O influxo da Antropologia na formação do Direito e do Estado

15/10/2015 às 02:07
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Este artigo procura instigar seu leitor a entender a importância de compreender a antropologia e inseri-la ao Direito e, fundamentalmente, no embasamento do Estado. Em poucas linhas, será debatido porque o Estado deve ser constituído pela Antropologia.

As sociedades simples são, pretensamente, utilizadas como base para a compreensão das sociedades complexas.

Sumário: Introdução. 1. A origem do Estado como fato humano. 2. A visão multicultural do antropólogo. 3. Conclusão. 4. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO.

Atualmente existe um grande problema na estrutura do Direito. Apesar de existir valores e princípios na constituição formal do Estado brasileiro bem como em outros, tem-se aqui, em grande medida, um fosso entre a realidade social e a formalidade jurídica – no que tange ao funcionamento e aplicação dessas normas. Diante disso, é notável a quantidade de normas jurídicas de teor totalmente arbitrário – que beneficiam apenas uma parcela minoritária da sociedade e que, consequentemente, desprezam o direito e a dignidade das demais conjunturas sociais. O Direito, portanto, passou a ser um produto artificial[1], formulado para satisfazer prestígios pessoais, e, em decorrência disso, as normas passaram a ser desumanas e injustas. De certa forma, isso ocorre em decorrência da mecanização do Direito. Que o torna, para aqueles que o estudam, apenas um conjunto de conhecimentos técnicos-jurídicos a ser estudados e aplicados na vida jurídica. 

 Porém, voltando-se à questão base desse estudo: Por que o Estado deve se fundar em razões antropológicas? Essa pergunta, à primeira vista e com conhecimentos básicos de antropologia, parece fácil para ser respondida. Entretanto, não é o que parece. No decorrer deste opúsculo, estará sistematicamente explícitas algumas razões antropológicas para a constituição do Estado.

                                                                                                                            

1. A ORIGEM DO ESTADO COMO FATO HUMANO

Antes de falar do Estado, sobretudo, é importante mencionar que sua origem é proveniente de uma necessidade. O Estado não surgiu espontaneamente, aliás, de “uma ordem divina”. O Estado, fundamentalmente, é produto humano. O homem se viu diante de uma situação complicada, além de ser difícil obter alimentos por conta própria, era perigoso viver sozinho ou em pequenos grupos. Além disso, por costumes precedentes, havia-se o tabu em relação ao incesto. Assim sendo, além de correr o risco de conviver sozinho, o homem se aproximou de outros povos para satisfazer suas necessidades sexuais, instintivas e existenciais, como diz Thomas Fleiner-Gester:

A proteção contra os perigos que os ameaçavam, por exemplo, de guerras constantes ou animais selvagens obrigou os homens à convivência. O povo entregou então o poder àquele que era inteligente, forte e capaz, elegendo-o rei. A dominação surgiu de uma necessidade da sociedade ameaçada em sua existência. (FLEINER-GESTER, Thomas. Teoria Geral do Estado, p. 25)

Portanto, a primeira ingerência da antropologia em relação à constituição do Estado diz respeito a sua própria criação, pois, como explicitado, o Estado surge a partir de um conjunto de relações humanas, e em sua essência, tem como objetivo a proteção do homem e sua própria existência em comunidade. Para o antropólogo, ainda hoje, se faz necessário o estudo dessas sociedades “primitivas” para entender as mais complexas. É totalmente insuficiente estudar uma sociedade complexa sem antes entender o seu critério existencial e sua finalidade. O problema, atualmente, é que as leis que mantêm a ordem estão sendo edificadas sem antes passarem por um processo de ponderação sob a luz antropológica. Ou seja, pouco se estuda o homem o que, aliás, é o principal objeto do Direito. É em consequência disso que surgem as leis desumanas e pouco voltadas aos princípios e os direitos meramente humanos.

2. A VISÃO MULTICULTURAL DO ANTROPÓLOGO

Na visão de Malinowski, pioneiro da antropologia como ciência, o antropólogo deve ter uma visão não etnocêntrica. Em outras palavras, ele deve negar seus preceitos e suas crenças em uma “verdade”, a negação ao etnocentrismo. Isso é adquirido ao conviver pelo menos um ano com o povoamento o qual é o objeto de estudo. Esse método ficou conhecido como “observação participante”. Com isso, o antropólogo passa a ter uma visão pluralista e multicultural do mundo. Essa experiência fomenta a capacidade de generalizar a questão humana, impedindo, desse jeito, que ocorra a criação de uma norma estatal de sentido unilateral, opressor e, acima de tudo, desigual. Segundo Robert Shirley (1987, p. 2): “O antropólogo teve de se tornar um generalista ao invés de um especialista, mesmo quando seus interesses eram mais centralizados”. É nessa lógica que é mais confiável que haja fundamentos antropológicos na formação do Estado, pois é evitada a tirania e é preservada as liberdades individuais e culturais do homem.

É importante mencionar o que ainda Robert Shirley trata sobre a questão da antropologia, a sua influência positiva na denunciação de leis injustas, desumanas, racistas e etc.:

 Um outro elemento introduzido pelos fundadores da antropologia moderna foi o conceito de comparação controlada. Esta Sugere que através do conhecimento de muitas culturas e sociedades pode-se chegar a um entendimento mais científico do gênero humano em geral. A antropologia provou que muitas “leis” nas ciências sociais eram em si mesmas etnocêntricas e eliminou vários preconceitos inerentes à visão europeia do mundo. (SHIRLEY, Robert. Antropologia Jurídica, p. 6)

Um fato relativamente interessante que trata do etnocentrismo europeu ocorreu em meados do século XV e XVI, durante a exploração espanhola na américa latina (O fato ficou conhecido como “A controvérsia de Valladolid”). Um conjunto de líderes religiosos se reuniram para discutir um tema referente aos índios das colônias espanholas. Uma questão que foi colocada em pauta era se eles tinham alma ou não. Quem é o outro? Eles são ou não são humanos? Quem são humanos? Essas e milhares de outras perguntas estavam impregnadas no vocabulário europeu daquela época. Por fim, ficou deliberado que de fato os índios não deveriam ser escravizados e, portanto, deveriam os negros ser utilizados para tal fim. Como pode-se perceber, o etnocentrismo está impregnado desde muito tempo, e isso se caracteriza como um equívoco muito grande da humanidade. Demorou muitos anos para os negros serem reconhecidos como humanos. Nos Estados Unidos, por exemplo, símbolo do constitucionalismo, mesmo após a promulgação de sua primeira constituição em 1787, a escravidão perdurou por muitos anos até a emenda constitucional nº 13 por fim a esse sofrimento milenar.

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3. CONCLUSÃO

A realidade é construída a partir de uma pluralidade de símbolos que são edificados pelo próprio homem para dar significação à sua existência, seja essa sociedade simples ou complexa. Como Gustavo Paulino destaca: “O direito, a lei, a norma são partes atuantes desse processo de viver entre o “real” e o “simbólico”, numa vida que é, de fato, a mescla dinâmica entre essas duas dimensões [...]” (PAULINO, Gustavo. 2011.). Nesse sentido, não se pode haver uma deslealdade entre a realidade e o “simbólico” que está expresso nas leis. Além da importância do indivíduo saber viver nessa dimensão entre o Direito e a cultura, valores e costumes, o Estado deve permitir essa autonomia de escolha. A antropologia é fundamental para que exista um Estado laico[2], ausente do etnocentrismo, que defenda a causa humana acima de tudo, que preserve a liberdade de escolha e a igualdade. Com isso, as normas devem se pautar em princípios meramente humanos e baseados em estudos eminentemente antropológicos. Pois como supramencionado, a antropologia deve analisar o comportamento humano sob o aspecto científico.

O Direito deve se afastar de causas prescindíveis e focar no que é principal, o homem e sua essência. Dessa forma, o Estado deve ser o promotor e o defensor primordial da causa humana como princípio fundamental e inexorável. Pois na época de exploração colonial, o Estado europeu estava mais preocupado em explorar as riquezas e controlar os povos nativos como forma de viabilizar a extração das riquezas existentes, do que em estudar sua cultura e o seu povo. Além disso, os europeus caracterizavam as atitudes indígenas como algo demoníaco e imoral, a antropologia naquela época pautava-se em maneiras de controle de povos (pragmática) e não em uma forma científica. Em decorrência disso, houveram genocídios de vários povos e culturas. Atualmente, a antropologia tomou um outro enfoque, voltando-se mais para o estudo de povos primitivos como desenvolvimento científico para o entendimento das civilizações modernas e complexas. Portanto, para que exista um Estado defensor da causa humana, como já mencionado, é necessária a existência da antropologia como razão de sua constituição.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS.

SHIRLEY, Robert. Antropologia Jurídica. São Paulo. Saraiva. 1987.

FLEINER-GERSTER. Thomas. Teoria Geral do Estado. São Paulo. Martins e Martins Fontes. 2006.

PAULINO, Gustavo Smizmaul. Antropologia Jurídica. São Paulo. Saraiva. 2011.


[1] Robert Shirley, Antropologia Jurídica, 1987, apresentação por Dalmo de Abreu Dallari.

[2] Na defesa dos valores religiosos e culturais.

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Sobre o autor
Bruno Barros

Acadêmico de Direito da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) Campus universitário de Cáceres. Atualmente cursa o terceiro semestre.

Informações sobre o texto

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É de grande tristeza olhar para a maioria dos alunos das academias de Direito do Brasil e perceber que, realmente, quase todos não gostam de estudar e entender o objeto fundamental do Direito que é o homem. Portanto, acabam deixando de lado e abrindo mão de levar a sério matérias que julgam não ter peso na prova da OAB ou em concursos públicos. A consequência disso é a estrutura desumana e caótica na aplicação do Direito, sem desmerecer a teoria.

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