O fim da possibilidade jurídica do pedido no Novo CPC e sua (possível) consequência morosa

Uma abordagem sobre o fim da impossibilidade jurídica do pedido como forma de indeferimento da exordial

24/09/2015 às 05:52

Resumo:


  • O Novo Código de Processo Civil (NCPC) foi uma publicação importante em 2015, sendo o primeiro código promulgado em regime democrático no Brasil, trazendo inovações e correções em relação ao CPC/73.

  • O NCPC buscou priorizar a celeridade processual, considerando a morosidade como um dos principais obstáculos para a prestação da tutela jurisdicional, introduzindo novos institutos e mecanismos para agilizar as ações judiciais.

  • O NCPC alterou a abordagem em relação à possibilidade jurídica do pedido, deslocando-a para a ala dos pressupostos processuais, permitindo que pedidos juridicamente impossíveis sejam analisados de forma distinta, visando a eficiência e a economia processual.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Como o processo alcançará a celeridade após a vacatio legis do Código de Processo Civil de 2015? Alguns entraves que podem trazer consequências morosas à justiça brasileira como o fim da possibilidade jurídica do pedido como condição da ação.

O novo Código de Processo Civil (que aqui tratarei com a abreviatura 'NCPC') foi a mais importante publicação do ano de 2015, não só pela sua amplitude, mas por ser o primeiro código promulgado em um regime democrático no Brasil.

Resolveu-se muita divergência doutrinaria contida no CPC/73. Corrigiram erros na letra da lei em favor do valor semântico das palavras que integram o texto jurídico (verba legis), inseriram novos (ainda que já utilizados) institutos – como a necessidade de se buscar meios alternativos à solução da lide, a mediação e conciliação -; a possibilidade do julgamento antecipado parcial (art. 356, NCPC), entre outras inúmeras inovações que não caberiam nesse breve esboço.

Dentre as propostas do NCPC está a tão desejada celeridade processual. Por ser a morosidade, hoje, o maior entrave na prestação da tutela jurisdicional para os jurisdicionados, tendo se tornado a maior objeção da sociedade civil brasileira nos últimos anos, buscou-se diminuir esse hiato que atrofia o direito fundamental de acesso à justiça. A árdua tarefa legislativa de dar mais celeridade às ações judiciais talvez tenha sido a missão mor do NCPC.

Com tantas inovações, viu-se necessário imergir alguns institutos, principalmente os mais controversos. O NCPC não trata de “condições da ação”, e, consequentemente, “carência da ação” pela impossibilidade jurídica do pedido. Resta-se apenas legitimidade e interesse, que foram, conforme o magistério de Didier Jr., deslocados para a ala dos pressupostos processuais. A possibilidade jurídica do pedido, assim, foi abolida como elemento de condição da ação. Pedidos juridicamente impossíveis (por vedação legal) serão tratados numa outra dimensão. E é sobre essa temática que proponho uma reflexão sobre a promessa do NCPC em dar ênfase ao principio da economia processual, a duração razoável do processo (art. 5º, LXXVII, CF/1988; art. 4º NCPC), ao principio da eficiência (art. 8º, NCPC), e ao principio da boa-fé (art. 5º, NCPC), todos como corolários da cláusula geral do devido processo legal.

No vigente CPC/73, pedido juridicamente impossível é causa de indeferimento da petição inicial sem exame de mérito, por carecer o autor de uma condição sine qua non da ação. Assim, se um Estado brasileiro pede seu desligamento da federação (direito de secessão) perante o judiciário;  ou alguém requer em juízo autorização para matar outrem, ou ainda se alguém pede reconhecimento de união estável com um animal não humano (semovente), o juiz pode, ex officio, indeferir a petição por carência da ação (pedido juridicamente impossível). Tais pedidos encontram vedação legal na legislação.

No NCPC, o autor que tenha interesse e legitimidade dispõe, tout court, da “condição” ou pressuposto - conforme doutrina - necessário para prosseguir com a ação. Numa situação hipotética, alguém que tenha interesse e legitimidade, postule no juízo competente, sem nenhum defeito insanável na exordial que possa lavá-la ao indeferimento pela inépcia, mas que tenha como pedido uma tutela absurda (ilícito ou impossível) como nos exemplos acima citados, ainda que a causa de pedir seja clara, coesa, objetiva, e o pedido seja certo e determinado, isto é, preenchendo todos os requisitos para o prosseguimento do processo, deverá o juiz, ainda que ciente da impossibilidade jurídica do pedido, citar o réu para que no prazo de 15 dias ofereça defesa em obediência ao primordial contraditório - o réu, inclusive, sofrerá todos os efeitos da revelia caso não apresente a defesa -, só então, após a citação e a devida contestação (caso o demandado a apresente) o juiz julgará antecipadamente o mérito, obviamente indeferindo o pedido incongruente. Isso vai de encontro aos preceitos da eficiência e razoável duração do processo. Além disso, o aumento desnecessário dos custos com a citação do réu, e o dever do autor de pagar honorários advocatícios em favor do advogado do demandado é um claro ultraje e insubmissão à economia processual. Não há lógica o legislador buscar meios de se fazer prestar uma tutela jurisdicional célere e isocronicamente impor ao juiz o dever de prosseguir com uma ação nitidamente impossível de ser julgada procedente, ao ter de citar a outra parte em vez de indeferir de plano o pedido utópico. O contraditório não deve servir de óbice à economia processual. 

É claro que o NCPC alocou questões constitucionais em seu texto, como o art. 10, “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deve decidir de ofício”, 

O NCPC conforma, no plano infraconstitucional, o direito fundamental ao contraditório como direito de influência e de não surpresa. Deve ser dada oportunidade às partes de se manifestar para que elas possam exercer o direito de convencer o órgão jurisdicional, sendo indiferente a questão ser conhecível de ofício ou não. Com isso, evita-se, ainda, a decisão surpresa, lastreada em fundamento em relação ao qual não houve prévio diálogo judicial. (Improcedência Liminar do Pedido e Contraditório no Novo Código de Processo Civil, Ticiano Alves e Silva - Portal Processual)

Estamos de acordo, evidentemente, que o art. 10º deve ser analisado sob o panorama geral do NCPC, não podendo contrapor nenhum outro artigo do mesmo diploma (art. 332, v.g.), sob qualquer hipótese. Porém, também é função primordial do NCPC zelar pela economia processual, pela eficiência, enfim, por um processo adequadamente célere. Importa ressaltar, mais uma vez, que o contraditório como principio constitucional não é absoluto e não servirá como obstáculo à decisão lógica que julgar improcedente liminarmente o pedido impraticável pela sua impossibilidade jurídica, cujo fundamento encontra-se na economia processual, boa-fé e eficiência. Princípios tais devem equilibrar-se na balança. Não significa interpretar em nome de uma boa causa, tampouco em detrimento daquilo que se aspira. Nas palavras de Ana Claudia Bastos de Pinho,

"Os princípios que, hoje, integram o texto da Constituição da Republica Federativa do Brasil (CRFB) destacam valores e sonhos que, antes do papel, já existiam no seio da comunidade e que foram para lá translados, na demonstração de que os princípios possibiitam ao Direito interagir com o mundo prático." (PINHO, 2013). 

A exigência da observância das condições da ação, no CPC/73, deve-se ao principio da economia processual: quando se percebe, em tese, segundo a afirmação do autor na petição inicial ou os elementos de convicção já trazidos com ela, que a tutela jurisdicional requerida não poderá ser concedida, a atividade estatal será inútil, devendo ser imediatamente negada (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2014).

O NCPC manteve a possibilidade de improcedência liminar do pedido, em que o juiz julgará improcedente a demanda com resolução de mérito inaudita altera partes, nos casos expressos do art. 332 NCPC. O fato de se julgar liminarmente o pedido sem ouvir o réu não viola o contraditório, considerando-se que se trata de um julgamento de improcedência do pedido do autor (DIDIER, 2015). O legislador impõe dois pressupostos para que se possa julgar liminarmente o pedido: um, as causas que dispensam fase instrutória e, dois, o pedido deve estar previsto em algum inciso do art. 332, NCPC ou no paragrafo primeiro. O problema encontra-se no fato de que não há previsão nos incisos do citado artigo que abram a possibilidade de se julgar liminarmente improcedente um pedido cuja matéria seja juridicamente impossível.

Como solução, alguns autores têm trazido à balia posições que suscitam o debate. Daniel Amorim Assumpção Neves, em seu manual, diz acreditar que “o juiz passará, ao menos em algumas situações, a simplesmente julgar improcedente o pedido do autor” nos casos em que o pedido for flagrantemente impossível.

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No Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), no enunciado de nº 36: “as hipóteses de impossibilidade jurídica do pedido ensejam a improcedência liminar do pedido”, ressaltam a ideia de Daniel Amorim.

Já Fredie Didier Jr., fala em hipótese atípica de improcedência liminar do pedido. Atípica porque não encontra previsão legal no texto do art. 332. Em seu curso ensina acertadamente: 

"O NCPC ao não mais tratar da possibilidade jurídica do pedido como hipótese de extinção do processo em exame do mérito, silenciando no ponto, adota correto entendimento doutrinário, reconfigurando a “possibilidade jurídica do pedido”, e permitindo, a partir da conjunção de algumas normas fundamentais processuais, uma atípica hipótese de improcedência liminar do pedido”.  

A conclusão que se chega merece um estudo mais aprofundado sobre a teoria eclética de Liebman. Tal teoria, inicialmente, entendia existirem três espécies de condições da ação: possibilidade jurídica do pedido; interesse de agir e legitimidade. Mais tarde, o próprio autor da teoria eclética reformulou seu entendimento e passou a defender apenas o interesse de agir e a legitimidade, sendo que a possibilidade jurídica do pedido estaria contida no interesse de agir. Se o novo código se filiou à Liebman com sua teoria eclética ou o legislador atendeu aos defensores da teoria do direito abstrato de ação, não sabemos. Todavia é certo dizer que o interesse de agir estaria viciado nos casos de impossibilidade jurídica do pedido. Se para postular em juízo é necessário interesse, e este está contido na possibilidade jurídica do pedido (ou vice-versa), pode-se dizer que nesse caso o juiz poderá indeferir a petição por lhe faltar interesse? A doutrina e a jurisprudência nos ensinarão. A nosso ver, caso vingue a teoria de que interesse e legitimidade fazem parte dos pressupostos, e a impossibilidade jurídica seja de fato requisito do interesse, teremos um processo sem um dos pressupostos, que cuidará de sua extinção sem resolução de mérito. Caberá ao exegeta formar interpretação que dê luz a essa polêmica.

É fato que um novo código ainda terá tempo necessário de amadurecimento para essas questões práticas. Aguardemos o andar da vigência do código de processo civil de 2015.


  • Referências

(Daniel Amorim Assumpção Neves. – 7. ed. Ver., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2015)

(Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento / Fredie Didier Jr. – 17. Ed – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015. v.1.).

(Para Além do Garantismo: uma proposta hermenêutica de controle da decisão penal / Ana Claudia Bastos de Pinho - Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013)

(Teoria Geral do Processo, 30ª ed, rev. atual. e aumen. CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO: Malheiros Editores)

Sítio do artigo Improcedência Liminar do Pedido e Contraditório no Novo Código de Processo Civil: http://portalprocessual.com/improcedencia-liminar-do-pedido-e-contraditorio-no-novo-codigo-de-processo-civil/

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