Jurisprudência defensiva: uma análise da súmula 418 do Superior Tribunal de Justiça

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O presente trabalho busca analisar aquilo que a doutrina processual convencionou denominar jurisprudência defensiva; especificamente, se a Súmula nº 418 do Superior Tribunal de Justiça pode ser qualificada como tal.

1. Introdução

Imperioso definir, ainda que em linhas gerais, o que se entende como jurisprudência defensiva para, somente após, verificar-se qual a competência outorgada pelo texto constitucional ao Superior Tribunal de Justiça, assim como os requisitos de admissibilidade recursal e a possibilidade do verbete sumular nº 418 do TST poder ser qualificado como típico caso de jurisprudência defensiva.

A sociedade atual vê-se em um momento ímpar, porquanto as relações, sejam pessoais, comerciais ou administrativas, mostram-se, além de massificadas, extremamente velozes e dinâmicas, acarretando uma gama de conflitos de todas as índoles entre os atores sociais.

Com efeito, em tal cenário, e ante as promessas feitas pela Constituição de 1988, temos que se mostra essencial, com vistas à manutenção da paz social, a efetiva prestação jurisdicional, como meio, acima de tudo democrático, de resolução de conflitos.

Nessa toada, o processo é o instrumento moderno, dialético e narrativo, apto a, dentro das garantias dadas aos litigantes pelo texto Constitucional, tutelar e pôr termo aos conflitos que são postos sob a apreciação do poder Judiciário.

Dada a proeminência, a relevância e o finalidade (teleológica) do processo, existem garantias constitucionais àqueles que se encontram polarizados em uma demanda judicial, justamente, para se evitarem excessos na tutela dos direitos em jogo. A partir de tais garantias ramifica-se pelo sistema jurídico toda a legislação processual, que tenta conciliar a necessidade de atribuir uma forma ao processo, como garantia apta a evitar abusos, com a tutela dos interesses (direitos) das mais variadas índoles que se se colocam em conflito dsob a apreciação do poder judiciário.

Assim, verifica-se que o formalismo (forma prevista em lei para os atos processuais) é, acima de tudo, garantia a um processo democrático, porquanto tal premissa diz respeito unicamente ao respeito à forma prevista em lei para determinados atos, com vistas ao fornecimento de uma maior estabilidade à relação processual, de forma que os litigantes não sejam surpreendidos por uma arbitrariedade no curso do processo, ou por atos de má-fé, que tenham o condão de lhes gerar prejuízos.

Dessa forma, evidente, pois, que o formalismo surgiu como uma garantia às partes, contra as arbitrariedades do Estado-Juiz, podendo, portanto, ser tratado decorrência lógica do princípio do devido processo legal. Nesse sentir, temos que quando a parte, titular de um direito que foi lesado, ou ameaçado, exerce o seu direito de ação, rompendo a inércia da Jurisdição, na busca pela tutela do Estado, para que lhe seja assegurado o bem da vida; todo esse iter processual e procedimental, necessariamente, deverá se dar de acordo com as disposições normativas processuais, de forma que não ocorram arbitrariedades por parte da autoridade pública, ou que as partes não vejam seus direitos, materiais e processuais, tolhidos em detrimento a outros interesses.

Esse corolário, da normatividade como tutela garantista dos direitos processuais dos litigantes, à luz da autonomia da ciência processual defendida por Bulow, acabou por gerar um culto excessivo às formalidades processuais, deixando ao relento o verdadeiro fim a que se presta que o processo, qual seja, de tutelar conflitos de direito material.

Assim, surge, com vistas a combater tal culto dogmático à forma, a fase instrumentalista, no Brasil encabeçada, dentre outros por Cândido Rangel Dinamarco, cujo discurso partia da premissa de que o processo possui um ímpeto teleológico na busca pela Justiça, pela tutela daquilo que seria socialmente útil através do processo, pela efetiva tutela da relação de direito material, em detrimento ao formalismo excessivo.

E, justamente, nesse sentido evoluiu a concepção de processo, havendo, em inúmeros casos, a necessidade de mitigação do rigor formal preconizado pela norma, para que assim se possibilite a busca por um processo efetivo na tutela do direito material.

Como já dito, nossa Constituição positivou os direitos fundamentais vigentes e conquistados até o momento histórico de sua promulgação, com isso, consolidaram-se inúmeros direitos e garantias, dados aos cidadãos, sob a estatura de constitucionais. Assim, retomando o raciocínio já feito, surge uma problemática de difícil resolução, qual seja: dada a natureza analítica de nossa Constituição, qualificando como constitucionais uma série de direitos individuais e coletivos, possibilitanto o exercício de tais direitos, muitas vezes independemente de interpositio legislatoris, em uma sociedade dinâmica, marcada pela velocidade das relações sociais entre seus atores, cresce, de forma exponencialmente assustadora, o número de conflitos postos à apreciação do poder Judiciário, que, assolado por um volume de trabalho assustador, vê, diante de si, conflitos cuja matéria de fundo quase sempre tem a guarida do texto constitucional, devendo conciliar a tutela de tais interesses às garantias dadas pela própria Constituição.

Essa tutela de matérias de índole, muitas vezes, constitucional, com a necessidade mitigação do rigor formal normativo à luz da função teleológica do processo, com um volume assustador de trabalho, dada a excessiva litigiosidade que permeia a nossa sociedade, havendo a diuturna cobrança por efetividade e rapidez na prestação do munus que lhe é imposto como reduto dos intérpretes autênticos – aqui na acepção de Kelsen –, não demonstra outro cenário que não o de crise. E, dadas as regras de competência estabelecidas pela Constituição, este cenário se acentua, ainda mais, quanto maior é a hierarquia do órgão jurisdicional, dada a centralização decorrente da natureza de sobreposição de tais órgãos.

Diante de tais circunstâncias, e buscando uma diminuição de seu volume de trabalho, os tribunais superiores, dentro da interpretação dos requisitos autorizadores do acesso recursal à sua jurisdição, acabaram por gerar aquilo que recebeu o nome de Jurisprudência Defensiva. Sendo tal termo corriqueiramente usado para definir o excesso de rigor formal no exame de admissibilidade recursal, seja interpretando o preceito autorizador à interposição recursal de forma extremamente restritiva, ou então, como ocorre em alguns casos, praticamente criando requisitos que a lei não prevê, em nítida atuação como legislador positivo.

Deve-se frisar que tal quadro diminuiu drasticamente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, porquanto, com a criação do requisito da repercussão geral e a sua regulamentação pelo próprio tribunal, houve a criação de um requisito legitimador do exame somente de direito objetivo por parte do tribunal, e não de aspectos subjetivos processuais do recurso posto à baila.

Como já dito, a nossa Constituição não foi pródiga na positivação de direitos fundamentais, e por tal razão, diversas temáticas, ainda que se mostrem mesquinhas para a galgar a apreciação em sede recursal pela corte constitucional, acabavam por preencher os requisitos legitimadores do recurso derradeiro, subindo, então para apreciação pelo Supremo.

Nesse cenário, e em período anterior à existência do requisito da repercussão geral para o recurso extraordinário, houve no âmbito do Supremo uma verdadeira atividade de legislador positivo, com a instituição de uma série de verbetes sumulares que, à sua época não tinham esse viés de Jurisprudência Defensiva, mas objetivavam gerar uma maior parcimônia na ruptura da inércia jurisdicional daquela corte; contudo, tais verbetes acabaram por municiar os tribunais superiores em interpretações extensivas ad hoc, buscando, como já dito, diminuir seu volume de trabalho.

Essa realidade tem uma frequência muito maior no Superior Tribunal de Justiça, porque, como instância derradeira da interpretação de direito federal, é assolado por um volume incrível de recursos, oriundos dos Tribunais Regionais Federais e de todos os Tribunais de Justiça do país.

Diante desse quadro, vê-se no âmbito do STJ a importação ad hoc da lógica de determinados verbetes do Supremo, vê-se, igualmente, excesso de rigor na interpretação dos requisitos autorizadores do recurso especial, bem como outras formas tendentes a obstar o prosseguimento e apreciação de tais recursos.

Esse excesso de rigor formal, na verificação dos requisitos de admissibilidade recursal, caminha na contramão da evolução teórica que a doutrina processual vem trilhando. Isso porque o formalismo teve a sua gênese para obstar arbitrariedade por parte do poder público, e, diante da mitigação desse rigor com base na perspectiva de instrumentalidade do processo, vemos o judiciário valer-se daquilo que seria o freio à sua desmedida atuação, como meio para diminuir seu volume de trabalho, acarretando muitas vezes prejuízos aos objetivos teleológicos do processo.

Feitas tais considerações, agora podemos nos centrar naquilo que será objeto de, ainda que brevíssimo, estudo através do presente trabalho: a necessidade de reiteração ou ratificação do recurso interposto antes da publicação da decisão recorrida, sob pena de torná-lo inadmissível.

2. Da Necessidade de Ratificação do Recurso

Deste modo, deve-se destacar, antes mais nada, quais as hipóteses de cabimento do Recurso Especial, para que assim possamos verificar a adequação ou não da referida interpretação.

O artigo 105, inciso III, da Constituição Federal estabelece que é da competência do Superior Tribunal de Justiça:

julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo contestado em face de lei federal;

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”.

Assim, competindo ao STJ a interpretação definitiva da legislação federal, evidente, pois, que em todas as matérias de ordem processual tratadas pela legislação, a sua palavra será sempre a última, justamente, em razão da Constituição Federal atribuir competência privativa a União para legislar sobre matéria processual.

Dessa forma, outras perspectivas sobre o recurso especial podem ser extraídas do texto constitucional, como a de que somente são impugnáveis nessa via as decisões proferidas em última ou única instância pelos tribunais de Justiça e Regionais Federais, , nos termos do art. 163 do CPC, os acórdãos.

Segundo as lições do eminente Prof. Barbosa Moreira[1], o juízo de admissibilidade, como exame de questões preliminares, antecedentes ao próprio mérito recursal, possui requisitos específicos que, quase que na totalidade, se aplicam as mais diversas formas recursais previstas pelo Código, em maior ou menor grau, podendo determinada modalidade recursal dispensar determinado requisito. Assim, para o renomado processualista, os requisitos podem intrínsecos, aí compreendidos o cabimento, a legitimação para recorrer, o interesse em recorrer e a inexistência de fato impeditivo à interposição; ou extrínsecos, compreendendo este nicho a tempestividade, a regularidade formal e o preparo recursal.

Tal divisão é importante, em que pese a existência de outras, para que visualizemos que tais hipóteses se aplicam ao Recurso Especial com um rigor maior, uma vez que tal recurso demanda requisitos objetivos previstos no texto constitucional para que haja a ruptura da inércia jurisdicional do STJ, como o dissídio jurisprudencial e a violação à disposição da legislação federal.

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Com efeito, justamente na conjugação dos elementos comuns aos pressupostos recursais previstos constitucionalmente, e os requisitos previstos, via de regra, doutrinariamente, se dá o solo fecundo à Jurisprudência Defensiva que vem sendo cristalizada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

O objeto do presente estudo, como já dito, é a necessidade de reiteração ou ratificação do recurso especial interposto antes da publicação do acórdão, o que tem se tornado verdadeiro requisito de admissibilidade, porquanto é exigido pelo STJ para que o recurso logre ser conhecido.

Assim, este entendimento tem sido buscado, muitas vezes e nas mais diversas instâncias, para que se obste o prosseguimento de recursos legitima e adequadamente interpostos, em uma interpretação demasiadamente extensiva do preceito – legislado por uma autoridade materialmente incompetente[2], por conter disposições de índole processual, qual seja o STJ – contido na Súmula 418 do Superior Tribunal de Justiça, que afima ser “inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.

Com efeito, tal entendimento foi cunhado pela Corte Especial do STJ, que justificou, que haveria a necessidade premente de reiteração do recurso interposto, uma vez que não se haveria esgotado a jurisdição do órgão a quo, e vislumbrando-se que excepcionalmente, os embargos de declaração podem vir a alterar a substância da decisão de já havia sido impugnada.

Ora, evidente que tal entendimento teve como base uma interpretação demasiadamente extensiva do requisito extrínsico da tempestividade recursal, levando-se em conta que, inicia-se o lapso temporal da interposição recursal quando é tornada pública a decisão impugnada, e que os embargos de declaração suspendem o prazo in totum para interposição de recurso por qualquer das partes, bem como a possibilidade dos embargos opostos terem efeitos infringentes, que podem vir a complementar a decisão embargada; assim entendeu o Superior Tribunal de Justiça que a ausência de ratificação do recurso interposto nessas condições o tornaria inadmissível.

Assim, com todas as vênias quese é possível ter, tal entendimento teve como escopo precípuo diminuir o número de recursos que chega a tal Corte Superior. Porquanto, a premissa de que somente é tempestivo o recurso interposto após o começo do prazo recursal, ou seja após sua publicação, é equivocada, uma vez que apenas se justifica a publicação para que a parte que deseje exercer o ônus processual que é o recurso tenha ciência inequívoca do teor do decisum impugnado, de forma que, se o recurso foi interposto antes da publicação da decisão, evidente, pois, que a parte recorrente teve inequívoco conhecimento dos termos da decisão, tanto que pôde, dialeticamente, exercer o seu direito de interpor o recurso que acho que era cabível.

Ademais, deve-se destacar que o Recurso de embargos de declaração tem como fito o esclarecimento ou a integração do julgado embargado, de forma que, não tem como ratio essendi a possibilidade infringir o julgado, sendo essa uma possibilidade muito remota, que na prática acaba por ficar restrita à verificação de existência de erro material. De forma que, ainda que obscura, contraditória ou omissa uma decisão, à luz do princípio da unicidade do recurso, ainda que possam ser opostos embargos de declaração, isso não obsta a interposição da modalidade recursal adequada a busca da reforma ou da invalidação do julgado[3], e, se interpostos antes do julgamento de tais embargos, evidente, pois, que somente deveria se exigir a ratificação do interesse recursal, caso houvesse a infringencia do julgado, assumindo, assim, a decisão um verdadeiro viés de complementariedade.

Diante do rigor formal, de questionável justificativa, fornecido por tal súmula, tem sido implacável o Superior Tribunal de Justiça em negar seguimento à Recursos Especiais, independentemente da tese objetiva de que se reveste, negando, assim, vigência a percepção da natureza instrumental do processo, no sentido da evolução da ciência processual, aplicando, com impressão de que ainda vivenciamos a era do positivismo exegético, o rigor do texto da lei (?), ou melhor da súmula (!).

Assim, mostra-se importante trazer a baila recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça que demonstram como tais disposições assumiram um ar de dogmatismo, sendo inclusive aplicadas extensivamente a casos cujo recurso fora manejado antes de sua edição, demonstrando o absoluto viés de norma processual que foi dada à disposição sumular. Confira-se, dentre tantas outras, as ementas das recentes decisões, dos recentes Ministros Ricardo Villas Boas Cueva e Sérgio Kukina:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APELO ESPECIAL INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. REITERAÇÃO. NECESSIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA N° 418/STJ.

1. O recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, mesmo que opostos pela parte contrária, é prematuro, visto que ainda não esgotada a jurisdição do tribunal de origem, motivo pelo qual deve ser reiterado ou ratificado após a intimação do acórdão dos declaratórios. Aplicação da Súmula 418/STJ.

2. A incidência da “modulação temporal” de entendimento jurisprudencial revela situação excepcional adstrita às hipóteses de declaração de inconstitucionalidade, com supedâneo no art. 27 da Lei n° 9.857/99.

3. Agravo regimental não provido”[4].

“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RATIFICAÇÃO. INEXISTÊNCIA. RECURSO INTEMPESTIVO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 418/STJ. DECISÃO MANTIDA.

1. Considera-se extemporrâneo o recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, salvo se houver ratificação posterior (Súmula 418/STJ).

2. A Primeira Seção deste STJ firmou posicionamento no sentido da aplicação da referida súmula, inclusive, para os recursos especiais manjeados anteriormente à sua edição, tendo em vista o caráter meramente declaratório da orientação jurisprudencial, que se baseou em interpretação de lei já vigente.

3. Agravo regimentla a que se nega provimento”[5].

Temos como evidente que em ambos os casos aplicação da súmula mostra-se como típicos casos de Jurisprudência Defensiva, aplicando, independentemente de justificativa, a perspectiva de recurso prematuro ou extemporrâneo tratada pela Súmula 418 do STJ, como se norma processual fosse.

Ademais, na segunda decisão existe a afirmação de que se trata de interpretação de lei que já estava vigente. É importante destacar que o juiz como interprete autêntico, ou seja, aquele que busca a norma contida no texto, e a impõe a um caso concreto, por um ato de vontade, encontra, nesse momento da interpretação/aplicação do direito alguns óbices, nãopodendo interpretá-la a seu bel prazer, mas devendo se manter fiel àquela norma que involucrada pelo texto já era preexistente[6].

O que se pretende dizer, é que o STJ, apesar de ser o interprete derradeiro (tornando ainda mais evidente sua função de interprete autêntico) da legislação federal, somente poderá atuar interpretando a legislação a partir da obra que foi criada pelo legislador, e respeitando os limites impostos pela ratio essendi daquela norma, bem como pelo texto constitucional, não podendo, assim, produzir requisitos de admissibilidade recursal ex nihilo, ou aplicá-los, sob o pretexto de estar interpretando a legislação, porquanto esta nunca versou sobre tal matéria em tais termos, o que somente comprova a verdadeira natureza de tal dispositivo sumular, a de obstar o prosseguimento de recursos.

3. Da Perspectiva Dada Pelo Novo Código

A comissão de notáveis processualistas instituida pelo Senado Federal para a confecção de um anteprojeto daquilo que se espera que venha a ser o novo Código de Processo Civil[7], ciente da problemática que envolve a presente questão, diversamente do que ocorre com o presente Código que sequer a menciona (o que deixa bem claro o excesso cometido pelo STJ), houver por bem discipliná-la expressamente.

Com efeito, o anteprojeto ao disciplinar a matéria, com acerto dispôs:

“Se ao julgar os embargos de declaração, o juiz, relator, ou órgão colegiado não alterar a conclusão do julgamento anterior, o recurso principal interposto pela outra parte antes da publicação do resultado será processado e julgado independentemente de ratificação”.

E tal dispositivo foi preservado nas sucessivas revisões do projeto de Lei encontrando-se positivado no §5º do Art. 1.024 da Lei 13.105/15[8] (Novo Código de Processo Civil), restando com a seguinte redação:

“Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação”.

Diante de tal perspectiva, mostra-se novamente, com evidência o desacerto cometido pelo STJ na consolidação de um entendimento que pode, facilmente, primo ictu oculi ser qualificado como Jurisprudência Defensiva.

Assim, é nítido que somente há que se cogitar em reiteração de recurso interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, caso haja infrigencia no resultado do julgament o anterior, de forma, alça-se a nova decisão à categoria de complementar, esclarecendo, integrando, ou, até mesmo, modificando a que já havia sido prolatada.

Ademais, espera-se que com o novo Código, com a sistemática que por ele é adotada diminua-se o gargalo de morosidade e adumulo de trabalho que assola os Tribunais Superiores, pois, caso contrário, sendo o STJ o intérprete derradeiro da legislação federal, poderemos vir a ver uma relativização do teor do texto legal, dessa vez rompendo com o formalismo, para relativizar as disposições no melhor interesse do Tribunal, qual seja, de diminuir o seu volume de trabalho[9].

4. Síntese Conclusiva

Como vimos, o judiciário encontra-se em crise, em razão da multiplicidade de direitos alçados à categoria de constitucionais, bem como dos conflitos decorrentes do exercício de tais direitos, além da sociedade de consumo moderna ser marcada por relações massificadas, assim como os conflitos decorrentes de tais relações. Em tal cenário, os Tribunais, principalmente os Superiores, têm enfrentado uma onda sobre-humana de trabalho e atarefamento, lhes sendo exigida uma produtividade absurda, para que o processo se preste, com a maior brevidade, à tutela da relação de direito material que se coloca à baila. O que acaba por não deixar outra alternativa aos órgãos de sobreposição jurisdicional, a não ser aumentar o rigor formal dos requisitos de admissibilidade recursal, apegando-se a um excessivo formalismo, para negar seguimento a recursos que, em tese, se coadunam com a competência de tais tribunais, e seguindo o critério legal, estariam aptos à busca pelo provimento, recebendo tal postura tribunalícia o nome de Jurisprudência Defensiva.

Como um dos expoentes máximos daquilo que tem sido denominado de Jurisprudência Defensiva vimos que o STJ tem sido um dos redutos mais fecundos à propagação e aplicação de tais entendimentos, brotando requisitos que o legislador não previu, exatamente porque não existem, com vistas a diminuir claramente o seu volume de trabalho.

Vimos, igualmente, que, exercendo competência exclusiva imbuida pela Constituição ao legislador federal, o STJ criou por meio de verbete sumular um requisito à admissibilidade do Recurso Especial, qual seja, o da necessidade de reiteração ou ratificação do recurso interposto antes da publicação do acórdão que julgar embargos de declaração.

Ainda que suscintamente foi demonstrada a inadequação de tal entendimento, e dos diversos matizes de raciocínio que dele decorrem, tese igualmente corroborada pelas disposições explícitas trazidas pelo novo Código de Processo Civil.

E por fim, foi questionada a perspectiva de que caso a sistemática pretendida pelo novo Código com vistas a sanar a excessiva litigiosidade que assola os Tribunais, principalmente os Superiores der errado, poderia o Superior Tribunal de Justiça relativizar suas disposições, buscando, novamente, ver seu volume de trabalho diminuido. E diante de tal questionamento, concluimos que, tais relativizações ocorrem diuturnamente no STJ, quando muitas vezes se apega demasiadamente à literalidade do texto legal, e em outros casos relega a função de invólucro, do texto legal, à, absolutamente, nada, aplicando as normas a seu bel prazer, sem qualquer integridade ou coerência jurisprudencial.

Assim, torna-se imperioso concluir que, somente com a aplicação cotidiana do novo Código poderemos vislumbrar ares de mudança na concepção dos Tribunais Superiores, para que soluções ad hoc com o fim de diminuição do volume de trabalho não mais assolem as partes litigantes, de forma que a jurisdição possa ser exercida com plenitude, dentro dos ditames constitucionais e legais, cabendo aos intérpretes autênticos o dever de se manter aberto as mudanças e as rupturas teóricas afetas à ciência processual, para que este democrático instrumento de resolução de conflitos possa alcançar a finalidade que, teleológicamente, lhe é, necessariamente, atribuída.

5. Referências Bibliográficas.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.

BRASIL. Lei 13.105/15. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp n° 337.208-SC. 1ª Turma. Rel. Min. Sérgio Kukina. j. 24/09/13.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp n° 1.001.987-MA. 3ª Turma. Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva. j. 27/09/13.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Homenagem a Ada Pellegrini Grinover. Revista de Processo. Vol. 176. 2009. p. 275.

FARIA, Márcio Carvalho. O novo código de processo civil VS. Ajurisprudência defensiva. Revista de Processo. Vol. 210. 2012. p. 263.

FARINA, Fernanda Mercier Querido. Jurisprudência defensiva e a função dos tribunais superiores. Revista de Processo. Vol. 209. 2012. p. 105.

GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6ª Ed. Malheiros – São Paulo, 2013.

JORGE, Flávio Cheim. Requisitos de admissibilidade dos recursos: entre a relativização e as restrições indevidas (jurisprudência defensiva). Revista de Processo. Vol. 217. 2013. p. 13.

MONTEIRO, André Luís. Duas providências do projeto de novo código de processo civil para o fim da chamada jurisprudência defensiva: uma evolução rumo ao pleno acesso à justiça. Revista de Processo. Vol. 204. 2012. p. 204.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. Vol. V. Forense – Rio de Janeiro, 2003.

SALOMÃO, Luis Felipe. Breves anotações sobre a admissibilidade do recurso especial. Revista de Processo. Vol. 172. 2009. p. 233.

STRECK, Lênio Luiz. Compreender Direito: desvelando as obviedades do discurso jurídico. Revista dos Tribunais – São Paulo. 2013.

THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de direito processual civil, Vol. 1. 53ª ed. Forense – Rio de Janeiro, 2012.


[1] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V. Forense – Rio de Janeiro, 2003. p. 262/263.

[2] BRASIL. Constituição Federal de 1988. Art. 22 da CF/88, dispõe textualmente que: Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual...

[3] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 53ª ed. Forense – Rio de Janeiro, 2012. p. 589.

[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp n° 1.001.987-MA. 3ª Turma. Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva. j. 27/09/13.

[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp n° 337.208-SC. 1ª Turma. Rel. Min. Sérgio Kukina. j. 24/09/13.

[6] GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes, 6ª Ed. Malheiros – São Paulo, 2013. p. 44/45.

[7] BRASIL. PLS 166/2010 ou PL 8.046/2010. Art. 980, §3º.

[8] BRASIL. Lei 13.105/15. Art. 1.024, §5º.

[9] Aqui merecem destaque as ponderações feitas pelo Prof. Lênio Luiz Streck (Compreender Direito. Revista dos Tribunais – São Paulo, 2013. p. 108/109), que demonstra nitidamente que dependendo da conveniencia do STJ, ora se aplica a literalidade da Lei, ora passa por cima desta, como se nada dissesse, rompendo com a integridade e coerência epistemológica que deve ter a jurisprudência do Tribunal, de acordo com o seu interesse.

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Sobre os autores
Pedro Casquel de Azevedo

Acadêmico de Direito, cursando a 10ª etapa na Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP.

Felippo de Almeida Scolari

Acadêmico de Direito, cursando a 10ª etapa na Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP.

Felipe Martineli Simonassi

Acadêmico de Direito, cursando a 10ª etapa na Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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