Consequência de erros

14/09/2015 às 03:08
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O artigo, a partir de fato concreto, lembra conceitos essenciais à administração pública e ainda discute a questão do controle administrativo.

Não há mal sem consequência.

Em  mais um capitulo desse filme de terror que é administração financeira do país, revela-se algo dantesco:  A Caixa Econômica Federal ajuíza ação contra a União Federal.

A Caixa Econômica Federal cobra na Justiça R$ 274,4 milhões da União por conta de “pedaladas” dos ministérios das Cidades e da Agricultura. As duas pastas deixaram de pagar taxas de administração por serviços prestados pelo banco público na execução, por exemplo, do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no caso de Cidades, e de projetos financiados com emendas parlamentares, no caso da Agricultura. Desde o fim de 2013, duas ações de cobrança tramitam na 1ª e na 5ª Vara Federal em Brasília e, até agora, não haviam sido divulgadas. A falta de repasses do governo a bancos oficiais é justamente uma das principais acusações feitas à presidente Dilma Rousseff no Tribunal de Contas da União (TCU). Nas chamadas “pedaladas fiscais” nas contas de 2014, o Executivo federal fez com que bancos públicos, como a Caixa, arcassem com despesas de programas federais, sem que a União repassasse os recursos previstos. Na última semana, o governo entregou a defesa no processo que tramita no TCU e que pode detonar a próxima crise no governo Dilma.

A Caixa Econômica Federal, dotada de personalidade própria e com autonomia financeira,  é uma empresa pública federal, integrante da administração indireta, instituição financeira, sob supervisão ministerial do Ministério da Fazenda, que exerce funções de banco de fomento, banco comercial, órgão importante para a politica social do governo, operador do FGTS, dentre outras grandes missões.

A CEF está sob o controle do governo. Mas esse controle e atividade se faz nos limites da lei, obedecidos os princípios norteadores da Administração Pública: legalidade,  moralidade, impessoalidade, publicidade, eficiência, dentre outros.

É uma entidade  paraestatal que sujeita-se  à tutela administrativa, ou seja, ao controle que órgãos da pessoa federativa exercem sobre os comportamentos da entidade da Administração Indireta, nos estritos limites em que a legislação específica prevê e autoriza.

Sobre esse controle disse Odete Medauar:

"Juridicamente, entre essas entidades e a Administração direta não existem vínculos de hierarquia, os poderes centrais exercem um controle (tutela, controle administrativo, supervisão ministerial) que, do ponto de vista jurídico, não se assimila ao controle hierárquico, embora na prática assim possa parecer.
Em geral, cada uma dessas entidades se vincula a um órgão da Administração direta, cuja área de competência tenha afinidade com sua atuação específica. Na Administração federal esse vínculo vem indicado no parágrafo único do art. 4o: 'As entidades compreendidas na Administração indireta vinculam-se ao ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade'. Em nível estadual e municipal, por vezes o vínculo ocorre com o Gabinete do Chefe do Executivo.
O órgão da Administração direta a que se vincula a entidade exerce controle administrativo (tutela) sobre a mesma. Em nível federal esse controle denomina-se supervisão ministerial, sendo atribuição do Ministério de Estado competente (art. 19 do Decreto-lei no 200, de 1967). A supervisão ministerial da Administração indireta visa assegurar, essencialmente: I - a realização dos objetivos fixados nos atos de constituição da entidade; II - a harmonia com a política e a programação do Governo no setor de atuação da entidade; III - a eficiência administrativa; IV - a autonomia administrativa, operacional e financeira da entidade (art. 26 do Decreto-lei no 200, de 1967)". 

O tema é regulado pelo Decreto-lei  200 , de 1967, o qual expressamente assinala que tais pessoas estão sujeitas à "supervisão" do Ministro a cuja pasta estejam vinculadas:

"Art. 19. Todo e qualquer órgão da Administração Federal, direta ou indireta, está sujeito à supervisão do Ministro de Estado competente, excetuados unicamente os órgãos mencionados no art. 32, que estão submetidos à supervisão direta do Presidente da República.

Art. 24. Os Órgãos Centrais de direção superior (art. 22, item II) executam funções de administração das atividades específicas e auxiliares do Ministério e serão, preferentemente, organizados em base departamental, observados os princípios estabelecidos nesta lei. 

Art . 25. A supervisão ministerial tem por principal objetivo, na área de competência do Ministro de Estado: 
I - Assegurar a observância da legislação federal. 
II - Promover a execução dos programas do Govêrno. 
III - Fazer observar os princípios fundamentais enunciados no Título II. 
IV - Coordenar as atividades dos órgãos supervisionados e harmonizar sua atuação com a dos demais Ministérios. 
V - Avaliar o comportamento administrativo dos órgãos supervisionados e diligenciar no sentido de que estejam confiados a dirigentes capacitados. 
VI - Proteger a administração dos órgãos supervisionados contra interferências e pressões ilegítimas. 
VII - Fortalecer o sistema do mérito. 
VIII - Fiscalizar a aplicação e utilização de dinheiros, valôres e bens públicos. 
IX - Acompanhar os custos globais dos programas setoriais do Govêrno, a fim de alcançar uma prestação econômica de serviços. 
X - Fornecer ao órgão próprio do Ministério da Fazenda os elementos necessários à prestação de contas do exercício financeiro. 
XI - Transmitir ao Tribunal de Contas, sem prejuízo da fiscalização deste, informes relativos à administração financeira e patrimonial dos órgãos do Ministério. 

Art. 26. No que se refere à Administração Indireta, a supervisão ministerial visará a assegurar, essencialmente:
I - A realização dos objetivos fixados nos atos de constituição da entidade. 
II - A harmonia com a política e a programação do Governo no setor de atuação da entidade. 
III - A eficiência administrativa. 
IV - A autonomia administrativa, operacional e financeira da entidade. 
Parágrafo único. A supervisão exercer-se-á mediante adoção das seguintes medidas, além de outras estabelecidas em regulamento:
a) indicação ou nomeação pelo Ministro ou, se for o caso, eleição dos dirigentes da entidade, conforme sua natureza jurídica;
b) designação, pelo Ministro dos representantes do Governo Federal nas Assembléias Gerais e órgãos de administração ou controle da entidade;
c) recebimento sistemático de relatórios, boletins, balancetes, balanços e informações que permitam ao Ministro acompanhar as atividades da entidade e a execução do orçamento-programa e da programação financeira aprovados pelo Governo;
d) aprovação anual da proposta de orçamento-programa e da programação financeira da entidade, no caso de autarquia;
e) aprovação de contas, relatórios e balanços, diretamente ou através dos representantes ministeriais nas Assembleias e órgãos de administração ou controle;
f) fixação, em níveis compatíveis com os critérios de operação econômica, das despesas de pessoal e de administração;
g) fixação de critérios para gastos de publicidade, divulgação e relações públicas;
h) realização de auditoria e avaliação periódica de rendimento e produtividade;
i) intervenção, por motivo de interesse público. 
Art. 27. Assegurada a supervisão ministerial, o Poder Executivo outorgará aos órgãos da Administração Federal a autoridade executiva necessária ao eficiente desempenho de sua responsabilidade legal ou regulamentar. 
Parágrafo único. Assegurar-se-á às empresas públicas e às sociedades de economia mista condições de funcionamento idênticas às do setor privado cabendo a essas entidades, sob a supervisão ministerial, ajustar-se ao plano geral do Governo. 

Art. 28. A entidade da Administração Indireta deverá estar habilitada a:
I - Prestar contas da sua gestão, pela forma e nos prazos estipulados em cada caso. 
II - Prestar a qualquer momento, por intermédio do Ministro de Estado, as informações solicitadas pelo Congresso Nacional. 
III - Evidenciar os resultados positivos ou negativos de seus trabalhos, indicando suas causas e justificando as medidas postas em prática ou cuja adoção se impuser, no interesse do Serviço Público". 

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Não há, pois, que se cogitar da existência de hierarquia entre o órgão central e a pessoa jurídica, não há, pois, hierarquia entre o Ministério da Fazenda e a Caixa Econômica Federal, vinculada a esse Ministério

Suas relações se dão no domínio dos princípios norteadores da Administração Pública.

O hábito das chamadas pedaladas fiscais em que foi envolvida a CEF pelo Executivo federal, em afronta aos princípios moralizantes da Administração Pública, traz à Nação suas mazelas.

Há o entendimento de que as chamadas “pedaladas fiscais” do governo detectadas pelo Tribunal de Contas da União estariam capituladas no artigo 17 da Lei 7.492/86. Isso porque um Banco Público não pode emprestar dinheiro para o governo.

Para os que assim pensam o argumento é de que a lei veda adiantamentos a controlador, que foi o que teria acontecido. Tanto que a Caixa Econômica Federal pediu ao Tesouro Nacional pagamento de juros.

O Executivo com essa conduta flertou com a improbidade(artigos 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa), por violação ao disposto no artigo 36 da Lei Complementar 101/00, devendo ainda ser apurada a responsabilidade penal no que concerne a incidência do artigo 359 – A do Código Penal. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo. Pode-se ainda falar na incidência do artigo 359 – D do Código Penal.

Há ainda o crime de responsabilidade, nos termos do artigo 11 da Lei 1.079, de 14 de abril de 1950, que envolve a fiel guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos e o fato de contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.

O fato deve ser objeto de investigação pelo Ministério Público Federal para análise da materialidade e autoria delituosa em todas as suas circunstâncias. Com a investigação feita deverá se  concluir se houve ou não conduta criminosa e suas consequências no Direito Penal.

As condutas referenciadas exigem na prática da conduta o dolo.

Não há dúvida alguma com relação a aplicação do dolo direto. Somente se realiza o tipo penal através do resultado.

No entanto, surgem dúvidas com relação ao chamado dolo eventual.

No dolo direto ou determinado, o agente prevê o resultado(consciência) e quer o resultado(vontade). No dolo eventual o agente prevê o resultado(consciência), não quer, mas assume o risco(vontade). O dolo eventual, espécie de dolo indireto ou indeterminado(dolo alternativo ou dolo eventual) distingue-se da culpa consciente, quando o agente não prevê o resultado(que era previsível) e não quer, não assume risco e pensa poder evitar.

Reportagem do jornal “Valor Econômico” revelou a existência de nota técnica assinada pelo ex-secretário do Tesouro, Arno Augustin, em 30 de dezembro de 2014, em que o então secretário diz ser dele a responsabilidade por fazer a liberação e a transferência de recursos pelo tesouro.

Na nota técnica referenciada, redigida pela Coordenadoria Geral de Programação Financeira(Cofin) e pela Subsecretaria de Política Fiscal(Supof), Arno reitera que “cumpre à Supof e à Cofin procederem na operacionalização da liberação/transferência desses recursos, posteriormente à autorização de liberação pelo secretário do Tesouro Nacional”.

Tudo isso é consequência do  que se intitulou de “pedaladas fiscais”, forma de maquilagem identificada na execução da programação financeira do Executivo.

As responsabilidades devem ser apuradas e os envolvidos punidos.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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