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Suspensão condicional do processo em nova dimensão

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SUMÁRIO: 1. Crise no Sistema carcerário. 2. Breves considerações sobre a origem do sursis antecipado. 3. O novo conceito de crime de menor potencial ofensivo. 4. Reflexos na Suspensão Condicional do Processo. 5. Ampliação da abrangência. 6. Conclusão.


1. CRISE NO SISTEMA CARCERÁRIO

De longa data que a situação caótica do sistema carcerário neste país vem se agravando, sendo atualmente do conhecimento público e notório a sua falência sobre diversos aspectos, dentre os quais esta a situação dos Estados tendo que arcar com os presos que cometem crimes federais em face da inércia da União em construir Penitenciárias ou Presídios Federais.

Assim, a administração do sistema deveria ser compartilhada entre a União, Estados e Municípios, sempre buscando manter o preso - produto da sociedade em que vivemos - próximo de seus familiares, dando-lhes melhores condições de habitação, alimentação, ocupação, assistência médica e higiene no cárcere, de forma a efetivamente promover uma reeducação e ressocialização do sentenciado, permitindo a sua reinserção social de forma mais concreta e não só formal, afastando de vez esse estigma de que as prisões hoje são depósitos de pessoas humanas diante do descaso e abandono por parte das autoridades constituídas.

O sentenciado já está pagando pelo crime que cometeu com o cerceamento legítimo de sua liberdade, não sendo humano deixar de reconhecer os seus direitos à progressão de regime prisional e outros, pois a partir do instante que inexistem pólos regionais da Comissão Técnica de Classificação ou até mesmo do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, mas só nos grandes centros, os direitos públicos subjetivos (progressão, livramento condicional...) surgem nas mais longínquas cadeias públicas aonde cumprem pena irregularmente por falta de vaga no sistema, mas não são apreciados a tempo e modo por inércia do Estado, permanecendo o preso vinculado a regime que não mais faz jus, constituindo essa anomalia uma verdadeira afronta aos direitos humanos, tornando o encarceramento um ato arbitrário (Decreto 678, de 06.11.1992 - Pacto de São José da Costa Rica).

Por outro lado, é sabido que a prisão atua em uma de suas vertentes como fator de criminalidade, e que a "verdade é que, mesmo nas moderníssimas prisões construídas na Europa - como na Suécia, na Suíça - e nos EUA, apesar da preocupação de pôr em prática as idéias de reforma apontadas pela doutrina, fracassaram completamente. Qualquer que seja o estabelecimento prisional, os índices de reincidência continuam muito altos. De modo que se pode dizer que os réus apenados com outras penas que não sejam as de prisão reincidem em muito menor número do que os que vão, efetivamente, para a cadeia ". [1]


2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ORIGEM DO SURSIS ANTECIPADO

A Suspensão Condicional do Processo, ou sursis antecipado, na correta denominação dada pelo Professor Weber Martins Batista que idealizou tão importante e moderno instituto de natureza mista (penal e processual), à época chamou de "Suspensão Condicional do Procedimento" porque visava a sua ocorrência antes do oferecimento ou recebimento da denúncia nos crimes de pequena gravidade, todavia assim não ocorreu - a meu sentir mais acertadamente - quando da introdução do art. 89 na Lei 9.099/1995, fazendo jus ao nome de Suspensão Condicional do Processo.

Ao tratar das vantagens processuais do instituto, em uma das passagens, o insigne Professor asseverou com propriedade:

"A preocupação maior dos aplicadores da lei está voltada para a verdadeira impunidade dos criminosos de alta periculosidade, que - esta sim - já existe entre nós, porque, por excesso de trabalho, não processamos com a rapidez necessária e, por falta de lugares nos presídios, não prendemos os autores de crimes mais graves.

As varas criminais das grandes cidades andam afogadas em processos, entre os quais feitos por crimes violentos. Aí estão as quadrilhas de assaltantes, os traficantes de drogas, um sem número de criminosos violentos, da mais alta periculosidade, a exigir dos juízes mais atenção, maior severidade de tratamento, mais tempo do que têm ". [2]


3. O NOVO CONCEITO DE CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO

De forma majoritária, a doutrina e a jurisprudência já pacificaram que a Lei dos Juizados Especiais Federais (Lei n. 10259, de 12.06.2001) ampliou o conceito de crime de menor potencial ofensivo contido no art. 61 da Lei 9.099/1995, derrogando-o ao conceituar de forma inovadora essas infrações penais como "os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa" (art. 2º, parágrafo único, da LJEF).

Não restam dúvidas que a Suspensão Condicional do Processo nos termos constantes do art. 89 da Lei 9.099/1995, sempre esteve ao alcance dos crimes de menor potencial ofensivo de outrora (art. 61), assim como aos de média gravidade ao se aplicar a todo e qualquer delito em que a pena mínima privativa de liberdade fosse de 01 (um) ano de detenção ou reclusão, limite máximo que vigorava para a aplicação aos crimes de menor gravidade da Lei 9.099/1995.


4. REFLEXOS NA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

Com efeito, não se pode negar uma evolução nas políticas criminais de descarcerização e despenalização que inspiraram os legisladores das Leis 9.099/1995 e 10.259/2001, com uma maior ingerência dos defensores do direito penal mínimo em detrimento dos simpatizantes do movimento Lei-Ordem, bem como que a amplitude do conceito dos crimes de menor potencial ofensivo (pequena gravidade) gerou reflexos nos crimes que lhes seguem de média gravidade.

Assim, há de existir um marco, sob pena de se dar ensejo a uma fusão na base delimitadora fixada outrora pelo legislador quando disse que crime de menor potencial ofensivo era aquele que a pena máxima privativa de liberdade não era excedente a 01 (um) ano, e que este seria o limite mínimo de todo o crime não abrangido pela Lei 9.099/95 que teria igualmente direito ao benefício da Suspensão Condicional do Processo.

Nessa linha, com visão contemporânea digna de elogios, encontra-se importante julgado à unanimidade da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que teve como Relator o Ministro Felix Fischer:

"SÚM. N. 243-STJ. LIMITE. DOIS ANOS. A Lei n. 10.259/2001, ao definir as infrações penais de menor potencial ofensivo, estabeleceu o limite de dois anos para a pena mínima cominada. Daí que o art. 61 da Lei n. 9.099/1995 foi derrogado, sendo o limite de um ano alterado para dois, devendo tal mudança ser acrescentada à parte final da Súm. N. 243 desta Corte, visto que as alterações da lei penal que são benéficas para os réus devem retroagir. A Turma deu provimento ao recurso para afastar o limite de um ano e estabelecer o de dois anos para a concessão do benefício da suspensão condicional do processo. RHC 12.033-MS, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 13/08/2002. Informativo STJ n. 142 de 12 a 16/08/2002)".

Dessa forma, o novo marco seria o limite de dois anos da pena privativa de liberdade, como máximo para definir a competência do Juízo Penal Especial e permitir a concessão do benefício, e como mínimo para definir os diversos crimes de média gravidade que teriam direito igualmente à Suspensão Condicional do Processo.

A questão reclama uma nova adequação do marco divisório entre crimes de pequena gravidade e de média gravidade por meio de uma interpretação sistemática que considere a nova e ampliativa política de descarcerização e despenalização trazida ao ordenamento jurídico pela Lei 10.259/2001 (Lei dos Juizados Federais), em respeito ao princípio da proporcionalidade, sob pena de se criar um verdadeiro retrocesso e descompasso entre o justo e o injusto na escala das gravidades dos crimes, ou seja, um paradoxo ao se permitir o sursis antecipado para os crimes de menor potencial ofensivo com pena máxima de dois anos de reclusão ou detenção, mas não para os crimes de média gravidade que tenham pena mínima privativa de liberdade superior a 01 (um) ano.


5. AMPLIAÇÃO DA ABRANGÊNCIA NO CÓDIGO PENAL

1. Art. 122, caput, CP (Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio); 2. Art. 123 do CP (Infanticídio); 3. Art. 124 do CP (Aborto provocado pela gestante ou com seu sentimento); 4. Art. 129, § 2º, do CP (Lesão corporal gravíssima); 5. Art. 140, § 3º, c/c art. 141, do CP (Injúria qualificada); 6. Art. 149 do CP (Redução a condição análoga de escravo); 7. Art. 155, § 1º e § 4º, do CP (Furto durante o repouso noturno e qualificado); 8. Art. 168, § 1º, do CP (Apropriação indébita qualificada); 9. Art. 168-A, caput, do CP (Apropriação indébita de contribuição social); 10. Art. 171, § 3º, do CP (Estelionato qualificado); 11. Art. 172 do CP (Duplicata simulada); 12. Art. 173 do CP (Abuso de incapazes); 12. Art. 203, § 2º, do CP (Frustração de direito assegurado por lei trabalhista); 13. Art. 207, § 2º, do CP (Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional); 14. Art. 215, parágrafo único, do CP (Posse sexual mediante fraude); 15. Art. 216, parágrafo único, do CP (Atentado ao pudor mediante fraude); 16. Art.217 do CP (Sedução); 17. Arts. 215, 216 e 218, caput, (Corrupção de menores) c/c 226 do CP (Aumento de pena); 18. Art. 219 do CP (Rapto violento ou mediante fraude); 19. Art. 227, §§ 1º e 2º, do CP (Mediação para servir a lascívia de outrem); 20. Art. 228, caput, do CP (Favorecimento a prostituição); 21. Art. 229 do CP (Casa de prostituição); 22. Art. 230, § 2º (Rufianismo); 23. Art. 235, caput, do CP (Bigamia); 24. Art. 241, caput, do CP (Registro de nascimento inexistente); 25. Art. 242, caput, do CP (Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido); 26. Art. 257 do CP (Subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento); 27. Art. 259 do CP (Difusão de doença ou praga); 28. Art. 260, caput, do CP (Perigo de Desastre ferroviário); 28. Art. 261, caput, do CP (Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo); 29. Art. 265, parágrafo único, do CP (Atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública); 30. Art. 266, parágrafo único, do CP (Introdução ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico); 31. Art. 271, caput, do CP (Corrupção ou poluição de água potável); 32. Art. 288, parágrafo único, do CP (Quadrilha ou Bando); 33. Art. 290, caput, do CP (Crimes assimilados ao de moeda falsa); 34. Art. 291 do CP (Petrechos para falsificação de moeda); 35. Art. 296, caput, e § 1º, do CP (falsificação de selo ou sinal público); 36. Art. 297, caput, do CP (Falsificação de documento público); 37. Art. 299, parágrafo único, do CP (Falsidade ideológica); 38. Art. 301, caput, do CP (Certidão ou atestado ideologicamente falso); 39. Art. 305 do CP (Supressão de documento público); 40. Art. 306, caput, do CP (Falsificação do sinal empregado no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins); 41. Art. 312, caput, do CP (Peculato); 42. Art. 313-A, do CP (Inserção de dados falsos em sistema de informações); 42. Art. 316, caput, e § 2º, do CP (Concussão); 43. Art. 317, § 1º, do CP (Corrupção passiva); 44. Art. 325, § 2º, do CP (Violação de sigilo funcional com dano à Administração Pública ou a outrem); 45. Art. 328, parágrafo único, do CP (Usurpação de função pública); 46. Art. 332, caput, do CP (Tráfico de Influência); 47. Art. 333, parágrafo único, do CP (Corrupção ativa); 48. Art. 334, § 3º, do CP (Contrabando ou descaminho aéreo); 49. Art. 337 do CP (Subtração ou inutilização de livro ou documento); 50. Art. 337-A, caput, do CP (Sonegação de contribuição previdenciária); 51. Art. 339, caput, do CP (Denunciação caluniosa); 52. Art. 342, § 1º, do CP (Falso testemunho ou falsa perícia com efeito em processo penal); 53. Art. 343, parágrafo único, do CP; 54. Art. 351, § 1º, do CP (Fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança).

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6. CONCLUSÃO

Em sendo assim, em respeito ao princípio da proporcionalidade, é recomendável a alteração da Súmula n. 243 do STJ ("O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano") para impor o limite de 02 (dois) anos, como muito bem sugerido à unanimidade pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no RHC 12.033-MS, Rel. Min. Felix Fischer, j. 13/08/2002.

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos para a proposta do sursis antecipado, filio-me à doutrina e a jurisprudência que entendem ser um verdadeiro direito público subjetivo do acusado, cabendo ao Ministério Público diante do caso concreto, fazer uma análise qualitativa e quantitativa da proposta, com o Magistrado realizando a mesma atividade, inclusive para a eventual apresentação de condição judicial, visto não ser mero chancelador da proposta ministerial.

Em sendo o caso de crime violento contra a pessoa (Art. 129, § 2º, do CP), ou outro qualquer de média gravidade mais acentuada, conforme o caso concreto, cabe, devidamente fundamentada, uma proposta de Suspensão Condicional do Processo por um período de prova superior ao mínimo de dois anos, bem como a reparação do dano, salvo a comprovada impossibilidade de fazê-lo ou inaplicabilidade no caso.

O acusado que for reincidente ou estiver sendo processado não terá direito ao benefício, reservando-se o sursis antecipado para aquelas pessoas em que o fato-crime foi um acontecimento isolado nas suas vidas, ou para outras que apenas preencham os pressupostos do art. 89 da Lei 9.099/1995 e, que, ao invés de serem eventualmente condenadas à pena privativa de liberdade ou à substitutiva por restritiva de direitos, tenham durante o período pedagógico de prova por meio de um monitoramento efetivo, tempo para refletir sobre suas ações e se reeducar com mais eficiência e humanidade, pois no descumprimento de algumas das condições ou na prática de contravenção, o benefício poderá ser revogado, mas na prática de novo crime durante o sursis, a revogação é automática para o regular prosseguimento do processo criminal.


NOTAS:

[1]

BATISTA, Weber Martins. Suspensão Condicional do Procedimento. SEPARATA - Revista Forense v. 284, p. 02.

(2)

Id. ib., p. 06.

BIBLIOGRAFIA:

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2000;

DE JESUS, Damásio Evangelista. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2000;

JÚNIOR, Joel Dias Figueira; LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 3. ed., São Paulo: RT, 2000;

MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed., São Paulo: Atlas, 2000.

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Sobre o autor
Antonio José Franco de Souza Pêcego

Professor de Penal e Processo Penal. Pós-Graduado em Direito Público pela PUCMINAS. Pós-Graduando em Ciências Penais pela UNIDERP/REDE LFG em parceria com o IPAN. Membro do IBCCRIM, ICP e IBRASPP. Juiz de Direito de Entrância Final de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PÊCEGO, Antonio José Franco Souza. Suspensão condicional do processo em nova dimensão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 96, 7 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4304. Acesso em: 19 abr. 2024.

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