Artigo Destaque dos editores

O princípio da legalidade com ênfase tributária

28/09/2003 às 00:00
Leia nesta página:

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A lei é a expressão da vontade geral, elaborada pelos representantes da sociedade, que restringe parcialmente a liberdade dos indivíduos, com o objetivo de buscar o bem comum. Por estarmos em um Estado de Direito, os poderes públicos (executivo, legislativo e judiciário) ficam limitados e vinculados à Constituição, com o intuito de que sejam garantidos os direitos do indivíduo e da sociedade [1].

O princípio da legalidade "geral" vem expresso na Constituição Federal, em seu art. 5º, II, que enuncia que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Esse princípio tem forte ligação com o próprio Estado de Direito, uma vez que nele é assegurado o "império da lei". Por óbvio não estamos a tratar de princípio exclusivamente tributário, mas é certo que ele tem certas peculiaridades nessa esfera [2].

Tal princípio é uma forma de proteção da liberdade, visto que impede uma intervenção do Estado sobre a pessoa que não advenha de lei. É oportuna a citação do art. 6º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789:

A liberdade consiste no poder de fazer tudo o que não ofende outrem; assim o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites além daqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo destes mesmos direitos. Estes limites não podem ser estabelecidos senão pela lei [3]


ESTRITA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

Como vimos, o princípio da legalidade é basilar, aplica-se a todos os ramos do Direito. Bastava que figurasse somente nestes termos genéricos para que tivesse eficácia da mesma forma também no âmbito tributário. A diferença seria que estaríamos defronte de um princípio da legalidade tributária implícito. No entanto, tamanha é a importância deste que o legislador constituinte optou por deixar expresso na Constituição o princípio específico da legalidade para a área tributária, com o intuito de proteger o contribuinte. [4]

"Art. 150 (...)

I - Sem prejuízo de ouras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça " (BRASIL. Constituição 1988.)

Ocorre que o sistema jurídico brasileiro é ainda mais rigoroso na matéria tributária, pois vige o princípio da estrita legalidade tributária, pelo qual se entende lei em seu sentido estrito, que somente lei ordinária [5] pode criar o tributo. Ou seja, não basta que, por exemplo, o Município expeça um decreto para que o tributo esteja sob a legalidade. O sistema brasileiro prescreve que a lei que cria ou aumenta tributo deve ser editada somente pelo poder legislativo mediante lei ordinária. E ainda, este poder legislativo deve ser o competente para tanto. [6]

Deve-se esclarecer precisamente o que esse princípio quer significar. O seu conteúdo exige que a norma tributária que exige (cria) ou aumenta tributo seja detalhadamente definida pela lei ordinária. Ou seja, devem ser descritos abstratamente "sua hipótese de incidência, seu sujeito passivo, seu sujeito ativo, sua base de cálculo e sua alíquota.(...) Portanto, as exigências do princípio da legalidade tributária são cumpridas quando a lei delimita, concreta e exaustivamente, o fato tributável. " [7]

Por conseqüência, as obrigações tributárias acessórias, que são "meros deveres instrumentais que o contribuinte deve cumprir no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos" [8], não estão sujeitas ao princípio da legalidade estrita, podendo ser estabelecidas por lei em sentido amplo.


LEGALIDADE FORMAL E MATERIAL

São dois os aspectos do princípio da legalidade, de um lado, a legalidade formal e de outro, a legalidade material. Proveitoso é o modo como MISABEL DERZI trata do assunto na obra de ALIOMAR BALEEIRO.

Ora, os arts. 150,I e 5º, II, da Constituição vigente, referem-se à legalidade, como princípio necessário à instituição e majoração de tributos, tanto do ponto de vista formal – ato próprio, emanado do poder legislativo – como do ponto de vista material, determinação conceitual específica, dada pela lei aos aspectos substanciais dos tributos, como hipótese material, espacial e temporal, conseqüências obrigacionais, como sujeição passiva e quantificação do dever tributária, alíquotas e base de cálculo), além das sanções pecuniárias, dos deveres acessórios, da suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário. [9]


"PRINCÍPIO" DA TIPICIDADE TRIBUTÁRIA

O princípio da tipicidade enuncia que não basta simplesmente exigir-se lei formal e material para criação do tributo, pois é necessário que a lei que crie um tributo "defina tipo fechado, cerrado, todos os elementos da obrigação tributária, de modo a não deixar espaço algum que possa ser preenchido pela Administração em razão da prestação tributária corresponder a uma atividade administrativa plenamente vinculada (CTN, art. 3º)." [10]

Diverge a doutrina quanto a questão de ser ou não esse um princípio autônomo ou ser um dos aspectos do princípio da legalidade ou, ainda, confundir-se com o princípio da legalidade. ALBERTO XAVIER entende que a tipicidade é "a expressão mesma deste princípio (legalidade) quando se manifesta na forma de uma reserva absoluta de lei." [11] Por sua vez, Sacha Calmon NAVARRO COÊLHO ensina que "enquanto o princípio da legalidade diz respeito ao veículo (lei), a tipicidade entronca com o conteúdo da lei (norma)" e ainda que "tipicidade ou precisão conceitual é o outro nome do princípio da legalidade material" [12]e[13]

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

NOTAS

01. CARRAZZA, op. cit.,p. 210.

02. Idem, ibidem, loc. cit.

03. Declaração de Direitos de 1789 apud CARRAZZA, op. cit.,p. 212.

04. CARRAZZA, op. cit.,p. 214.

05. ressalvadas as exceções dos empréstimos compulsórios, impostos residuais da União e das contribuições sociais do parágrafo 4º art. 195 CF, que necessitam de lei complementar para sua validade.

06. CARRAZZA, op. cit., p. 216.

07. Idem, ibidem, pp. 216-217.

08. ROSA JÚNIOR, op. cit, p. 282.

09. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. Atualizado por MISABEL DERZI. p. 47.

10. ROSA JÚNIOR, op. cit, p. 284.

11. XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978. p. 70.

12. COÊLHO, S. C. N. Comentários à Constituição de 1988 – Sistema tributário. 6 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 283.

13. A respeito das semelhanças entre a tipicidade tributária e a tipicidade penal, trazemos o seguinte artigo: "(...) Concluímos que; apesar de serem duas matérias complexas e levadas por ramos divergentes; existem mais semelhanças do que diferenças entre os tipos penal e tributário. Tomando-se por base a Constituição Federal, e sendo assim os princípios constitucionais tanto os penais como os tributários, notamos (...) que ambos possuem alguns princípios em que são muito semelhantes suas estruturas. Sendo eles o princípio da Legalidade, princípio da anterioridade, princípio da taxatividade e ainda o princípio da isonomia.

Além das semelhanças no que tange os princípios constitucionais, encontramos pontos comuns e semelhantes entre a estrutura dos dois tipos. No sujeito ativo e no sujeito passivo notamos que a estrutura dos tipos, tanto o penal como o tributário são muito parecidas.

O sujeito ativo da obrigação tributária é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento, portanto somente a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem ser o sujeito ativo da obrigação tributária. No direito penal, aquele que pratica o fato típico é o sujeito ativo do crime. Somente o homem, isoladamente ou associado a outros, pode ser sujeito ativo do crime.

O sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa jurídica ou física obrigada, por lei, ao cumprimento da prestação tributária, seja ela principal ou acessória, estando ou não em relação direta ou pessoal com a situação que constitua o respectivo fato gerador. Já no direito penal, o sujeito passivo é o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado pela conduta criminosa. Em um mesmo delito, podem existir dois ou mais sujeitos passivos, para isso precisam ter sido lesados ou ameaçados em seus bens jurídicos referidos no tipo, necessário é, portanto, serem vítimas do crime.

A tipicidade no crime é quando o comportamento do agente se subsume ao tipo penal. A tipicidade no direito tributário é quando o comportamento do contribuinte se adequa ao tipo tributário. (hipótese material de incidência ou tipo tributário em abstrato, previsto em lei).

Como podemos notar, (...) há muitas semelhanças, não só no que tange os princípios constitucionais penais e tributários, como também na estrutura dos dois tipos. Os dois tipos possuem mais pontos comuns do que incomuns." MARIANA BRANCO HADDAD. Comparações entre tipo penal e tipo tributário. [online] Disponível na Internet via WWW.URL: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3507&p=2 18>. Última atualização em 18 de março de 2003

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Eliel Wasilewski de Araújo

advogado em Curitiba (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Eliel Wasilewski. O princípio da legalidade com ênfase tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 87, 28 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4332. Acesso em: 24 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos