Agência nacional de telecomunicações e seu reflexo na ordem econômica na Constituição de 1988

15/09/2015 às 10:41
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O texto explica de modo sucinto os preceitos das agências reguladoras, com foco na ANATEL, e faz um paralelo desses preceitos com o disposto em nossa atual Constituição Federal.

A Agência Nacional de Telecomunicações é uma autarquia federal especial e possui características marcantes como: independência administrativa, autonomia com suas finanças e a não subordinação hierárquica a nenhum órgão governamental.

As autarquias especiais são criadas com a finalidade de disciplinar e controlar certas atividades, a ANATEL é uma agência que disciplina e controla os serviços públicos propriamente ditos.

Mesmo a Anatel não sendo hierarquicamente inferior a outros órgãos governamentais seus atos estão sujeitos ao poder judiciário e suas decisões. De modo que, as condutas desta agência devem observar os princípios descritos no artigo 170 da Carta Magna brasileira. Não que a mesma esteja impedida de decidir de forma contraria a algum aspecto que entenda ser necessário, mas sim, que essa decisão estará sujeita a uma resolução do judiciário que certamente apreciará os preceitos constitucionais e reformará ou anulará o que entender pertinente.

É da ANATEL a decisão em relação às matérias que lhe competem, o que resulta em não cabimento de recurso dessas decisões ao Poder Executivo, portanto, este, não poderá reformar as decisões da ANATEL. A agência decide com independência em relação ao Poder Executivo, a mesma possui um campo de atuação próprio e exclusivo, no qual não influi o Poder Executivo. O Chefe do Poder Executivo é quem indica e após aprovação do Senado nomeia os Conselheiros da ANATEL, tendo participação na definição dos componentes do órgão máximo da agência de acordo com o preceituado no artigo 23 da lei 9.472, sendo o mesmo, competente para exonerar esses conselheiros nas hipóteses admitidas por lei, após a realização de processo administrativo disciplinar conforme o artigo 26 da mesma lei.

Assim, a lei manteve a cautela de instituir mecanismos que garantam ao Presidente da República sua participação indireta ou ate mesmo direta na direção da ANATEL.

A outorga de competência normativa para a Administração é legitima quando a lei fixar os parâmetros de forma clara e concreta, de modo a fazer com que ela exerça essa competência em conformidade com a vontade da lei ou do legislador. Devem estar estipulados na própria lei os princípios e os limites de atuação da ANATEL no exercício de sua atribuição normativa e os objetivos que devem ser alcançados. A atuação da ANATEL é completamente disciplinada, controlada e limitada pela Lei Geral de Telecomunicações.

A Lei Geral de Telecomunicações determina condicionamentos rigorosos no que pese ao conteúdo dos assuntos que devem ser tratados pela ANATEL e também na definição dos procedimentos, que se resumem nos caminhos que a agência deve percorrer para emanar seus atos.

De acordo com o artigo 84 inciso IV da Constituição Federal a competência para editar regulamentos para fiel execução das leis é do Chefe do Poder Executivo, o que confronta o poder normativo da ANATEL. Porém, é possível o exercício da ANATEL conjuntamente com o referido dispositivo Constitucional, uma vez que a competência de complementar a lei pode ser atribuído por lei para outro ente, ou seja, o Chefe do Executivo possui tal atribuição privativa de regulamentar a lei quando esta não a tenha atribuído para outra pessoa. Ocorrendo ausência de previsão legal, será do Presidente da República a competência para editar decretos regulamentando a lei, sendo que nada impede que a competência regulamentar seja legalmente delegada a outro ente ou pessoa, sendo legitima a competência normativa conferida pela Lei Geral de Telecomunicações à ANATEL.

A ANATEL possui a titularidade da competência discricionária decisória, porém é imperioso destacar e diferenciar a discricionariedade normativa ou abstrata e a decisória ou concreta. A discricionariedade pode atribuir à Administração autonomia para produção de normas gerais e abstratas ou para emanar decisão sem cunho propriamente administrativo. A discricionariedade normativa é utilizada para indicar a competência para se complementar normas de conduta, de maneira que a conduta futura das pessoas seja qualificada como ilícita ou lícita, não só na disciplina prevista em lei, mas também pelos preceitos de um ato administrativo, em termos da administração, a discricionariedade normativa administrativa se perfaz na produção de regulamentos. Já a discricionariedade decisória é a escolha de solução para um determinado caso concreto, sem que dessa surja normas gerais, enquanto a discricionariedade normativa é a criação de normas de conduta a discricionariedade decisória é a aplicação de normas de conduta, essa aplicação é a determinação da solução para um caso específico, concreto.

 Essa distinção é muito importante no cenário jurídico quando tratamos das competências das agências reguladoras, quando uma agência realiza uma escolha entre outras opções para a solução de um problema, sendo que todas essas escolhas são previstas e autorizadas por lei, não existe o exercício de poderes legislativos, não existe impedimento constitucional a que uma agência produza essa espécie de aplicação de normas jurídicas, o que não se admite é que havendo ausência de lei autorizando um rol de escolhas para essa agência, esta por sua vez, supra essa ausência com um ato infralegislativo.

 A agência não tem investidura para criar normas de conduta (discricionariedade normativa) não delineadas por lei. A decisão que é adotada no exercício da discricionariedade é passível de controle por via jurisdicional.

A competência discricionária consiste na atribuição por uma lei de uma margem de autonomia para escolha a ser exercida pelo ente administrativo, sendo que a escolha devidamente realizada não comportará ampla revisão por outra autoridade, pois se comportasse afastaria a discricionariedade.

Assim, a solução escolhida pela agência deve, em regra, ser reputada como insuscetível de revisão. Porém, a discricionariedade é uma autonomia limitada do ente administrativo, cabendo o controle para verificar se o ente administrativo fez a escolha nos limites da competência que lhe foi atribuída. Os defeitos formais podem ser identificados como em casos de não observância do procedimento administrativo necessário, e também, ocorrem defeitos de mérito que devem ser revisados, como em casos em que a escolha decidida foi desarrazoada, destituída de aptidão a realizar a finalidade almejada ou então a decisão arbitrária.

 O Decreto número 2.338 editado pelo Presidente da República instituiu a ANATEL, e permite a terceirização de sua atividade, ou seja, que a agência contrate terceiros para exercer suas atribuições, sem necessidade de autorização. Deste modo, a ANATEL tem independência quanto à forma pela qual optar para desenvolver suas atribuições.

É atribuição exclusiva do Poder Judiciário o controle da validade dos atos da ANATEL, conforme preceitua o artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal.

É importante ao tratarmos das decisões da Agência Nacional de Telecomunicações em nossa ordenam econômica, compreender como esta se perfaz juridicamente e como é feito o controle sobre as decisões emanadas de tal agência.

Os princípios da ordem econômica são a Soberania nacional, a Propriedade privada, a Função social da propriedade, a Livre-concorrência, a Defesa do consumidor, a Defesa do meio ambiente, a Redução das desigualdades regionais e sociais, a Busca do pleno emprego, e o Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte. Sobre esses dispositivos Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que: “é claro a todas as luzes que a Constituição brasileira apresenta-se como uma estampada antítese do neoliberalismo, pois não entrega a satisfatória organização da vida econômica e social a uma suposta (e nunca demonstrada) eficiência do mercado. Pelo contrário, declara que o Estado Brasileiro tem compromissos formalmente explicitados com os valores que nela se enunciam, obrigando a que a ordem econômica e a social sejam articuladas de maneira a realizar os objetivos apontados. Com isto, arrasa liminarmente e desacredita do ponto de vista jurídico quaisquer veleidades de implantação, entre nós, do ideário neoliberal. Aliás, uma verdadeira aberração do ponto de vista do neoliberalismo é o disposto no art. 219, de acordo com o qual: “O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do país, nos termos da lei federal” .

 A Soberania nacional objetiva evitar a influência estrangeira desmedida em nossa economia e garante a ideia de independência nacional, não significando o fechamento da economia frente ao capital estrangeiro. Por força do artigo 172, a lei regerá com base no interesse nacional, o investimento de capital estrangeiro, incentivando os reinvestimentos e regulando a remessa de lucros. A Propriedade privada é a segurança da propriedade privada dos meios de produção, aparecendo como direito fundamental no artigo 5°, inciso XXII da Constituição Federal, mas essa propriedade tem a condição de atender a sua Função social consagrada no mesmo artigo em seu inciso XVIII. Desdobra-se nos âmbitos da política urbana (artigos 182 e 183 da Constituição Federal) e da política agrícola e fundiária, como também da reforma agrária (artigos 184 a 191 da Constituição Federal). A Defesa do consumidor é consagrada nas relações de consumo como principio da vulnerabilidade, sendo que o constituinte estabelece o consumidor como parte mais fraca desta relação e, nos termos do artigo 5°, inciso XXXII da Constituição Federal, a defesa do consumidor é consagrada como um direito fundamental. Nossa Constituição se refere à Livre Iniciativa nos artigos 1°, inciso IV, e 170 da Constituição Federal. Para Eros Roberto Grau: “Dela – da livre iniciativa – se deve dizer, inicialmente, que expressa desdobramento da liberdade considera desde a perspectiva substancial, tanto como resistência ao poder, quanto como reivindicação por melhores condições de vida (liberdade individual e liberdade social e econômica), podemos descrever a liberdade como sensibilidade e acessibilidade a alternativas de conduta e de resultado. Pois não se pode entender como livre aquele que nem ao menos sabe de sua possibilidade de reivindicar alternativas de conduta e de comportamento – ai a sensibilidade; e não se pode chamar livre, também, aquele ao qual tal acesso é sonegado – ai a acessibilidade.” Como desdobramento da livre iniciativa, a Livre concorrência é um principio da ordem econômica observada de perto pela justiça social e pela dignidade, cabendo ao Estado sua defesa de quaisquer abusos. No artigo 173, parágrafo 4° da Constituição Federal é definido que será reprimido o abuso do poder econômico que vise dominar o mercado, aumentar arbitrariamente os lucros ou eliminar a concorrência. A Livre Iniciativa é a liberdade de iniciativa dos indivíduos na ordem econômica, significa que o Estado não tem título jurídico para almejar reter em suas mãos a outorga aos particulares ao direito de desempenhar a atividade econômica, assim como também, não pode delimitar a produção e/ou comercialização que os particulares desejem praticar. A faculdade da atividade a ser empreendida e o quantum a ser produzido ou comercializado são resultados do discernimento livre dos particulares, esse direito vem definido no Texto Constitucional e é advindo do regime capitalista.

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O artigo 174 da Constituição federal dá guarida a essa interpretação ao definir: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinantemente para o setor público e indicativo para o setor privado”. Seguindo o exposto para Fábio Nusdeo: “O Estado intervencionista não mais intervém no sistema econômico. Integra-o. Torna-se um seu agente e um habitual participe de suas decisões. O intrometimento e posterior retirada poderão ocorrer neste ou naquele setor, nesta ou naquela atividade. Jamais no conjunto. Daí as diversas expressões para caracterizar o novo estado de coisas: economia social de mercado, economia dirigida; economia de comando parcial, planejamento democrático e tantas outras.

O professor Camargo Vidigal, após uma analise das principais, conclui por uma denominação feliz: economia de iniciativa dual. Esta caracteriza-se, com maior propriedade, os chamados sistemas mistos, da atualidade, tal como vêm referidos em boa parte da literatura, sobretudo anglo-americana e francesa”.

Já para Miguel Reale a Constituição atual, elegendo o tipo liberal do processo econômico, apenas aprova a intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de eventuais interferências, sejam essas do próprio Estado, ou do acirrado conflito econômico privado, que pode levar a formação de monopólios e abuso de poderio econômico vislumbrando aumento arbitrário dos lucros. Tem posição correspondente ao social-liberalismo ou neoliberalismo, defendendo a livre iniciativa.

Nossa Constituição rejeita o dirigismo, mas acolhe o intervencionismo econômico, que não atua contra o mercado, mas sim a favor deste. É uma Constituição capitalista em que a liberdade é admitida quando exerce o interesse da justiça social e confere prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado.

É imperioso, portanto, a exata compreensão do que consiste na intervenção estatal. A ANATEL quando esta atuando, está assim, intervindo no ambiente privado, operacionalizando uma intervenção estatal.

Eros Roberto Grau classifica a intervenção estatal quando este atua além da esfera do público, sendo assim, quando atua na esfera do setor privado. A intervenção expressa atuação em ambiente de titularidade de outrem. Assim, o Estado não estará intervindo quando presta serviço público ou regula a prestação deste, já que estará atuando em área de sua própria titularidade. A atuação estatal é, portanto, o sentido amplo de atuação no setor público e privado, é a ação do Estado na atividade econômica em sentido amplo. E a intervenção a atuação do estado em domínio que não é o seu, ou seja, atuação do Estado na atividade econômica em sentido estrito. A atuação estatal em sentido estrito (setor privado) no ambiente da atividade econômica ocasionou alterações no direito, especialmente em relação aos contratos.

Os principais valores jurídicos protegidos nas economias capitalistas são a propriedade dos bens de produção (propriedade privada dos bens de produção) e a liberdade de contratar. Esses valores não estão exatamente paralelos, a liberdade de contratar é consequência da propriedade privada dos bens de produção, o principio da liberdade de contratar é instrumento do principio da propriedade privada dos bens de produção. A ação do Estado pertinente aos contratos é fundamental, pois estes são institutos vitais na economia de mercado, já que a configuração das relações contratuais exterioriza a configuração do exercício da atividade econômica. É nesse aspecto que se encontra a transformação do direito, de contratos praticados em economia de mercado administrada para contratos com dinamicidade que alcançam além das vontades das partes, mas sim da ordem econômica.

 Por todo o exposto, podemos compreender que a atuação do Estado se da na forma de interceder nas atividades econômicas fiscalizando, planejando e incentivando a mesma, integrando a ordem econômica, oportunizando aos indivíduos o desempenho de suas atividades. Não possui, contudo, atribuição para delimitar a venda e produção de bens ou serviços que o setor privado deseja praticar, deve proporcionar ambiente concorrencial justo, eliminando fatores que visem eliminar a concorrência, preconizando garantir os interesses da coletividade.

Assim, deve-se analisar a atuação da ANATEL a partir desses parâmetros e dos princípios da ordem econômica, suas decisões não podem ultrapassar os limites da lei. A adoção de instrumentos de controle das agências reguladoras é uma necessidade, a autonomia que possui a ANATEL não pode significar independência diante aos demais poderes e órgãos de controle. Não é possível que as agências assumam a formulação de políticas ou então que concentrem competências decisórias sobre questões fundamentais do País. 

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Sobre a autora
Natasha Ferraz

Estudante de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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