Foi do conhecimento de todos a publicação da Lei nº 10.684/2003, que dentre outras disciplinas, instituiu uma modalidade especial de parcelamento, chamado de "novo Refis". Ocorre que, ao ser encaminhada para o Presidente da República, o mesmo vetou, dentre outros, o parágrafo 2º do artigo 5º que estabelecia a possibilidade de poder parcelar os débitos relativos às contribuições descontadas dos empregados e não repassadas à Previdência Social.
É fato que esta conduta traduz-se em delito contra o patrimônio, sendo tipificada no artigo 168-A do Código Penal, e diversamente dos crimes de sonegação fiscal, é delito de mera conduta, isto é, para configurar a tipicidade basta que o agente pratique o ato, independentemente de sua vontade.
Já nos crimes de sonegação fiscal, é necessário como elemento normativo do tipo, que o crédito esteja constituído definitivamente, para só então consumar o delito, sendo que esta exigibilidade definitiva do crédito ocorre quando se encerram todas as vias administrativas de impugnações e recursos, culminando com a inscrição na dívida ativa.
Em seguida, se verificados os indícios de prática de delito fiscal, o fisco envia uma notitia criminis à autoridade policial, que instaurará o inquérito policial, para apurar eventual prática do delito, bem como buscar subsídios para a ação penal.
Nessa linha, o inciso VI do artigo 151 do Código Tributário Nacional prevê que a exigibilidade do crédito tributário ficará suspensa quando verificada algumas das situações nele previstas, dentre elas o parcelamento.
Como forma de política criminal do Estado, também prevê o Código Tributário Nacional, em seu artigo 156, que a punibilidade estará extinta com o pagamento, compensação, transação, remissão, prescrição, decadência, dentre outras, desde que sejam elas feitas antes do recebimento da denúncia. Mas não com o parcelamento.
Disto decorre que, como o parcelamento suspende a exigibilidade do crédito, sendo integralmente quitado, eqüivaler-se-á ao pagamento do crédito. Desta forma, se existir o parcelamento não estará exigível o crédito; portanto, suspensa a consumação do delito, mas não extinta, como pode-se verificar da leitura do artigo 9º da Lei nº 10.684/2003 [1].
Outrossim, como anteriormente mencionado, o delito de apropriação indébita previdenciária (não repasse da parcela descontado do empregado) estará consumado com a simples conduta, não sendo necessário a constituição definitiva do crédito, inexistindo, assim, as possibilidades previstas no artigo 156 do Código Tributário Nacional.
O legislador, observando esta diferenciação entre esses dois delitos, bem como a crescente necessidade de maiores benesses da lei previdenciária para as sobrecarregadas empresas brasileiras, sem entrarmos no mérito da via legislativa escolhida, tentou implementar, através do Projeto de Conversão nº 11/2003 (Medida Provisória nº 107/2003 convertida) a possibilidade de parcelar os débitos previdenciários em comento, bem como a suspensão da extinção da punibilidade até o cumprimento integral do parcelamento.
Infelizmente, tal dispositivo foi vetado.
O parcelamento seria uma boa forma de não sobrecarregar as elevadas despesas das empresas possibilitando postergar a instrução criminal de todos os delitos fiscais.
Nesse sentido, o Poder Judiciário já vinha acolhendo, minoritáriamente, a tese da suspensão da extinção da punibilidade, decorrente do parcelamento, como podemos observar desse Acórdão proferido pela Terceira Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo. In verbis:
"Sonegação fiscal – Parcelamento do débito tributário. Interferência de suspensividade na persecução criminal. Ordem concedida para trancar a ação penal. Aplicação do art. 151, I, do CTN. Muito embora não seja causa de extinção da punibilidade, uma vez não produzir os mesmos efeitos do pagamento, a concessão administrativa da moratória consistente no parcelamento suspende a exigibilidade do crédito tributário e, consequentemente, impede o seguimento da persecução por correlatos delitos enquanto subsistir a regular quitação das parcelas" (TJSP – 3ª Câm. Criminal; HC n.º 301.238/1-SP; Rel. Des. Gonçalves Nogueira; j. 21/12/1999; v.u.)
Poder-se-ia argumentar que as razões do veto são lógicas, uma vez que eternamente busca-se sanar o caixa da previdência. Assim, esse benévolo parcelamento nem sequer poderia ter sido cogitado, até mesmo pelo disposto no recente artigo 7º da Lei nº 10.666/03, que, expressamente, proibiu a possibilidade de parcelamento dessa contribuições. Desta feita, perguntas-se? Interessaria para a sociedade que um empresário, gerador de empregos e produtor de riquezas para o país, vá parar dentro de uma prisão, juntamente com todo tipo elementos de alta periculosidade?!.
A questão é polêmica, mas, o que se pretendia com o parcelamento, não era o perdão, mas, que a dívida fosse paga, só que de maneira branda e calma, e, ao final, a punibilidade seja extinta. A questão posta nesse parâmetro, ao meu sentir, parece muito mais lógica e benéfica para a sociedade, tendo em vista que o empresário que vai para a cadeia, provavelmente, não pagará sua divida previdenciária, mas, estará quite com a sociedade. De outro lado, com essa modalidade especial de parcelamento, ocorreria não só a efetiva prestação da tutela penal do Estado, equiparando-se a uma das formas de extinção da punibilidade dos delitos de sonegação fiscal, mas, também, o saneamento das dívidas da Previdência Social.
Nota
01. Aliás este artigo 9º, só veio a corroborar nosso entendimento sobre essa suspensão, como pode-se observar artigo publicado no site: [http://www.maluly.adv.br/artigos_integra_tributario.asp?id=199]