Considerações sobre os números da homofobia e as políticas de inclusão

02/10/2015 às 13:52
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Os crimes homofóbicos envolvem questões para além de uma política criminal repressiva. A vulnerabilidade de tais vítimas deve ser compreendida pelo Estado e observada com medidas antecipatórias precisas.

Ao contrário do que acontece na violência doméstica, na violência contra o idoso, ou contra o menor adolescente, em relação à homofobia nos temos um valor social que vem sendo defendido tal qual foi o racismo na estrutura escravagista durante séculos. Para Daniel Borrilho:

Enquanto violência global é caracterizada pela super valorização de uns pelo menosprezo de outros, a homofobia baseia-se na mesma lógica utilizada nas outras formas de inferiorização: tratando-se da ideologia racista, classista ou antissemita, o objetivo perseguido consiste sempre em desumanizar o outro, em torná-lo inexoravelmente diferente.[1]

Basta lembrarmos que no Brasil ainda se discute da possibilidade do uso da Liberdade Religiosa e da Liberdade de Expressão como legitimadora de discursos de “demonização” do comportamento homoafetivo a despeito dos efeitos desse discurso no seio da sociedade, a despeito de banalizarem os efeitos do preconceito.

Irônico, senão absurdo, é a implícita reprodução de que a tutela dos direitos feridos pela discriminação deve sofrer, ela mesma, discriminação. O mesmo discurso discriminatório, no Brasil, é avaliado sob dois prismas diferentes obedecendo a preferência violenta do agressor. O mesmo discurso, sob o mesmo fundamento discriminatório, pode ser banalizado ou passível de punição se, ao invés de ofender o gênero ou a identidade psíquica ou sexual do indivíduo, decidir o agressor incitar a discriminação ou preconceito em função da raça, cor etnia, religião ou procedência nacional, sendo o mesmo submetido a reclusão de dois a cinco anos e multa se tal ato for cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza.[2]

A exemplo dessa instituição de discriminação que ocorre tanto fora, como dentro do Brasil, muita das vezes institucionalizada presidente do Zimbábue chegou a declarar que “os homossexuais são piores que os porco e os cães”[3].  Daniel Borrilho[4]esclarece que até mesmo nos Estado em a lei não tipifica a homossexualidade, gays e lésbicas são, muitas vezes, vítimas do assédio policial.  Já no Rio de Janeiro o TJ, em sentença, reconheceu que as críticas ao estilo de vida homossexual não atingiriam a dignidade humana, portanto possíveis, já que partiriam da Liberdade de Expressão. A trágica motivação do magistrado não passa sequer perto de uma interpretação teleológica ensejadora da tutela à Liberdade de Expressão idealizada pela Magna Carta, mas é usada como veremos, como manifestação parcial, preconceituosa e retrograda de opiniões que incentivam e fundamentam a violência institucional. Afirma o digníssimo magistrado:

Não se pode negar aos cidadãos heterossexuais o direito de, com base em sua fé religiosa ou em outros princípios éticos e morais, entenderem que a homossexualidade é um desvio de comportamento, uma doença, ou seja, algo que cause mal à pessoa humana e à sociedade, devendo ser reprimida e tratada e não divulgada e apoiada pela sociedade. Assim, não se pode negar ao autor/apelante o direito de lutar, de forma pacífica, para conter os atos sociais que representem incentivo à prática da homossexualidade e, principalmente, com apoio de entes públicos e, muito menos, com recursos financeiros. Trata-se de direito à liberdade de pensamento, de religião e de expressão.[5]

Essa mesma violência reproduzida em sentenças, vem habitando os lares, podendo ser reproduzida ainda mais e sem problemas  pelo Judiciário e por instituições religiosas[6] todos os dias. Nos sobra perguntarmos, se, já que estamos na esfera de uma política de preconceito patrocinada por grandes instituições, talvez uma tipificação penal mais precisa ou simplesmente novas abordagens criminológicas não seriam eficazes o bastante diante de uma cultura propagada de desumanização.

Nos perguntamos sobre que providências seriam mais adequadas, por exemplo, diante dos pais que expulsam de casa o menor que é identificado como gay deixando-lhe ao léu. Já abordamos aqui, que boa parte dos Travestis que vivem da prostituição surgem de lares destruídos ou de onde foram excluídos em função de suas peculiaridades quanto aos seus gêneros psicológicos, tendo, algum deles, que apelar à prostituição na falta de uma medida estatal que os amparassem. Certamente, medidas na esfera criminal contra esses pais não teriam êxito quanto a relação familiar que o Direito almeja tutelar.

Nesses casos, mesmo na delicada esfera do Direito de Família, onde o   recolhimento do menor ao seu lar seria a medida esperada poderíamos incorrer numa  lesão maior, já que a coercitividade judicial não teria o condão de restaurar as relações afetivas, a segurança do lar, ou acrescentar àquela família conhecimento cultural, histórico ou antropológico necessário que possa desfazer o estigma que atingem os “diferentes”. Borrilho atenta para o fato de que o viés de reprodução cultural massificada dessa violência permite-lhe perpetuar-se nos valores familiares fazendo parte da estrutura dessa violência o consentimento a mesma, como algo perfeitamente tolerável, senão incentivado. Afirma  Borrilho:

A homofobia é o medo de que a valorização dessa identidade seja reconhecida; ela se manifesta , entre outros aspectos , pela angustia de ver desaparecer a fronteira e a hierarquia da ordem heterossexual. Ela se exprime na vida cotidiana, por injúrias e por insultos, mas aparece também nos textos de professores e especialista, ou no decorrer de debates públicos. A homofobia é algo familiar e, ainda, consensual, sendo percebida como um fenômeno banal (...)[7] grifo nosso.

Enquanto a violência urbana se reporta muito mais a questões voltadas à desigualdade social, tráfico de drogas ilícitas ou falta de segurança, nos casos de homofobia, esses mesmos elementos podem ser irrelevantes ao cometimento de tais violências já que a mesma pode se dar na esfera do controlo social informal em função de heteronormativismo, ideologia religiosa, ou mesmo pelo próprio estado na má-prestação de atendimentos específicos que atendam a necessidades de certos grupos. Guaracy Moreira Filho nos coloca diante de um problema então quando aponta aos objetivos da Vitimologia. Assim afirma, o professor :

Acreditamos ser a Vitimologia um ramo da Criminologia, que estuda cientificamente as vítimas visando adverti-las, orientá-las, protegê-las e repará-las contra o crime. Entendemos que a Vitimologia deve, também, oferecer à sociedade meios capazes de dificultar a ação dos delinquentes habituais e erradicar de nosso convívio o denominado criminoso ocasional, tornando a vida das pessoas, principalmente das grandes cidades, mais seguras e ao mesmo tempo, por intermédio da ampla campanha, diminuir a criminalidade, atingindo a nova dupla penal vítima-criminoso.[8]

O problema é que a base da política criminal de prevenção, respaldada na vitimologia preventiva visa encontrar comportamentos desencadeadores do delito e aprimorar, numa leitura criminológica um aprofundamento das raízes desse comportamento, suas nuances sociológicas e antropológicas, sua repercussão jurídica e sua relevância ao cometimento do crime com objetivo de, finalmente, adequar essa política à orientação da vítimas em potencial dos riscos que corre e qual perfil comportamental seria determinante à deflagração do delito com fim de preveni-lo.

Se tais delitos ocorrem na esfera do controle social informal, já abordado aqui, seria irrelevante uma nova tipificação por dois motivos simples: para o indivíduo que tenta exercer com agressão a defesa da heteronormatividade vigente, já existem tipos penais claros que atingiriam seus atos mesmo que não atingissem sua motivação, ou seja, a norma penal já prevê penas específicas à violência almejada por esse indivíduo.

Para o indivíduo que vê na suposta ausência de uma tipificação mais especifica a oportunidade de cometer violência, a esse, a norma lhe seria irrelevante visto que o cometeria sob uma escusa qualquer sendo a homofobia muito mais uma desculpa que uma motivação. Esse segundo grupo se caracteriza muito bem pelo fato de que a agressão é cega e indistinta, não apenas contra homossexuais ou transexuais mas contra qualquer um que apresenta a fragilidade necessária ao ato, heteros ou homos.

Afirma Schilling sobre a indistinção dessa vítima que, apesar de se auto-identificar como heterossexuais e/ou cisgênero, são vítimas em função de características que fazem com que os perpetradores das violências os classifiquem como LGBT e os agridam[9]:

Outro crime recorrente é o de grupos que atacam pessoas porque “pareciam secr homossexuais”. Esse é outro exemplo de como ainda é precária a compreensão de que todos fazem parte de uma mesma humanidade e, portanto, todos têm direitos. No caso, supõe-se que alguém com uma orientação sexual diferente não teria direito à vida.

Tais insultos danos morais e materiais, agressão física, às vezes, chegando ao assassinato, são praticados como mostram os relatórios aqui utilizados, tanto no seio familiar quanto na omissão e fomento das instituições educacionais e religiosas, quanto  nas ruas.

A ideia de uma ideologia que repercuta em crime, essa, sim, deve  ser preocupação de tais políticas estatais com fim de atingir em algum grau a prevenção de tais barbáries. Essa prevenção nos obriga a discutir se existe realmente uma política criminal efetiva diante de um valor tão disseminado, tão propagado, e tão reproduzido nos veículos sociais como o machismo. Somos oriundos de uma sociedade sexista que há não menos de cinqüenta anos tinha como ‘normal’ reproduzir a frase de Nelson Rodrigues “nem todas mulheres gostam de apanhar, só as normais[10]” ou "Toda mulher gosta de apanhar, apenas as neurcóticas reagem[11]”. Hoje tal estigma vem sendo superado ao longo de uma luta árdua e exaustiva que aos poucos vai logrando alguns louros.

A violência e a discriminação em relação a homossexuais ocorrem meio a indiferença da população[12]. Para Borrilho, e para nós, o problema dessa violência introjetada na cultura, causada por essa heteronormatividade, e tão bem discutida por Butler acaba por encontrar na vitimologia preventiva um beco sem saída se a entendemos como objeto de uma política criminal tradicionalista dissociada da efetivação de uma política social que tenha por objeto a ordem e segurança pública.

Quando atentamos ao papel pedagógico do Direito e sua relação com os processos sociais nos conflitos, buscamos em sua função sociológica a função de instrumento de controle social, agindo na realidade social como fator de educação, conservação e transformação.

De seu papel educativo, entendemos que direito molda opiniões e comportamento, por meio do aprendizado e condicionamento do que é socialmente útil, bom e certo. Seu papel transformador tem o poder também de modificar a sociedade alterando o sistema de controle social e propondo, às vezes no fomento de políticas de inclusão, e às vezes inovando juridicamente.

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Borrilho[13]afirma que esse papel pedagógico quanto à problemática abordada teria seu início e natureza preventiva eficaz se partisse da premissa de denuncia dos códigos culturais e de estruturas sociais que utilizassem de sua liberdade de expressão para fortalecer essa cultura de discriminação. Para o mesmo, a família deve ser a primeira a ser abordada com fim de que se disponibilize aos pais a informação necessária da inexistência de problemática quanto ao fato de terem os filhos orientação diversa da heterossexual. Essa premissa, em muito corresponde aos fatos apontados em relatórios que demonstrem como já abordado aqui que boa parte da violência acontece primeiramente no âmbito familiar e depois desdobra-se nas esfera urbana.

Quando entendemos que pela criminologia não podemos fazer uma abordagem precisa do agressor no caso de tais crimes pelo fato de não termos, em geral, um agressor contumaz e determinado e daí nos remetemos aos estudos da vitimologia para tentar abstrair do papel da vítima um possível entendimento do que seria o principal elemento desencadeador da brutalidade homofóbica o que estamos reconhecendo é que tal complexidade está aperfeiçoada numa forma de violência que escapa à políticas criminais cpelo fato de que não nascem das desigualdades econômicas ou de alguma conduta que se adéqüe ao iter victimae.[14] Quando falamos na prevenção de crimes de estupro, por exemplo, podemos delinear o criminoso, seu modus operandis e sua vítima em potencial. Há de se informar a sociedade nesse casos os ambientes onde o crime seria mais freqüente, que comportamentos deveriam ser evitados pelas vítimas, que roupas poderiam facilitar seu cometimento, e inclusive, os perfis que seriam da predileção a tais agressores. Em relação à homofobia isso é impraticável. O agressor pode se dar na pessoa dos pais que descobrem a identidade homoafetiva do filho, na escola entre amigos próximos, nos discursos religiosos, e na falta de especificidade no atendimento a tais vítimas por instituições despreparadas.

Não se pode cogitar da prevenção de delitos das condutas que ensejem ou precipitem o crime se tais não são objetos determinantes ao crime, não podendo assim, essas condutas ser prevenidas sem ofender um bem maior e indissociável da condição humana, a saber, sua identidade. O que propomos é que a Dignidade Humana dos cidadãos seja protegida a todo custo segundo medidas que atentem ao caráter informativo viabilizando às famílias, primeira comunidade a que pertencemos, ter acesso a uma cultura de respeito à diversidade e compreensão de superação de paradigmas que põem sob risco toda sociedade.


[1] BORRILHO, Daniel. Homofobia:história e crítica de um preconceito/(Tradução  de Guilherme João de Freitas Teixeira).-Belo Horizonte:Autêntica Editora,2010.-(Ensaio Geral,1). p. 34.

[2]BRASIL. Lei nº 7.716, de 05/01/1989 <Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm.> Acesso em: 03 maio  2014.

[3] BORRILHO, Daniel. Homofobia:história e crítica de um preconceito. p. 108

[4]ibidem  p. 13

[5]FERRAZ, Jorge. Combate à homofobia. Disponível em: <TJRJ - 11a. CCiv, AC 2008.001.65.473 - Rio de Janeiro, rel. Des. Claudio de Mello Tavares, j. 01.04.2009, provimento parcial, v.u.> Acesso em: 04  ago. 2013.

[6] Podemos citar, e.g., textos disponíveis em sites “religiosos” nos quais, para além de questões “teológicas” propriamente ditas, onde são citados textos bíblicos e doutrinários, pode-se apreender outra ordem de “argumentos pseudocientíficos”, como se pode ver em: “(...) o famigerado projeto de lei 122/2006, que cria o crime de delito de opinião no país - uma espécie de ditadura gay no Brasil, pois tal comportamento se tornará incriticável, algo só visto em ditaduras totalitárias” (In: <www.conscienciacrista.org.br>, “Nota da Vinacc em resposta à ABGLT”); “O Brasil não é o Irã: o projeto anti-homofobia”, In: <www.conscienciacrista.org.br>; e “O 'discreto' apoio da Rede Globo aos projetos anti-homofobia”, In: <www.conscienciacrista.org.br>. Ver também “explicações” comportamentais dos pais determinando a orientação sexual dos filhos em: “Homossexualismo e homossexualidade”, In: <http://www.ultimato.com.br> ou ainda um outro texto de religiosos mostrando com orgulho serem “homofóbicos”, uma vez que a culpa pela epidemia do vírus HIV seria dos homossexuais: “Em Defesa da Homofobia”, In: <www.juliosevero.com.br>. (apud BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Homofobia no Brasil, resoluções internacionais e a Constituição de 1988Jus Navigandi, Teresina, ano 17n. 326913 jun. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/21999>. Acesso em: 19 abr. 2014.

[7] BORRILHO, Daniel. Homofobia:história e crítica de um preconceito. p. 34.

[8] MOREIRA FILHO, Guaracy, Vitimologia o papel da vítima na gênese do delito. p. 23.

[9]SCHILLING, Flávia Inês. Direito à vida, liberdade e segurança. In:MATSUDA, Fernanda Emy; GRACIANO, Mariângela; OLIVEIRA, Fernanda Castro Fernandes. Afinal, o que é segurança pública? São Paulo: Global, 2009. p. 12.

[10] A impressão da Cultura, de José Antonio Silva- Publicado por Editora Sulina, 1990. p.79.  

[11] A lição de Charcot- de Antonio Quinet- Publicado por Jorge Zahar Editor  Ltda, 2005.p, 113

[12] BORRILHO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. p.107

[13] BORRILHO, Op.cit., p. 109.

[14] Cf. MARINHO, Juliana Costa Tavares.  A importância da análise do comportamento da vítima no direito penal. Disponível em: < http://www.ambito.juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&  artigo_id=7113> Acesso em: 29 abr. 2013.

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