante representantes, entregues especificamente à tarefa constituinte, sendo-lhe vedado o exercício de toda a atribuição que caiba aos poderes constituídos.

Alguns apontamentos sobre a Teoria de Sieyès

Sieyès publicou um panfleto intitulado “O Que é o Terceiro Estado?” meses antes da Revolução Francesa. Para ele, a nação (povo) se identificava com o Terceiro Estado (burguesia), que eram responsáveis por toda atividade econômica e serviços da cidade, sendo excluídos dos serviços lucrativos e honoríficos que eram ocupados pelos outros dois Estados: a nobreza e o clero, que eram partes privilegiadas que poderiam ser suprimidas sem afetar a subsistência da Nação, uma vez que ocupavam os cargos de decisão e as funções essenciais da coisa pública, subjugando e oprimindo o Povo, usurpando seus direitos. No manifesto o Terceiro Estado pedia justiça e reivindicava uma parte, bem como, solicitava que seus representantes deveriam pertencer ao Terceiro Estado, e sua representação igual a dos privilegiados.

Sieyès na idealização do “Terceiro Estado” parte de um conceito de Rousseau: o de Soberania Popular, que é na essência o Poder Constituinte do Povo, fonte única de que procedem todos os poderes públicos. Mas Sieyès é o teorista por excelência do sistema representativo e esse sistema se mostra infenso às teses do Contrato Social, sobretudo aquela cláusula única a que reduzia Rousseau todo o pacto de sociedade: “a alienação completa de cada associado com todos seus direitos na comunidade inteira”.

O Poder Constituinte, distinto dos Poderes Constituídos, é do Povo, mas se exerce por representantes especiais (a Convenção). Não se faz necessário, acrescentava Sieyès, que a sociedade o exerça de modo direto, por seus membros individuais, podendo fazê-lo mediante representantes, entregues especificamente à tarefa constituinte, sendo-lhe vedado o exercício de toda a atribuição que caiba aos Poderes Constituídos.

Neste sentido, um corpo de representantes necessita de uma Constituição na qual sejam definidos os seus órgãos, as suas formas, as funções que lhe são destinadas e os meios de exercê-las. As leis constitucionais regulam e organizam os Poderes Constituídos e não podem ser por eles atingidas, pois somente a Nação tem o direito de fazer a Constituição. O Poder Constituinte é, por assim dizer um Poder de Direito, que não encontra limites em direito anterior, sendo inalienável, permanente e incondicionado. A Nação não está submetida a Constituição. Os Poderes Constituídos, ao contrário, são limitados e condicionados, recebendo sua existência e sua competência do Poder Constituinte, organizados e atuando de acordo com a Constituição.

Assim sendo, a Nação, segundo o entendimento clássico de Sieyès, jamais deixa o estado de natureza, visto que independe de leis, regras ou formas. Tem ela, por conseguinte, enquanto titular do Poder Constituinte, o direito absoluto de mudar a Constituição. Com a Constituição é possível criar e organizar o Governo, produto do Direito Positivo; nunca porém a Nação, obra do Direito Natural.

As Constituições não podem assim vincular nem sujeitar a nação soberana, onde basicamente reside o Poder Constituinte, matriz de todos os Poderes Constituídos que emanam da vontade geral, vêm do Povo, ou seja, da Nação.

Como noção política, o Poder Constituinte, qual o concebeu Sieyès, se confunde com a vontade da Nação. É pode que tudo pode. Ao fazer a Constituição, ele não se autolimita, porque sendo a expressão mesma da vontade Nacional, não pode ser “acorrentado no exercício dessa vontade por nenhuma prescrição constitucional, por nenhuma forma constituída”.

A Constituição obriga os Poderes Constituídos, não obriga o Poder Constituinte; ela institui o Governo, distribui a competência, separa os poderes, arma-os de prerrogativas, mas não constitui a Nação nem o corpo político, sempre soberano para modificá-la. A doutrina de Sieyès coloca o Poder Constituinte fora da Constituição. Com essa doutrina, porém ele se mostrará posteriormente contraditório, carente de lógica, ao intentar conciliá-la com a aplicação do regime representativo em matéria constituinte, ou seja, com a adaptação do regime representativo ao ato fundamental de elaboração da Constituição.

Como afirma Sieyès, “uma Constituição pressupõe antes de qualquer coisa um Poder Constituinte”, é por essa razão, entre outras, que ela “somente pode ter por objeto assegurar os direitos do homem e do cidadão”. Um dos meios essenciais de afiançar, pois, os direitos individuais consistem em traçar limites ao Poder das Autoridades Constituídas, nomeadamente ao legislador impondo-lhe no ato constitucional regras superiores das quais não possa eximir-se e cuja alteração lhes escape: “essas regras limitativas, obra de uma autoridade constituinte superior, comporão a garantia dos particulares.”

A grande descoberta ou o grande passo que a Ciência deu e a que se reportava o abade Sieyès é indubitavelmente o que procede da verificação de que o Poder Constituinte existe como fato. Mas não como fato apenas, senão também como valor, em cujo nome atua com legitimidade os Poderes Constituídos, que não devem confundir-se com o Poder Constituinte.

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