Capa da publicação Juízes e ética: diretrizes do CNJ em debate
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Da ética necessária à magistratura nacional

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28/09/2015 às 12:05
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4. DA INTEGRIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL DO JUIZ

A conduta íntegra (aqui no sentido de inteireza, de ser indivisível, que não se dissocia) é importantíssima a todos aqueles que se dediquem à atividade jurisdicional: quem não tem a capacidade de ser honesto não pode envergar a toga12.

A integridade de conduta, dentro e fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional, contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura (Art. 15, CEMN/2008). Nalini (2009, p. 137) complementa com a expressão: “Inviabilidade da compartimentalização de personalidades” – se o magistrado tem uma personalidade “de juiz”, no fórum e outra extramurus, ele se torna um verdadeiro caso de “dupla personalidade”, que prejudica a imagem do judiciário perante a opinião pública13. Assim, deve o juiz manter a unidade e a coerência de condutas em todos os atos que exercer, sejam estes de âmbito público ou privado, fora e dentro de suas atribuições judiciais.

Na mesma linha de raciocínio, o magistrado deve comportar-se, na vida privada, com reserva e austeridade, de modo a dignificar a função que exerce, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe sacrifícios, restrições e exigências pessoais distintas (Art. 16, CEMN/2008). A magistratura é um verdadeiro sacerdócio, uma missão – pois, ao juiz, lhes são exigidas muitas renúncias: atividades sociais, mesmo que consideradas lícitas, não são convenientes a quem tem, por ofício, julgar seus semelhantes. Segundo Direito (1998, p. 4): “não se deve pensar que a judicatura é só a beleza do exercício do poder e das prerrogativas; a beleza da judicatura é, exatamente, a capacidade de abrir mão de sábados e domingos, quando os processos estão atrasados, pois deve cumprir-se primeiro o dever”.

Ao magistrado é vedado usar, para fins privados, sem autorização do tribunal, os bens públicos ou os meios disponibilizados para o exercício de suas funções (Art. 18, CEMN/2008). O abuso na utilização da estrutura estatal, para fins pessoais, confundindo o bem de uso público, como se fosse privado, aproveitando os servidores da repartição para serviços de caráter doméstico e, ainda mais, servindo-se de relacionamentos gerados pelo cargo público no favorecimento pessoal, ou de familiares, discrepa, totalmente, do que se entende por Res Publica; tais privilégios só são encontrados nas Monarquias Absolutistas dos imperadores e czares.

O clamor social que essas mazelas criaram, inclusive no âmbito do Poder Judiciário, levou o STF a editar o enunciado da Súmula Vinculante nº. 13, publicada em 29 de agosto de 2008, que veda o famigerado nepotismo em todas as suas modalidades. Ei-la, em seu teor, que dispõe:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

O magistrado deve evitar transparecer, para a sociedade, uma desnecessária “aparência de riqueza”. Seus bens, seu padrão de vida devem ser compatíveis com os subsídios que recebe do Estado14. Cumpre, ao magistrado, adotar um estilo de vida que não suscite qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial (Art. 19, CEMN/2008), evitando, desta forma, a famosa “síndrome do cidadão acima de qualquer suspeita”, onde o juiz arroga-se o direito de não ter que dar nenhum tipo de satisfação à sociedade – tal regalia não tem cabimento em uma República, onde todos os agentes públicos têm que prestar contas de seus atos à sociedade.

Sobre a retribuição financeira pelo exercício da magistratura15, conclui Menezes Direito que: “A melhor atitude é a dedicação integral ao trabalho na magistratura. Não vem para enriquecer. Vem para exercer a sua vocação” (1998, p. 5).

A remuneração do magistrado, embora seja o teto do funcionalismo público, não há que fazê-lo enriquecer. Muito menos, com o seu múnus público, pode o magistrado, amealhar fortuna, sendo, por isso mesmo, muito importante que este venha a ter uma correspondência proporcional e equitativa entre seus rendimentos e seu modus vivendi.


5. DA DILIGÊNCIA E DEDICAÇÃO DO MAGISTRADO

O juiz deve fiscalizar seus subordinados, a fim de que todos os atos processuais cumpram-se dentro do prazo exigido16. Nesse ponto, as qualidades inerentes a um juiz são: pontualidade inglesa, no cumprimento dos seus prazos e percepção arguta para intuir quaisquer manobras processuais protelatórias, impetradas pelas partes17.

Cumpre ao magistrado velar para que os atos processuais se celebrem com a máxima pontualidade e para que os processos, sob seu encargo, sejam solucionados em um prazo razoável, reprimindo, desta forma, toda e qualquer iniciativa dilatória ou atentatória à boa-fé processual (Art. 20, CEMN/2008).

A ética do juiz é o ponto de apoio para alavancar o todo Judiciário e sua diligência, probidade e dedicação ao serviço levam ao cumprimento da promessa do constituinte de propiciar uma justiça célere, efetiva e eficaz, como determinado pela nossa Magna Carta18.

Pode, o juiz, além das funções judicantes, dedicar-se, também, à docência nas cátedras universitárias, sendo de muito proveito, ao corpo discente, a experiência prática, o metier forense e o conhecimento acadêmico do magistrado. Sobre a acumulação lícita de funções com a magistratura, determina o art. 21. do CEMN/2008 que:

O magistrado não deve assumir encargos ou contrair obrigações que perturbem ou impeçam o cumprimento apropriado de suas funções específicas, ressalvadas as acumulações permitidas constitucionalmente. § 1º O magistrado que acumular, de conformidade com a Constituição Federal, o exercício da judicatura com o magistério deve sempre priorizar a atividade judicial, dispensando-lhe efetiva disponibilidade e dedicação. § 2º O magistrado, no exercício do magistério, deve observar conduta adequada à sua condição de juiz, tendo em vista que, aos olhos de alunos e da sociedade, o magistério e a magistratura são indissociáveis, e faltas éticas na área do ensino refletirão necessariamente no respeito à função judicial.

Independentemente da dignidade da função de professor universitário, a função judicante deve sempre ser priorizada. O excesso de atribuições não pode subtrair, do julgador, a sua função precípua, que é a de julgar19. Há magistrados que têm transformado o cargo em atividade acessória à carreira acadêmica. São os juízes “cursistas-profissionais” que buscam os louros acadêmicos, com títulos de mestrado e doutorado, em detrimento da jurisdição. Portanto, o juiz só deve lecionar, se for possível conciliar bem as duas atividades em paralelo, pois a responsabilidade acrescida, do juiz-professor, em prejuízo da função judicial, pode gerar problemas éticos e sérios desentendimentos com alunos ou com a Diretoria do estabelecimento de ensino, casos em que o magistrado não poderá pretender fazer prevalecer sua qualidade de juiz em detrimento da condição de professor, sob pena de infringir o preceito ético da integridade profissional, resvalando em sua função judicial.


6. DA INDISPENSÁVEL CORTESIA

A educação é fator primordial para a convivência do ser humano em sociedade. A deselegância, a grosseria, e a falta de gentileza (denotando, enfim, a falta de educação) engendra conflitos, não só no Poder Judiciário, como na coletividade em geral.

O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, para com os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas. Deve o juiz ter respeito à hierarquia administrativa e a disciplina judiciária, ter moderação nas manifestações públicas e elegância nas relações interpessoais, enfim ter finesse. Seria o ideal que todos os magistrados se portassem como cavalheiros, verdadeiros gentlemans para com todos quantos se relacionem com a administração da Justiça20. Impõe-se, ainda, ao juiz, a utilização de linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível às partes (Art. 22, CEMN/2008).

O famoso complexo de superioridade moral, conhecido como “juizite”, que acomete alguns magistrados e a jactância do conhecido bordão - “Sabe com quem está falando?” - não são nada mais que arrogância, prepotência, petulância, arbitrariedade e autoritarismo, a servir de escudo de proteção àqueles, inseguros de sua capacidade técnica e de seus conhecimentos jurídicos. Esses vícios tanto afetam o bom desempenho da jurisdição, quanto deslustram o magistrado e rasgam sua toga. Juízes com “egos inflados” e autoestima megalomaníaca têm comprometido todo o Judiciário, por seu despreparo no convívio civilizado21.

Em observação a esses fatos, o desembargador Serejo escreve com maestria: “O juiz precisa ter humildade, no seu ofício como fora dele. Já vi juízes sem humildade serem humilhados pelo tempo, pelas vicissitudes da vida que são, muitas vezes, impiedosas” (2010, p. 68). E, ainda finaliza com chave de ouro:

Uma cena desoladora que serve muito para reflexão é o velório de um magistrado aposentado [...] É uma tristeza! Os colegas que foram contemporâneos do falecido não aparecem, os advogados desconhecem o fato, os antigos escrivães nem dão notícia. E os atuais juízes, esses mesmos é que não se deslocam para um velório nem por um gesto de caridade. Nada. Até onde vai a culpa do morto neste episódio? [...] Por que essa indiferença com os colegas falecidos? [...] Para aqueles que vivem como se tivessem um rei na barriga, os acometidos de lances de juizite, a ida a um desses velórios poderia servir para refletirem o quanto é efêmero o poder que detêm (SEREJO, 2010, p. 110).

Quanto à atividade disciplinar, de correição e de fiscalização, estas serão exercidas, pelo juiz, sem infringência ao devido respeito e consideração pelos correicionados (Art. 23, CEMN/2008).

O juiz não deve e não pode considerar-se a “palmatória do mundo” ou a “pedra de toque”, a fonte ou o centro da “ordem moral do universo”, pois julga o homem mediano segundo a lei vigente no país e não de acordo com seus princípios ideológicos, preconceitos morais ou estereótipos sociais herdados ou impostos por uma parcela menor da sociedade – a elite econômico-política brasileira.


7. DA PRUDÊNCIA DO MAGISTRADO

Pode-se definir a prudência do juiz como o cultivo permanente do cuidado, da tolerância, da paciência e da compreensão para com todos; também, como exercício contínuo de cautela, de equilíbrio, de sensatez e de consequencialismo que nada mais é senão a consciência dos efeitos de suas decisões.

O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado, racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do direito aplicável (Art. 24, CEMN/2008).

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Analisando a afoiteza de juízes recém-nomeados e ainda perplexos com a complexidade do seu cargo, o Ministro do STF diz (DIREITO, 1998, p. 5):

Quantos Juízes que ao chegarem em suas comarcas começam a conceder liminares contra os prefeitos. O Julgador não deve decidir de afogadilho. A liminar é o instrumento mais poderoso que o Juiz tem. Deve ter-se sempre em mente que, em qualquer ocasião em que for requerido um pedido de liminar, uma decisão urgente, é de se lembrar que esta decisão não é tão urgente que não mereça uma reflexão detida, um pensamento, uma análise, um estudo de acordo com as circunstâncias de cada caso. Prudência nunca será demais para o Magistrado.

Especialmente, ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às consequências e aos desdobramentos jurídicos, econômicos, psicológicos e sociopolíticos que pode provocar na vida das pessoas e na sociedade (Art. 25, CEMN/2008). Este artigo trata, diretamente, dos reflexos, ou dos efeitos perversos que uma decisão judicial aética pode desencadear em um grupo social.

Uma nota sobre consequencialismo encontramos, ainda, em Serejo (2010, p. 106), que orienta: “Qualquer decisão, por mais simples que seja, repercute adiante como um estrondo que, às vezes, surpreende o próprio juiz prolator”. Pode-se, assim, com um ato judicial imponderado e inconsequente, abrir-se a “caixa de Pandora” e liberar todos os males sociais “ali” contidos, por força de uma legislação harmônica com a sociedade.

O juiz não é o único protagonista quando exerce sua profissão, posto que, em cada processo, hospeda-se uma vida. Há pessoas envolvidas e muitos sonhos ou desilusões (MATOS, 2010). Nesse entendimento, Rocha (2009, p. 68) sintetiza:

Claro que a indiferença ou o alheamento, a insensibilidade ou a distância somente poderão ser invocados por quem não tem em si o sentimento de humanidade, que se não deve ausentar do espírito de ninguém, muito menos de quem tem a missão de distribuir Justiça. Cada processo é a história individual de uma pessoa, sua vida, projetos, sonhos e esperança de conforto e êxito; por isso, diz-se que cada processo é uma pessoa e encerra nele os problemas de uma existência, hospeda uma vida, mas isso, às vezes não é valorizado em toda a sua extensão ou não é percebido em toda a fabulosa profundidade.

O julgador deve manter atitude aberta e paciente para receber argumentos ou críticas lançadas de forma cortês e respeitosa, podendo confirmar ou retificar posições anteriormente assumidas nos processos em que atua (Art. 26, CEMN/2008). Direito (1998, p. 6), afirma que:

O Magistrado não tem a obrigação de saber tudo. E se não sabe, tem a obrigação de procurar a resposta. O Juiz não é onisciente. O ser humano não terá nunca a capacidade de tudo conhecer. Ele substitui, ao longo da vida, umas dúvidas por outras. Isso é da natureza do conhecimento. O Magistrado tem a chance iluminada, a oportunidade, de conhecer tudo o que for a ele submetido, pelo estudo, pela reflexão. E mesmo assim a sua conclusão pode provocar divergência. Do contrário, não haveria voto vencido nos Tribunais ou pedidos de vista, todos votariam na mesma ocasião [...] Assim deve ser desde o início: o Juiz precisa imaginar que não sabe nada, ter um pouco de humildade, presumir que o saber ainda é um mistério; aí poderá exercer bem a judicatura. Sobretudo, é importante ter paciência para aprender, tolerância para compreender e bondade para dizer o Direito. Quem não possuir estes requisitos não tem condição para julgar o seu próximo.

O juiz não é o senhor da razão, que não possa mudar seu entendimento. O processo é dialético, onde tese e antítese se juntam para formar a síntese. Como pode o magistrado já tê-la a priori sem antes ouvir as duas partes? A sentença e seu entendimento são construídos a cada argumento formulado, podendo o juiz, a cada momento, filiar-se a um ou a outro ponto de vista, à medida em que se desenrola o drama processual, para, ao final, entregar a prestação jurisdicional, ou seja, dar, a cada um o que lhe é de direito, segundo suas possibilidades e de acordo com suas necessidades22.

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Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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O texto foi elaborado com base no Artigo apresentado para conclusão do curso de Especialista em Direito Público, pela UCDB/CPC Marcato (EAD lato sensu) – 2012.

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