Artigo Destaque dos editores

Desclassificação em licitação devido à desobediência de exigência editalícia da apresentação de mais de uma via da proposta.

Falta inessencial para justificar o excessivo rigor na desclassificação. Defesa do interesse público.

Leia nesta página:

Preceitua a Lei nº 8.666/93 no seu art. 40, caput, e Inciso VI, que o edital indicará obrigatoriamente a forma de apresentação das propostas e, de seu turno, o art. 38, caput, e inciso IV, do mesmo diploma legal, contempla que será juntado ao processo administrativo o original das propostas.

Tem sido prática comum na Administração Pública a previsão editalícia da apresentação da proposta em duas ou mais vias, cujo propósito aponta para a facilidade de manuseio burocrático para o exame das propostas no âmbito da Comissão de Licitação.

O ponto central da questão posta em debate diz respeito à decisão da desclassificação da proposta de um licitante por apresentá-la apenas em uma única via, ainda que previsto no ato convocatório a exigência de duas ou mais vias.

Como sabemos, a licitação não é um fim em si mesmo, isto porque o procedimento licitatório, embora de natureza formal - ex vi do parágrafo único do art. 4º do indigitado diploma legal - deve superar e transcender o burocratismo exacerbado e inútil, até porque o procedimento deve estar voltado para a eficácia da máquina administrativa, e orientado pelos princípios consignados no art. 37 da Carta Magna - legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A propósito do entendimento sobre a formalidade da licitação o Prof. Marçal Justen Filho, In Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Aide, 4ª Ed., p. 310, assim se expressou:

"Do ponto de vista formal, deve-se verificar se a proposta atendeu ao modelo devido. Ou seja, examina-se se contém aquilo que é obrigatório e se omitiu aquilo que é proibido, adotando a forma adequada. O exame formal deve ser formulado à luz do princípio fundamental de que a norma não é um fim em si mesmo. Mas isso não autoriza ignorar a ofensa a requisitos formais relevantes previstos no ato convocatório."

Trazemos a colação o seguinte magistério do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 20ª Ed., p. 248:

"Procedimento formal, entretanto, não se confunde com ‘formalismo’, que se caracteriza por exigências inúteis e desnecessárias. Por isso mesmo, não se anula o procedimento diante de meras omissões ou irregularidades formais na documentação ou nas propostas, desde que, por sua irrelevância, não causem prejuízo à Administração e aos licitantes. A regra é a dominante nos processos judiciais: não se decreta a nulidade onde não houver dano para qualquer das partes - ‘pas de nullité sans grief’, como dizem os franceses."

Impende destacar que o Egrégio Tribunal de Contas da União tem demonstrado grande avanço na temática da interpretação da Lei nº 8.666/93, e pela pertinência à matéria em comento apontamos as seguintes judiciosas manifestações proferidas:

"TC - 006.687/94-6: Assim, ao observar os princípios que devem nortear as licitações, a Unidade, ainda que desacatando parcialmente a lei, preveniu-se contra a ocorrência de atos gerencialmente desfavoráveis, resguardando o patrimônio público."

"TC 000.175/95-1: Que no julgamento de contas e na fiscalização que lhe incumbe, o TCU decidirá não só quanto a legalidade e legitimidade, mas também sobre a economicidade dos atos de gestão praticados pelos responsáveis sujeitos à sua jurisdição (cf. art. 1º, § 1º, da Lei nº 8.443/92)"

Na diretriz do mesmo bom senso, em recente julgamento do Mandado de Segurança nº 5.418/DF (97.0066093-1), publicado no Diário de Justiça, Seção 1, de 1º.06.98, p. 24, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça - STJ deliberou conclusivamente que "o formalismo no procedimento licitatório não significa que se possa desclassificar propostas eivadas de simples omissões ou defeitos irrelevantes".

Em face ao exposto, o que pretendemos demonstrar com a presente manifestação é que a defesa do interesse público deve estar acima da mera observância das disposições literais do ato convocatório. A Administração não pode se submeter à prática do rigor formalista, exagerado e absoluto, a ponto de levar o agente público a desclassificar proposta pelo simples fato de o licitante não tê-la apresentado em duas ou mais vias apenas porque o edital assim exigia, até porque, sem sombra de dúvida, o bom senso demonstra que o benefício da boa contratação não se acha atrelado a tal exigência, que certamente tem o condão de apenas favorecer a dinâmica administrativa dos trabalhos da Comissão.

Assim, não obstante seja uma prática facilitadora para os trabalhos das Comissões, e ainda que seja tal exigência incorporada no ato convocatório, temos que a desclassificação de uma proposta única e exclusivamente por deixar de atendê-la caracteriza ato flagrante e meramente formalista, contrário à finalidade da licitação, que tem por vetor basilar a ampliação da competitividade para assegurar a seleção da proposta mais vantajosa.

Concluindo, esdrúxula será a decisão de afastar um licitante por meio da despropositada desclassificação decorrente da apresentação de apenas uma única via da sua proposta, o que é juridicamente inaceitável.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos
Assuntos relacionados
Sobre os autores
Wálteno Marques da Silva

advogado em Brasília (DF)

Gustavo Henrique Trindade da Silva

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Wálteno Marques ; SILVA, Gustavo Henrique Trindade. Desclassificação em licitação devido à desobediência de exigência editalícia da apresentação de mais de uma via da proposta.: Falta inessencial para justificar o excessivo rigor na desclassificação. Defesa do interesse público.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/435. Acesso em: 22 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos