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A tributação das sociedades cooperativas pelo PIS e COFINS

11/09/2003 às 00:00
Leia nesta página:

É assegurado às sociedades cooperativas "adequado tratamento tributário" pela constituição federal vigente, conforme preceitua a letra "c", inc. III, do art. 146, in verbis:

Art. 146 – Cabe à lei complementar:

... omissis...

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

...omissis...

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

Apesar de vago e impreciso, podemos concluir que o mandamento constitucional suso indica que o ato cooperativo deve ter, por suas peculiaridades, tratamento tributário benéfico, se comparado às sociedades comerciais, a fim que as sociedades cooperativas atinjam seus reais objetivos.

Vale registrar que mencionada lei complementar ainda não foi editada, o que vem causando sérios prejuízos às sociedades cooperativas, que são equiparadas, para efeitos de tributação, a outras pessoas jurídicas totalmente diversas delas.

As cooperativas são sociedades de pessoas, sem fins lucrativas, criadas para prestar serviços aos seus associados, de acordo com princípios jurídicos próprios.

Disciplinadas pela Lei 5.764/71, a definição legal de cooperativas é a seguinte:

Art. 4º - As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:

... omissis...

Dentre todas as características destas sociedades, a de relevância marcante para a adequação da incidência de tributos sobre os atos cooperativos é a traçada no inc. VII, art. 4º da Lei 5.764/71, qual seja:

VII – retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral;

Como se vê do acima transcrito, toda a receita da cooperativa, reverte, exclusivamente, aos cooperados. Da mesma forma, as despesas da sociedade são rateadas proporcionalmente entre os sócios.

Trata-se de uma sociedade que não possui receita e nem despesa. Os valores auferidos representam meros ingressos temporários no patrimônio, sem acréscimos no ativo ou decréscimos nos passivos, de conformidade com os princípios da contabilidade, em nada aumentando o patrimônio líquido da sociedade.

As sobras não são, nem ao longe, o objetivo das cooperativas, mas sim o resultado positivo das operações por ela realizadas, em nome dos seus sócios. Por isso as sobras não podem ser equiparadas ao lucro.

O que as cooperativas buscam para si, enquanto pessoas jurídicas propriamente ditas, é tão somente a satisfação dos custos administrativos, nunca o lucro. Tributar os atos cooperativos de forma equiparada aos atos de comércio, que visam tão somente o lucro, é uma clara ofensa aos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia, além de ferir o "adequado tratamento tributário ao ato cooperativo".

Quanto à tributação pelo PIS e COFINS, as cooperativas foram, inicialmente, consideradas isentas do pagamento da COFINS pela Lei Complementar n.º 70/91, a qual instituiu este tributo, como se vê do inc. I do art. 6º:

Art. 6º - São isentas da contribuição:

I – as sociedades cooperativas que observarem ao disposto na legislação específica, quanto aos atos cooperativos próprios de sua finalidade;

Os atos cooperativos estão conceituados no art. 79 da Lei 5.764/71:

Art. 79 – Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associadas, para a consecução de seus objetivos sociais.

Parágrafo único – O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.

Doutrinariamente, conceitua-se atos cooperativos como sendo "os atos jurídicos que criam, mantém ou extinguem relações cooperativas, exceto a constituição da própria entidade, de acordo com o objeto social, em cumprimento de seus fins institucionais", no exato dizer do nobre mestre Renato Lopes Becho.

Muito preciso o inc. I do art. 6º da LC n.º 70/91 ao isentar do pagamento da Cofins os atos cooperativos, vez que, em sendo a base de cálculo desta contribuição o faturamento mensal, "assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza", como bem delimita o art. 2º da citada LC, e como os atos cooperativos não implicam em contratos de compra e venda, como se vê do parágrafo único do já citado art. 79 da Lei 5.764, efetivamente não deveria haver a incidência da Cofins e muito menos do Pis sobre os atos cooperativos.

Todavia, em uma clara demonstração de despreparo para exercer a função de legislador, e ainda simplesmente ignorando todos os motivos de direito suso delineados, o Chefe do Poder Executivo, através do art. 23 da Medida Provisória n.º 1.858-6, de 29 de junho de 1999, revogou os incisos I e III do art. 6º da LC n.º 70/91, revogação esta mantida pela Medida Provisória 66/02 e recepcionada pela Lei 10.637/02, que atualmente regulamenta esta matéria.

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Passaram então as cooperativas, a partir de 01.11.99, a recolher o valor de 3% sobre o faturamento mensal, qual seja, sobre a receita bruta mensal da cooperativa, a título de COFINS, num claro e inconteste caso de incidência tributária em casos de não incidência e afronta aos princípios da capacidade contributiva e da isonomia.

Quanto ao PIS, estão as cooperativas sujeitas ao pagamento deste tributo de duas formas:

1.SOBRE A FOLHA DE PAGAMENTO, mediante a aplicação de alíquota de 1% sobre a folha de pagamento mensal de seus empregados.

2.SOBRE A RECEITA BRUTA, calculada à alíquota de 0,65%, a partir de 01.02.2003, de acordo com a MP 107, com exclusões da base de cálculo previstas pela Medida Provisória 2113-27/2001, art. 15.

A partir de 01.12.2002, por força da Lei 10637/2002, a alíquota do PIS foi majorada para 1,65%, sendo que a Medida Provisória n.º 107 de 10.02.2003, retomou a situação inicial, qual seja a alíquota de 0,65% para as sociedades cooperativas.

Consoante as disposições da Medida Provisória – MP nº 2.113-29, de 27 de Março de 2001, DOU de 28.3.2001, re-edições e modificações posteriores, até a MP 2158-35/2001, podem as sociedades cooperativas excluir da base de cálculo os valores e as mercadorias abaixo delineadas:

"Art. 15. As sociedades cooperativas poderão, observado o disposto nos arts. 2º e 3º da Lei n. 9.718, de 1998, excluir da base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP:

I - os valores repassados aos associados, decorrentes da comercialização de produto por eles entregue à cooperativa;

II - as receitas de venda de bens e mercadorias a associados;

III - as receitas decorrentes da prestação, aos associados, de serviços especializados, aplicáveis na atividade rural, relativos a assistência técnica, extensão rural, formação profissional e assemelhadas;

IV - as receitas decorrentes do beneficiamento, armazenamento e industrialização de produção do associado;

V - as receitas financeiras decorrentes de repasse de empréstimos rurais contraídos junto a instituições financeiras, até o limite dos encargos a estas devidos.

(os destaques são nossos)

Também deverão ser observadas as disposições da Medida Provisória 101/2002, in verbis:

Art. 1º As sociedades cooperativas também poderão excluir da base de cálculo da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, sem prejuízo do disposto no art. 15 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, as sobras apuradas na Demonstração do Resultado do Exercício, antes da destinação para a constituição do Fundo de Reserva e do Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social, previstos no art. 28 da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971.

§ 1º As sobras líquidas da destinação para constituição dos Fundos referidos no caput somente serão computadas na receita bruta da atividade rural do cooperado quando a este creditadas, distribuídas ou capitalizadas pela sociedade cooperativa de produção agropecuárias.

§ 2º Quanto às demais sociedades cooperativas, a exclusão de que trata o caput ficará limitada aos valores destinados a formação dos Fundos nele previstos.

§ 3º O disposto neste artigo alcança os fatos geradores ocorridos a partir da vigência da Medida Provisória nº 1.858-10, de 26 de outubro de 1999.

Note-se que as exclusões dizem respeito mais especificamente às operações realizadas pelas cooperativas agrícolas e de consumo. Como não se pode fazer interpretação extensiva destas exclusões, as cooperativas dos demais ramos vem sendo extremamente prejudicadas pela tributação do PIS e COFINS sobre o ato cooperativo, sobretudo as cooperativas dos ramos trabalho e saúde.

Quanto à sociedade cooperativa de crédito, poderá deduzir da receita bruta mensal os valores correspondentes a:

I – despesas incorridas nas operações de intermediação financeira;

II – despesas de obrigações por empréstimos, para repasse, de recursos de instituições financeiras;

III – perdas com títulos de renda fixa e variável, exceto com ações;

IV – perdas com ativos financeiros e mercadorias, em operação de hedge.

Ressalte-se que, por força do artigo 8, inciso I, da Lei 10.637/2002, a nova modalidade de contribuição do PIS a partir de 01.12.2002 não se aplica as cooperativas de crédito.

Varias cooperativas, sobretudo as cooperativas dos ramos trabalho e saúde, ingressaram com ações judiciais insurgindo-se contra a tributação pelo PIS e COFINS sobre os atos cooperativos.

O STJ, em recentíssima decisão, acatou a tese de que medida provisória não pode revogar isenção concedida por Lei Complementar, proferindo o seguinte acórdão:

ISENÇÃO. PIS. COFINS. COOPERATIVAS.

O art. 23, II, a, da MP n. 1.858-6/1999 (atualmente equivalente ao art. 93,II, a, da MP n. 2.158-35/2001) não revogou a isenção de PIS e Cofins concedida às cooperativas pelo art. 6º, I, da LC n. 70/1991. O entendimento do STJ de que lei ordinária não pode revogar lei complementar, adotado para justificar a manutenção da isenção conferida às prestadoras de serviço, também tem valia quanto às cooperativas e deve ser mantido apesar do novel entendimento do STF, que equiparou a referida LC à lei ordinária. Precedente citado do STF: ADC 1-DF, DJ 16/6/1995. Resp 476.510-SC, Rel.Min. Luiz Fux, julgado em 6/5/2003.

É bem verdade que o acórdão acima só opera efeitos entre as partes. Todavia, a decisão acima abre um excelente precedente para que as cooperativas continuem sendo declaradas isentas, mediante decisão judicial, do pagamento do PIS e COFINS, a despeito de que esta tese poderá vir a ser superada quando o Governo Federal conseguir aprovar Lei Complementar que revogue a isenção inicialmente concedida às cooperativas.

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Sobre a autora
Analuisa Macedo Trindade

advogada especialista em Direito Tributário, assessora jurídica do Sistema OCEC/SESCOOP-CE em Fortaleza (CE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRINDADE, Analuisa Macedo. A tributação das sociedades cooperativas pelo PIS e COFINS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 70, 11 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4311. Acesso em: 24 nov. 2024.

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