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A gratuidade judiciária:

uma garantia constitucional de acesso à Justiça como forma de efetivação da cidadania

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14/09/2003 às 00:00
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O acesso à justiça é um dos temas mais debatidos na atualidade face as inúmeras transformações ocorridas na sociedade tanto no aspecto tecnológico como político, econômico e jurídico. No Brasil, território de enorme vastidão, o acesso à justiça apresenta-se temerário face as dificuldades e diversidades regionais vivenciadas pela nação.

Resumo: O acesso à justiça é um dos temas mais debatidos na atualidade face as inúmeras transformações ocorridas na sociedade tanto no aspecto tecnológico como político, econômico e jurídico. No Brasil, território de enorme vastidão, o acesso à justiça apresenta-se temerário face as dificuldades e diversidades regionais vivenciadas pela nação. A Constituição Federal de 1988 ofereceu ao cidadão, em oposição à demais Constituições até então existentes, uma vasta gama de direitos e garantias de modo a efetivar e a cultivar o sentimento de cidadania na nação brasileira entre as quais a garantia de gratuidade judiciária viabilizando a igualdade na possibilidade de representação em juízo e consequentemente da cidadania..

Palavras-chave: gratuidade, acesso à justiça, cidadania, constituição.


Introdução

Como afirmava Aristóteles o homem não quer apenas viver, mas viver bem, mais do que viver o homem alimenta seu dia a dia em uma busca incessante de realização. Nesta perspectiva discrimina valores a serem atingidos entre eles o estado de justiça.

Ao Estado cabe a função de viabilizar a realização do homem como cidadão a partir do momento em que assumiu para si a função de solucionar os conflitos de interesses que então viessem a desestruturar a sociedade viu-se com a obrigação de determinar as regras de conduta a serem seguidas por todos que convivessem sob sua guarda e concedeu aos indivíduos o direito de reclamar a prestação jurisdicional, o direito de ação o que para Faria [1] simboliza o "monopólio do uso da violência por meio de códigos e leis que regulamentam a sua utilização como instrumento de disciplina e controles sociais".

Nesse mesmo sentido Assis [2] refere que:

Ao proibir os cidadãos de resolverem por si suas contendas, o Estado avocou o poder de resolver os conflitos de interesses, inerentes à vida social, e, correlativamente, adquiriu o dever de prestar certo serviço público, que é a jurisdição. Aos interessados nessa atividade, o estado reconhece o direito de provocá-la, preventiva ou repressivamente (art.5º,XXXV, da CF/88)

O Estado de Justiça almejado pela sociedade passa a debater o acesso á justiça, que passou a representar um dos temas mais debatidos na atualidade, tendo-se em vista as inúmeras reformas ocorridas na sociedade brasileira. Do colonialismo, à ditadura; da ditadura militar à democracia, barreiras foram rompidas pela sociedade quantos aos novos direitos emergentes decorrentes dos novos anseios sociais.

Inúmeras barreiras são apontadas como obstáculos ao efetivo acesso á justiça barreiras há muito apreciadas por Mauro Cappelletti, dentre as quais a barreira econômica de extrema relevância e significativa se contextualizada na realidade brasileira, país de território vasto, e amplas disparidades regionais e sociais. Não obstante, as barreiras enfrentadas pela sociedade brasileira a Constituição Federal de 1988 ofereceu à nação dispositivos que de maneira incontroversa garantiram ao cidadão o efetivo acesso à justiça e a concretização do exercício da cidadania, como a concessão da gratuidade judiciária.


I. Justiça e cidadania

Formular um conceito exato para justiça é uma tarefa árdua face as constantes mutações sofridas em conseqüência da evolução da própria sociedade. Conforme menciona Cintra [3], a dificuldade em obter-se um conceito para o termo justiça [4] dá-se em face da"ilusão criada em torno da familiaridade ou até mesmo da vulgarização do termo. Na verdade, o que normalmente ocorre são noções comuns que são repassadas e repetidas pelos operadores do Direito, sendo a mais freqüente ''Justiça é dar a cada um o que é seu''".

Em realidade de acordo com o contexto social do momento histórico vivenciado pelo homem a justiça adquire um novo significado. Corroborando a noção de conceito contextualizado afirma Corrêa [5] que na antigüidade Aristóteles traduzia a justiça como virtude moral responsável pela condução das relações entre os homens em sociedade, na idade média Santo Tomás de Aquino concede à justiça o caráter distributivo em que a sociedade confere a cada indivíduo o que lhe caberia por seus méritos, e, já no século XXI a justiça é percebida num sentido ético-político de modo a organizar a sociedade de uma forma justa na qual " cada cidadão encontre condições necessárias para a realização de sua própria felicidade num contexto coletivo de solidariedade".

Muito embora, a conceituação do termo, tenha sofrido inúmeras modificações, certo é que a justiça tem sido uma das buscas constantes do ser humano desde as suas mais remotas origens seja ela viabilizada através de normas jurídicas que determinam o funcionamento da sociedade como ente coletivo, seja compondo os conflitos de interesses ou estabelecendo os parâmetros de conduta a serem adotados. Neste sentido afirma, ainda, Correa [6] que:

Nessa lógica não basta que se tenha uma Constituição, faz-se mister incluir no ordenamento jurídico positivo a proclamação de princípios e normas éticas também revestidas de juridicidade, pois insertas no texto constitucional. Por mais que a carta constitucional brasileira de 1988 garanta e reproduza, no seu todo, um sistema socio-econômico de livre mercado e, portanto, espoliativo e excludente, seu preâmbulo e seus princípios fundamentais reafirmam tratar-se de instituir um estado Democrático, "destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos ".

Pode-se, desta forma, afirmar que não é suficiente apenas a presença de uma Constituição, mas de uma Constituição comprometida com indivíduo no sentido de conferir-lhe meios de efetivar seus anseios por justiça pois se assim não fosse, morta seria a cidadania.

Da mesma forma que a justiça, a cidadania transformou-se num dos anseios mais árduos do homem desde que se percebeu como, não mais um ser errante, mas assentado em um solo que passa a cogitar como seu.

As transformações sociais e o surgimento de novas necessidades deixam transparecer o anseio pela dignidade humana associado diretamente ao exercício dos direitos humanos e sociais, ao exercício da cidadania. A cidadania passa a ser percebida como um novo paradigma para a proteção e promoção dos direitos da pessoa humana, entre eles o acesso à justiça.

A noção de cidadania ultrapassa a questão de nacionalidade. Na atualidade cidadão e nacional não mais se confundem. Na trajetória histórica do Brasil a cidadania obteve sentidos diversos, ora percebida como nacionalidade, ora como o direito a votar e ser votado e por fim percebida como a dignidade do indivíduo.

Como bem ressalta Bonamigo [7], a Constituição de 1824 tratava a cidadania como " atributo jurídico da nacionalidade, (...) designa os cidadãos que seriam, portanto, os nacionais, titulares de direitos políticos". Posteriormente, a cidadania, assumiu novo sentido, a Constituição de 1934 dá origem à Justiça do Trabalho e à Justiça Eleitoral de modo que a cidadania, segundo a Silva apud Bonamigo [8], " está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei. Tornam-se pré-cidadãos, assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece".

Ultrapassada a ditadura militar a cidadania emerge com teor de dignidade, é elevada, nos dizeres de Bonamigo [9], "a um dos fundamentos do estado brasileiro, assume a posição central, sendo reconhecida como instituinte desse mesmo Estado, assentada na trilogia principiológica que a informa e sustenta _ liberdade individual política e social igualdade jurídica e solidariedade social".O cidadão passa a participar dos destinos da nação, passa a inferir-se indiretamente no território nacional.

Emerge com a Constituição Federal de 1988 um novo Estado, uma nova nação, mais atuante, mais participativa e exigente resultado da ruptura de culturas tradicionais e de rompimentos de laços enraizadores. A administração da justiça passou a ser percebida como exercício da cidadania pelos indivíduos-sociais que se dirigem aos Tribunais em busca da concretização do sentido mais simples que se conhece de justiça: dar a cada um o que é seu, em face da consagração das garantias e princípios constitucionais assegurados pela Constituição Federal de 1988 na qual vislumbra-se o horizonte para que se construam de forma justa as relações estruturais de convivência social.


II. O acesso á justiça

Desde que o Estado proibiu ao indivíduo o "fazer seu próprio direito" compondo seus conflitos de interesses, cabe ao Estado a função de manter o equilíbrio das relações sociais. Ao Estado coube não somente a função de ditar e aplicar as leis como também de administrar a justiça, de aplicar a lei não comente contra o próprio cidadão, mas em prol deste objetivando a concretização da cidadania.

O Estado é sem dúvida o órgão legitimado a criar leis e aplicá-las na solução de conflitos, que embora representem a competitividade social também se apresentam como elementos perturbadores da paz social, a Constituição Federal [10]. Moraes [11] neste sentido ressalta que "há uma garantia cidadã ao bem estar pela ação positiva do Estado como afiançador da qualidade de vida do indivíduo". Concede ao Poder Judiciário a função jurisdicional de dizer o direito pacificando as relações sociais exercendo papel difusor como ressalta Teixeira [12]

O Estado Democrático de Direito não se contenta mais com uma ação passiva. O Judiciário não mais é visto como mero Poder eqüidistante, mas como efetivo participante dos destinos da Nação e responsável pelo bem comum. Os direitos fundamentais sociais, ao contrário dos direitos fundamentais clássicos, exigem a atuação do Estado, proibindo-lhe a omissão. Essa nova postura repudia as normas constitucionais como meros preceitos programática, vendo-as sempre dotadas de eficácia em temas como dignidade humana, redução das desigualdades sociais, erradicação da miséria e da marginalização, valorização do trabalho e da livre iniciativa, defesa do meio ambiente e construção de uma sociedade mais livre e solidária.

Neste contexto, a justiça e seu acesso passam a ser postulado básico para a materialização da cidadania, representando na atualidade não apenas um anseio da população no exercício de sua cidadania mas também a mais complexa temática no mundo jurídico face a incapacidade estrutural e material do Estado na composição dos conflitos que o levam a morosidade na representação de sua inoperância perante a sociedade conforme relata Alcebíades Junior [13]" a eficácia do direito depende da efetividade do poder, que é justamente o que não tem ocorrido no Brasil por causa da lentidão".

Dentro deste paradigma tem-se, o acesso à justiça, como um dos temas mais debatidos nas últimas décadas; debates que vão desde o próprio significado de acesso á justiça como acerca dos meios de sua obtenção e os obstáculos enfrentados.

O termo acesso à justiça numa célere indagação leva o leitor a crer tratar-se apenas de meios que viabilizem o ingresso do cidadão ao Poder Judiciário na busca da prestação jurisdicional que venha a tutelar seu direito, no entanto, seu alcance é muito superior, não se nega a idéia de efetivação da garantia de pleitear em juízo a proteção de um direito, mas direciona-se aos meios encontrados dentro do próprio judiciário para a efetivação do processo como também dos meios de informação necessários aos cidadãos quanto aos seus próprios direitos e instrumentos que viabilizem a efetivação da justiça.

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O acesso á justiça como ressalta Marioni·

... é antes de tudo uma questão de cidadania. A participação na gestão do bem comum através do processo cria o paradigma da cidadania responsável; responsável pela sua história, a do país a da coletividade. Nascido de uma necessidade que trouxe à consciência da modernidade o sentido democrático do discurso, ou seja, o desejo instituinte de tomar a palavra, e ser escutado.

Assevere-se ao fato de que cabe ao Estado assegurar os direitos fundamentais do cidadão, entre eles o acesso á justiça percebido como um dos principais direitos conferidos ao homem pois por meio dele concretizam-se os demais, se o Estado, como órgão legitimado, não garante a efetividade dos direitos reconhecidos por ele próprio mostra-se, então, ainda mais despótico e absoluto do que aqueles que não reconhecem direito algum.

2.1.O direito ao acesso à justiça de forma efetiva

Inúmeros foram os doutrinadores que apresentaram os elementos essenciais para a efetividade do acesso à justiça. Para Watanabe [14] três são os principais requisitos, a igualdade das partes mediante nivelamento cultural que viabilize o conhecimento acerca do direito0peliteado, "a paridade de armas na disputa em juízo" e o estudo crítico da legitimidade do ordenamento jurídico.

Por outra banda Cappelletti num universo mais amplo apresenta os requisitos necessários para a efetivação do acesso à justiça, transpondo-se as barreiras econômicas, sociais e culturais, justiça em três ondas. A primeira onda, representada pela assistência judiciária aos pobres na qual Cappelletti [15] ressalta que é preciso conceder-se meios aos hiposuficientes para que estes possam obter a justiça pois a estes a justiça não passa de mera utopia e o estado de hiposuficiência impede que os conflitos emergentes no meio de cheguarem ao conhecimento do Poder Judiciário, afirma, o autor, que " os altos custos, na medida em que uma ou ambas as partes devem suportá-los, constituem uma importante barreira ao acesso á justiça" ainda neste mesmo sentido refere-se Morais [16] ao informar que aos carentes de condições econômicas deve-se " proporcionar informações e assistência extrajudicial, antes do ajuizamento, além de assistência judiciária e adequada representação legal, no curso do processo.

A falta de guarida, por parte dos órgãos Estatais, no tocante a defesa dos interesses dos hiposuficientes contribui consideravelmente para reduzir o número de demandas e que buscam soluções judiciais, no que podemos denominar de marginalização de conflitos, sendo a barreira econômica percebida como a responsável pela elitização da Justiça, tornando-a, pois, privilégio dos mais abonados.

A segunda onda, refere-se a representação em juízo dos interesses difusos. O Poder Judiciário encontra-se estruturado para assegurar a tutela jurisdicional de conflitos individuais e não a de novos direitos, os transindividuais; e. por fim, a terceira onda referindo-se a um novo rumo do acesso á justiça, face a deslegitimação do Judiciário como oportunamente afirma Morais [17],

A impossibilidade da resolução de todos os problemas que hoje demandam acesso á justiça e que colimam seja essa justiça, realmente, efetiva, na consecução dos propósitos prometidos, elucida um descompasso e um desajuste que acabam por ocasionar uma perda de poder do estado e consequentemente desprestígio e deslegitimação do próprio Poder Judiciário, como poder Público Estatal. [18]

Refere-se a terceira onda a criação mecanismos judiciais e extrajudiciais de acesso á justiça. que descentralizem a justiça e de novas técnicas procedimentais que simplifiquem processo de modo a tornar satisfatória a prestação da justiça evitando-se a negação da justiça pois a complexidade e formalidade dos procedimentos tornam inúmeras vezes morosa a justiça o que representa a denegação da própria justiça. O excesso de formalismo dos atos processuais, a necessidade de termos para a prática dos inúmeros atos, o oferecimento de muitas oportunidades e prazos para discussões e ainda liberalidades para recursos ás instâncias superiores, constituem causas, dentro da técnica processual, pretelatórias da decisão judicial levando as vias judiciais ao descrédito.

Analisando-se as ondas apresentadas por Cappelletti inseridas na realidade brasileira pode-se identificar com nitidez que a efetividade da cidadania através do acesso á justiça perpassa a primeira onda.

Tratando-se de um dos maiores territórios da América, apresenta inúmeras diversidades regionais. A grande maioria da população brasileira não percebe mensalmente o suficiente para manter as necessidades vitais do ser humano: alimentação, quanto mais para obter, o que podemos afirmar trata-se de luxo em face da realidade sócio-econômica da população, o conhecimento de seus direitos e a possibilidade de buscarem a justiça pelo Estado. Ressalte-se que a barreira econômica não representa obstáculo único a efetivação da cidadania, mas mostra-se explicitamente como uma das barreiras mais difícil de ser transposta, mas mais necessária.

A cidadania deve ultrapassar os limites das desigualdades sociais. Nas palavras de Frederico [19] "o grande problema brasileiro é justamente a falta de equidade na distribuição de valores básicos (educação, saúde, alimentação, habitação, saneamento, segurança, acesso á justiça), falta de equidade no ponto de partida, nos primeiros passos".(grifo nosso) Cabe ao Estado, em sua função estatal de viabilização do acesso á justiça equilibrar as desigualdades sociais permitindo que, não somente os hipersuficientes, mas também, os hiposuficientes sejam representados em juízo.

Cappelletti [20] ressalta em sua obra que na maioria dos países ocidentais o advogado exerce papel fundamental na administração da justiça detendo o conhecimento técnico necessário para a representação em juízo, porém esta tarefa torna-se dispendiosa para aqueles que sequer possuem condições de sobreviverem. Neste sentido assevera o autor que:

Na maior parte das modernas sociedades, o auxílio de um advogado é essencial, senão indispensável para decifrar leis cada vez mais complexas e procedimentos misteriosos, necessários para ajuizar uma causa. Os métodos para proporcionar assistência judiciária àqueles que não podem custear são, por isso mesmo, vitais.

Não há, desta forma, como se falar em cidadania se não há o oferecimento de meios de efetivação dessa cidadania. Cabe ao estado viabilizar a assistência judiciária gratuita para que todos os cidadãos tenham livre acesso à justiça vencendo a barreira da desigualdade econômica.

2.2. Assistência Judiciária: uma garantia de acesso à justiça

O Brasil há muito se preocupa com a barreira obstaculizadora do acesso á justiça: a barreira econômica. A representação dos indivíduos em juízo de forma a viabilizar o acesso á justiça não apenas aos mais afortunados mas sim a todos os cidadãos remonta das Ordenações Filipinas que vigoraram no Brasil até o ano de 1916. Nas Ordenações, clara era a disposição acerca da representação gratuita em juízo quando dispunha no Livro III, Titulo 84 parágrafo décimo que " em sendo o agravante tão pobre que jure não ter bens móveis, nem de raiz, nem por onde pague o agravo, e dizendo na audiência uma vez o Pater Noster pela alma del Rey Don Diniz, ser-lhe-á havido, como que pagasse os novecentos réis, contanto que tire de tudo certidão dentro do tempo, em que havia de pagar o gravo".

A Constituição de 1824 mostrou-se omissa quanto a garantia de gratuidade de acesso á justiça da mesma forma a Constituição de 1891. Em 1934 a Constituição introduziu no Brasil a garantia da gratuidade do acesso á justiça cabendo a tarefa ao Estado. Determinava em seu dispositivo 113 parágrafo trigésimo segundo que "A União e os Estados, concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais, e assegurando a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos". Os legisladores aqui demonstraram a relevância de conceder-se a gratuidade de justiça utilizando-se para tal de dois recursos, primeiramente mencionam a possibilidade daqueles que não possuem condições econômicas de arcar com as custas de um processo reclamarem seus direitos estando isentos de taxas judiciais e mais além determinaram a possibilidade da criação de ''órgãos especiais'' destinados a representação dos hiposuficientes em juízo.

Por outra banda, não tão dedicada apresentou-se a Constituição de 1937 eis que em seu texto não dispensa nenhum dispositivo a concessão da gratuidade ao acesso á justiça, tarefa que coube ao código de Processo Civil de 1939, o qual dispôs em seus artigos 68 e seguintes a função protetiva do estado aos hiposuficientes.

Somente em 1988 a garantia da gratuidade do acesso á justiça tornou a ser percebida como uma garantia constitucional. A Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 5º inciso LXXIV que " o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" Dispõe ainda de forma complementar, em seu artigo 134 que " a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art.5º, LXXIV. Assume a gratuidade a forma de garantia constitucional estando prevista entre os direitos individuais do cidadão, segundo Lopes [21] " tem-se, desse modo, uma garantia bifronte da assistência judiciária: a de corresponder a um item constitucional catalogado no capítulo dos direitos individuais e de constituir-se, também, em atividade estatal essencial ao exercício da função jurisdicional".

Refere-se a Constituição Federal, de forma inovadora, na garantia mais ampla de acesso á justiça concedendo ao cidadão não apenas o aconselhamento extrajurisdicional mas também o jurisdicional em todas as instâncias pois refere-se a assistência judiciária integral não apenas a assistência judiciária. O indivíduo vê-se amparado tanto na fase pré-processual como nas demais fases de tutela de seus interesses, sejam eles individuais ou coletivos.

Discorrendo acerca da terminologia ampliativa utilizada pela Constituição Federal Moreira [22] menciona que:

Os necessitados fazem jus agora a dispensa de pagamento e á prestação de serviços não apenas na esfera judicial, mas em todo o campo dos atos jurídicos. Incluem-se também na franquia: a instauração e movimentação de processos administrativos, perante quaisquer órgãos públicos, em todos os níveis; os atos notariais e quaisquer outros de natureza jurídica, praticados extrajudicialmente; a prestação de serviços de consultoria, ou seja, de informação e aconselhamentos em assuntos jurídicos.

Ressalte-se que, embora possam os termos parecer sinônimos, a própria Constituição Federal tratou de diferenciá-los eis que na Lei de 1950 referia-se a assistência judiciaria e na atualidade a garantia constitucional recai sobre a assistência jurídica. A simples interpretação dos termos demonstra a abrangência de um sobre o outro eis que na assistência judiciaria refere-se ao poder judiciário por tanto a atos praticados após a propositura da ação ou com esta, já encontra-se na esfera processual/procedimental. Aso contrario da assistência jurídica que abrange a assistência judiciária e a pré-judiciária, enfeixa todo direito e não apenas o processual, refere-se as atividades jurisdicionais como extrajudiciais

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Sobre a autora
Astried Brettas Grunwald

advogada, professora de Direito das Faculdades Integradas Norte Capixaba, professora licenciada da Faculdade de Direito da Universidade de Cruz Alta, mestre em Direito Público, especialista em Direito do Trabalho e em Docência do Ensino Superior, membro do Instituto de Advocacia Pública

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRUNWALD, Astried Brettas. A gratuidade judiciária:: uma garantia constitucional de acesso à Justiça como forma de efetivação da cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 73, 14 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4363. Acesso em: 20 abr. 2024.

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