Judicialização dos atos administrativos

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Considerando a celeuma política jurídica instalada em nosso país e a tensão estabelecida entre os Poderes Constituídos, torna-se necessária uma revisão dos paradigmas que norteiam a interferência do Poder Judiciário sobre os atos administrativos veiculado


RESUMO


Considerando a celeuma política jurídica instalada em nosso país e a tensão estabelecida entre os Poderes Constituídos, torna-se necessária uma revisão dos paradigmas que norteiam a interferência do Poder Judiciário sobre os atos administrativos veiculados aos Poderes Executivo e Legislativo. Esse trabalho tem como objetivo apresentar uma pesquisa bibliográfica sobre os efeitos dos fenômenos do ativismo judicial e da judicialização política frente ao novo cenário social, abordando suas características e os limites a serem reconhecidos e fixados entre a atuação de cada um dos Poderes. A crítica a crescente intervenção do Judiciário nos atos administrativos é latente e sua legitimidade democrática para tanto é constantemente questionada pela doutrina que tenta estabelecer limites à capacidade institucional do Poder Judiciário frente à incontroversa politização da justiça.


Palavras-chave: Ativismo judicial. Judicialização política. Limites do Poder Judiciário.


ABSTRACT


Considering the legal political stir installed in our country and the established tension between the powers that be, it is necessary to revise the paradigms that guide the interference of the judiciary on administrative acts served the executive and legislative branches. This paper aims to present a literature review on the effects of the phenomena of judicial activism and political front legalization to the new social scenario, addressing their characteristics and limitations to be recognized and fixed between the performance of each of the branches. Criticism the growing intervention of the judiciary in administrative acts is latent and its democratic legitimacy for this is constantly questioned by the doctrine that tries to establish limits on the institutional capacity of the judiciary across the incontrovertible politicization of justice.

Keywords: Judicial Activism. Legalization policy , Limits of the judiciary.


INTRODUÇÃO

Diante das constantes transformações sociais e políticas do mundo moderno acompanhado pelo surgimento do Welfare State (Estado Social), foram inseridos inúmeros direitos sociais de cunho genérico e indeterminado em nossa Constituição Federal que ampliou a legitimidade de atuação do Poder Judiciário e abriu espaço para o surgimento da judicialização da política e para o próprio ativismo judicial.
O ativismo judicial, também designado pela terminologia aberta de judicialização política, tem sido debatido nos meios acadêmicos das ciências sociais e do direito público, em razão atitude proativa que o Poder Judiciário vem adotando. A sua incisiva interferência na arena política tem sido criticada por não possuir critérios e limites estabelecidos, fomentando a discussão acerca deste fenômeno ainda pouco estudado pela área das ciências sociais e da teoria do direito que carece de dados empíricos para o desenvolvimento de pesquisas.
Diante disto, é salutar analisar com mais profundidade os efeitos e consequências resultantes dessa nova fardagem adotada pelo Poder Judiciário diante da sua intervenção e controle junto às atividades típicas dos Poderes Executivo e Legislativo. Afinal, a avocação do Poder Judiciário, se por um lado representa a garantia da execução das políticas públicas e o atendimento dos anseios sociais de forma plena, por outro, contrapõe-se as decisões políticas e a autonomia dos poderes legitimados pela democracia representativa, desestabilizando os laços que mantém coesa a trama social.
Esse trabalho tem como objetivos apresentar uma pesquisa bibliográfica sobre a judicialização dos atos administrativos delimitando a atuação do Poder Judiciário em relação a questões de competência típica dos Poderes Executivo e Legislativo, com base nos princípios constitucionais da separação dos poderes, do princípio democrático e do princípio na inafastabilidade da função jurisdicional. A partir deste diapasão, o trabalho passa a discorrer sobre o exercício da autolimitação do Poder Judiciário em razão dos limites impostos pela sua legitimidade democrática, desastrosamente expandida pela politização da justiça.
Neste artigo, foram utilizadas fontes bibliográficas de origem primária e secundária, como obras, entrevistas e artigos científicos publicados em periódicos, que tratavam sobre o ativismo judicial e sobre temas correlatos. Como instrumento de coleta de informações foi efetivada uma minuciosa revisão bibliográfica, submetida a pesquisas doutrinárias e a análise de conteúdos científicos disponíveis em livros e em textos de publicações impressas e digitais.

2. ATIVISMO JUDICIAL X JUDICIALIZAÇÃO POLÍTICA

Antes de adentrar ao tema propriamente dito e analisar a diferenciação entre os fenômenos do ativismo judicial e da judicialização política, é imprescindível discorrer sobre o controle jurisdicional dos atos administrativos, mecanismo de controle externo, instituído pela Constituição Federal de 1988, que em linhas gerais nada mais é do que o reexame ou revisão dos atos administrativos, ou seja, a verificação realizada pelo Poder Judiciário, quando provocado legitimamente, referente à legalidade dos atos praticados pela Administração Pública.
Ao Poder Judiciário não se submetem os interesses, que ao ato administrativo contrarie, mas apenas os direitos individuais, acaso feridos por ele. O mérito é de atribuição exclusiva do Poder Executivo, e o Poder Judiciário, nele penetrando, faria obra de administrador, violando destarte, o princípio de separação e independência dos poderes (FAGUNDES, 1957, p. 87).

Assim, diante do novo modelo político adotado pelo Estado Democrático de Direito, passamos a caminhar pelos novos rumos traçados pela Carta Magna promulgada em 1988 e depois de enfrentada, nos idos da década de 90, a Reforma Política do Estado, que acabou por legitimar e fortalecer assim ainda mais a intervenção do Judiciário na esfera política administrativa, foi então construído o conceito de ativismo judicial, judicialização política ou ainda politização do direito por alguns doutrinadores (SCHIMITT, 1998, p. 57, apud, BARROSO, 2015, p. 14).
O ativismo judicial e a judicialização política foram temas bastante debatidos nos últimos anos pelos doutrinadores, tanto na área jurídica quanto na área das ciências sociais e políticas, principalmente depois das polêmicas decisões impostas pelo famigerado Supremo Tribunal Federal a partir de 2008. Diante de toda esta repercussão e da latente discussão a respeito dos limites do Poder Judiciário frente aos atos administrativos como garantia da aplicação dos direitos fundamentais, ficou enfim pacificada a diferença entre estes dois fenômenos. Para tanto, faz-se necessária uma breve abordagem histórica a respeito da sua origem. 
O ativismo judicial é um tema recente e ainda controvertido, sem uma definição exata e pacífica, e começou a ser discutida pelos doutrinadores brasileiros depois da Constituição Federal de 1988, entretanto, esta expressão já era debatida desde o início do século XX nos Estados Unidos, muito provavelmente em razão da natureza flexível adotada pelo ordenamento jurídico americano.   
Alguns doutrinadores consideram que o ativismo judicial surgiu em virtude de uma decisão proferida pela Suprema Corte Americana que versava em relação à segregação racial e da imposição de um modelo econômico liberal, outros por sua vez, asseguram que o ativismo foi citado pela primeira vez em uma entrevista concedida pelo historiador norte-americano Arthur Schlesinger.
O ativismo judicial, assim como seu conceito também não possui uma origem bem estabelecida, o que se sabe é que ele se manifestou no Brasil diante da postura proativa que passou a ser adotada pelo Poder Judiciário, caracterizada pela intervenção judicial na seara administrativa, com base na nova interpretação hermenêutica estendida aplicada aos princípios e as cláusulas abertas, visando assegurar direitos e garantias fundamentais através de determinações judiciais impositivas a atos de cunho eminentemente administrativo.
Segundo o autor Barroso (2015, p.06) “a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”.
Enfim, para o autor o ativismo judicial é uma conduta, é a atitude do Poder Judiciário, é o modo que adota para interpretar as normas constitucionais, de maneira a expandir seu sentido e alcance quase sempre associado a uma abstenção do Poder Legislativo.
Autores como Bicca (2015, p.98) e Cunha (2015, p.15) identificaram quatro dimensões relativas ao ativismo. A primeira, conhecida como ativismo contra majoritário, atesta a resistência que Poder Judiciário oferece frente às decisões tomadas pelos poderes democraticamente eleitos; a segunda refere-se ao ativismo judicial, ou seja, trata da estabilidade e da fidelidade interpretativa ameaçada pela ampliação do alcance do Poder Judiciário; a terceira, conhecida como ativismo criativo, trata da utilização da hermenêutica como instrumento interpretativo capaz de garantir novos direitos e suprir as lacunas através de decisões judiciais sobre lides controversas; e a quarta e última dimensão, o chamado ativismo remedial, em que o Poder Judiciário age de maneira impositiva determinando aos poderes eleitos obrigações de natureza político administrativas.
O fenômeno do ativismo judicial, entretanto tem sentido diverso, embora controvertido, da chamada judicialização política, enquanto aquele diz respeito à atitude proativa do Poder Judiciário em sua interpretação, esta se caracteriza quando o Poder Judiciário toma para si decisões dos poderes Executivo e Legislativo e passa a impor normas de condutas a estes poderes.
Segundo o autor Barroso (2015, p.03), a judicialização política é a inserção de várias questões de repercussão política ou social na seara do Poder Judiciário, ignorando as vias políticas tradicionais do Executivo e Legislativo, acarretando certa transferência do poder decisório para juízes e tribunais, imprimindo mudanças importantes no comportamento da sociedade e na sua participação.
O autor diferencia em sua obra o ativismo e a judicialização da seguinte maneira:
A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais (BARROSO, 2015, p. 06).

 Enfim, enquanto o ativismo judicial consiste no modo escolhido pelo Judiciário em interpretar a legislação de forma específica e proativa, expandindo o seu sentido e alcance, impondo uma participação mais intensa na efetivação dos valores e fins constitucionais, a judicialização política é obra do modelo constitucional, ou seja, é inerente a vontade do Judiciário, pois se trata de uma prerrogativa concedida a ele pela Constituição Federal de 1988, de revisar a decisão de um poder político tomando como base a Constituição, diante da provocação legítima e motivada de um terceiro.
Atualmente o que se tem observado é o desenvolvimento de estudos com ênfase na judicialização política exercida pelo Supremo Tribunal Federal, em virtude do grande número de Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas por esta Corte, entretanto, este artigo busca estudar este instituto sob outro prisma, voltando sua atenção para suas raízes, onde se dá início ao processo de interferência do Judiciário, ou seja, nas ações políticas do Poder Executivo local.
É espantoso o aumento do número de ações movidas contra a Municipalidade e por consequência decisões judiciais quase sempre envolvendo políticas públicas que pela sua má estruturação e planejamento apresentam falhas na sua execução. Assim, o fornecimento de medicamentos, a execução de obras de infraestrutura, a concessão de progressão a servidores públicos e infinitos outros objetos, a princípio, de ordem administrativa, estão sendo levados à Justiça, através de mandatos de segurança, liminares, ações populares, ações civis, ações diretas de inconstitucionalidade e até de ações ordinárias.
A reflexão proposta é quais os limites devem ser estabelecidos entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo, quando este utiliza de suas prerrogativas constitucionais para revisar, modificar ou anular uma decisão política e a tensão gerada entre esses dois poderes diante da nova realidade social.

3. PRINCÍPIOS BASILARES DO ATIVISMO JUDICIAL
 
Toda e qualquer construção científica é fundamentada sob princípios, ou seja, proposições substratas que são induzidas de um conjunto sistemático de fatos, enfim, são diretrizes gerais que dão sentido lógico, base e fundamentação para o desenvolvimento de um conceito (NETO, 1976, p.73).
Isso é aplicável também à Administração Pública, constituída através de um conjunto abrangente e seleto de princípios, conceitos e normas que disciplinam a sua atividade. Os princípios funcionam como raízes constitucionais do regime jurídico-administrativo e exercem papel primordial na Administração Pública servindo como instrumento de compreensão de nosso ordenamento.
A Administração Pública, em qualquer nível ou hierarquia, atende aos mais diversos princípios, entretanto, além dos princípios doutrinários implícitos aos quais deve atender, a Administração Pública possui princípios próprios, específicos da sua área de atuação, os quais deve obrigatoriamente atender e prezar. Assim, o Direito Administrativo, como disciplina autônoma, tem princípios que lhe são peculiares que guardam entre si uma relação lógica de coerência e unidade compondo um sistema ou regime: o regime jurídico-administrativo (MELLO, 2005, p.55).
Tais princípios, chamados básicos ou explícitos, são o da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e o da eficiência. O princípio da legalidade determina que a administração e os administradores, não podem atuar contra a lei ou além da lei, somente podem agir segundo ela, ou seja, na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal, todos os atos devem estar cogentemente vinculados à lei. O princípio da impessoalidade é aquele segundo o qual a Administração se move pelo interesse público e não por interesses pessoais e seus atos são imputáveis ao órgão ou entidade pública, nunca ao titular do cargo. O princípio da moralidade pública versa sobre a observância de preceitos éticos produzidos pela sociedade, exigindo que o agente público acondicione sua conduta por meio de padrões éticos que têm por fim último alcançar a consecução do bem comum. O princípio da publicidade determina que os atos praticados pelos agentes administrativos devam ser amplamente divulgados de maneira expressa e formal, lembrando que há ressalvas legalmente estabelecidas e decorrentes de razões de ordem lógica, quando se faz necessária a aplicação do sigilo. Por fim, o princípio da eficiência que é aquele que confere à Administração Pública e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social.
 Cercado de todos estes princípios, o ativismo judicial surgiu no cenário da Administração Pública, acompanhado pela sombra de três princípios doutrinários implícitos, mas não menos importantes, a saber: o princípio da separação dos poderes, o princípio democrático e o princípio na inafastabilidade da função jurisdicional.

3.1 Princípio da separação dos poderes

O princípio da separação dos poderes tem base no modelo tripartite defendido por Platão, Aristóteles, Locke e Montesquieu que nada mais é do que a atribuição dada a três órgãos independentes e harmônicos entre si as funções Legislativa, Executiva e Judiciária.

A divisão segundo o critério funcional é a célebre “separação de poderes”, que consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação, administração e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as exercerão com exclusividade, foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles, na obra “Política”, detalhada posteriormente, por John Locke, no Segundo Tratado de Governo Civil, que também reconheceu três funções distintas, entre elas a executiva, consistente em aplicar a força pública no interno, para assegurar a ordem e o direito, e a federativa, consistente em manter relações com outros Estados, especialmente por meio de alianças. E, finalmente, consagrada na obra de Montesquieu O Espírito das Leis, a quem devemos a divisão e distribuição clássicas, tornando-se princípio fundamental da organização política liberal e transformando-se em dogma pelo art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e é prevista no art. 2º de nossa Constituição Federal (MORAES, 2007. p. 385).

O ordenamento jurídico brasileiro adotou este modelo, previsto no artigo 2º da Constituição Federal que determina que os três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, possuem suas competências ou funções minuciosamente definidas, mantendo entre si independência e harmonia, que é garantida pelo sistema de freios e contrapesos, teoria também defendida por Montesquieu, que tem como objetivo evitar a sobreposição de um poder em outro, fixando esferas de delimitação de competências.
 Para Montesquieu (1993, p.181) “tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos”.
Tamanha é a importância do princípio da separação dos poderes, fundamento intrínseco ao Estado Democrático de Direito, que o constituinte originário elevou este instituto jurídico à categoria de cláusula pétrea, estando expressa tal determinação no artigo 60, §4º, inciso III da Constituição Federal.
Assim, apesar do poder político ser uno, indivisível e indelegável, a Carta Magna, fiel a sua natureza democrática, tratou em dividi-lo em várias funções, imprescindíveis a plena realização da atividade governamental, sendo elas as funções legislativa, executiva e jurisdicional.
A função legislativa consiste na edição de regras gerais, abstratas, impessoais e inovadoras da ordem jurídica, denominadas leis. A função executiva resolve os problemas concretos e individualizados, de acordo com as leis; não se limita à simples execução das leis, como às vezes se diz; comporta prerrogativas, e nela entram todos os atos e fatos jurídicos que não tenham caráter geral e impessoal; por isso, é cabível dizer que a função executiva se distingue em função de governo, com atribuições políticas, co-legislativas e de decisão, e função administrativa, com suas três missões básicas: intervenção, fomento e serviço público. A função jurisdicional tem por objeto aplicar o direito aos casos concretos a fim de dirimir conflitos de interesse (SILVA, 2009. p.108).

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É sob a luz deste princípio que o ativismo judicial vem ganhando forças e angariando adeptos e críticos. A questão levantada é em razão de como o sistema de pesos e contrapesos vem funcionando atualmente frente às sobreposições de poderes e se este instrumento jurídico institucional dá abertura ou não para interferência do Judiciário sobre a função executiva exercida pela Administração Pública.
O Poder Judiciário atualmente usa das prerrogativas alcançadas pela nova Constituição e impõe através de decisões proativas obrigações a serem cumpridas pelo Poder Executivo, interferindo na execução das políticas públicas traçadas por ele, adentrando muitas vezes o mérito da questão com o objetivo quase sempre de defender a garantia dos direitos fundamentais. De certa maneira, tal posicionamento adotado pelo Judiciário, não ofende o sistema adotado de pesos e contrapesos, entretanto, há de se respeitar a linha tênue existente entre seus limites e sua ação deve estar delimitada a aplicação das normas legais. Assim, o Poder Judiciário deve se direcionar sempre ao caso concreto, fazendo valer a sua natureza eminentemente jurídica de atuação, despida de qualquer compromisso ou intenção política conjuntural (PIÇARRA, 1989. p. 260).

3.2 Princípio democrático

Para Dallari (1998, p.168) apud Medeiros (2015, p.02) o princípio democrático tem seu conceito atrelado ao conceito de democracia, ou seja, a base do conceito de Estado Democrático e, consequentemente, a base do conceito de princípio democrático é noção de governo do povo revelado pela própria etimologia do termo democracia – do grego "demos", povo e "kratos", poder.
O princípio democrático surgiu com a nova Constituição e foi insculpido no parágrafo único de seu artigo 1º, no qual determina que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Tal princípio tomou novas formas e interpretações ao longo dos anos, surgiu como uma tendência ideológica e se transformou na grande referência do discurso constitucional, tornando-se baluarte garantidor da diversidade política e individual, mantenedor de um Estado com ordem política, administrativa e jurídica tendente a efetivar a democracia.
Enfim, através do entendimento conceitual do que se concebe como democracia (dēmokratía ou "governo do povo"), se firmou este princípio, que preza pela manutenção do Estado Democrático de Direito, garantindo ao povo a ampliação do acesso à Justiça, a participação efetiva nas decisões políticas e a proposição, desenvolvimento e criação de leis, exercendo o poder da governação através do sufrágio universal, determinando o direcionamento a ser adotado ao Poder Público.
Entretanto, atualmente, o que se observa é uma crise de representatividade, em que o povo não tem seus anseios efetivamente representados e defendidos por aqueles que elegem para falar em seu nome. Em muitas circunstâncias a vontade do povo não é levada em consideração pelos representantes eleitos detentores de cargos eletivos do Poder Executivo e Legislativo. Assim, é diante desta omissão do poder dever destes poderes e da ineficácia do sistema democrático representativo que o Poder Judiciário tomou para si a responsabilidade de intervir no âmbito de atuação dos Poderes Executivo e Legislativo.
Todavia, é certo que o Poder Judiciário não passou pelo sufrágio universal e pela sabatina popular e, portanto, não pode se revestir deste encargo, ele não é órgão representativo, seu designo é aplicar a norma ao caso concreto de forma isenta, técnica e neutra e para tanto é imprescindível seu distanciamento em relação ao meio social de modo a não ferir o sistema democrático. Afinal, apesar de sua atividade não ser meramente mecânica, o Poder Judiciário não possui vontade política própria e não têm em seu domínio os instrumentos necessários para diagnosticar as peculiaridades do Poder Executivo.

3.3 Princípio da inafastabilidade da função jurisdicional

O princípio da inafastabilidade da função jurisdicional, também chamado de cláusula do acesso à justiça, ou do direito de ação, nada mais é do que a prerrogativa que tem o cidadão de provocar o Poder Judiciário para garantir a tutela de seus direitos, enfim, trata de direito fundamental formal.
A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXV, estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” garantindo o acesso pleno e irrestrito de todos junto ao Judiciário. É por meio desta garantia constitucional, assegurada pelo ordenamento jurídico, que se baseia tal princípio, que assegura não apenas o direito de movimentar a máquina judiciária, através da prestação jurisdicional, mas também o direito de obter a tutela jurisdicional.
A doutrina trata sobre o assunto:

Todos têm acesso à justiça para pleitear tutela jurisdicional preventiva ou reparatória à lesão ou ameaça de lesão a um direito individual, coletivo, difuso ou até individual homogêneo. Constitui, portanto, um direito público subjetivo, decorrente da assunção estatal de administração da justiça, conferido ao homem para invocar a prestação jurisdicional, relativamente ao conflito de interesse qualificado por uma pretensão irresistível (BULOS, 2001, p. 1041).

A jurisdição é entendida como a atuação estatal que visa à aplicação do direito objetivo ao caso concreto em busca da pacificação social, é nela que o Judiciário firma sua base e exerce suas funções típicas. Antigamente esta atuação versava apenas sobre a vontade concreta do direito objetivo, fundamentado basicamente na supremacia da Lei, considerada instrumento perfeito e acabado para solução das lides sócias. Atualmente, a própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Decreto-Lei nº 4.657 de 04 de setembro de 1942, em seu artigo 5º, defende uma postura proativa do Judiciário, mais atuante, dinâmica e concatenada aos valores e padrões do mundo moderno, objetivando atender aos fins sociais a que a Lei se dirige, bem como ás exigências do bem comum.
A corrente neoliberalista defende que a aplicação da norma pelo Poder Judiciário não tem  mais o condão automatizado, envolve operações valorativas e opções políticas por parte do aplicador. A aplicação do direito não deve ser mais restrita à própria dicção da norma, uma vez que a hermenêutica construtiva interpretativa utilizada pelo julgador inevitavelmente supre lacunas, deduz e subjetiva questões sociais colocadas a questionamento.
Entretanto, essa ampliação do alcance do Poder Judiciário, deve observar alguns precedentes, para que não comprometa a separação e harmonia entre os Poderes instituídos, afinal suas decisões devem estar livres de qualquer vício e cerceadas da mínima coerência e fundamentação, atendendo ao seu fim precípuo que é de conferir segurança e estabilidade jurídica à jurisdição.
De acordo com o autor Canotilho (2003, p.27) “os juízes devem autolimitar-se à decisão de questões jurisdicionais e negar a justiciabilidade das questões políticas”.
O Poder Judiciário só atua legitimamente quando fundamenta legalmente e racionalmente suas decisões frente à motivação e a uma argumentação legal e persuasiva apresentada pela parte solicitante. Enfim, a legitimidade do Poder Judiciário frente ao Executivo e Legislativo é indireta e por isso deve se ater em atuar de acordo com o estabelecido pelo legislador deixando as questões de cunho político, sejam de natureza legislativa ou administrativa, fora do controle jurisdicional.

4. CRÍTICA A CRESCENTE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO NOS ATOS ADMINISTRATIVOS
 
Atualmente, a atuação do Poder Judiciário tem sido objeto de grandes polêmicas, divididas entre aqueles que defendem sua intervenção livre e sem limites e aqueles que defendem a sua autodelimitação.
Há que se admitir que diante da celeuma política que se encontra nosso país a intervenção do Poder Judiciário por algumas vezes faz-se imprescindível diante da omissão e da abstenção manifesta dos Poderes Legislativos e Executivo. Entretanto, é tênue e perigosa a linha que divide estes poderes, que apesar de possuir funções aparentemente bem delimitadas, devem trabalhar de maneira conjunta e cooperativa, coexistido de forma harmônica e independente (BARROSO, 2015, p.10).
O aumento do número de ações propostas contra atos administrativos, proferidas pelo Poder Executivo é latente e alarmante. São inúmeros os questionamentos envolvendo os mais diversos objetos, desde a impetração de mandato de segurança para o fornecimento de medicamentos até a propositura de ação civil pública pelo Ministério Público a fim de garantir a execução de obras de infraestrutura em loteamentos particulares. Enfim, todos estes casos de alguma maneira surgiram da ineficiência do Poder Executivo ou Legislativo, que falharam e não cumpriram de forma plena a função que lhes foi conferida.
Entretanto, a atuação do Poder Judiciário suas possui limitações.

O controle judiciário é o exercido privativamente pelos órgãos do Poder Judiciário sobre os atos administrativos do Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário quando realiza uma atividade administrativa. É um controle a posteriori, unicamente de legalidade, por restrito à verificação da conformidade do ato com a norma legal que o rege. Mas sobretudo é um meio de preservação de direitos individuais, porque visa impor a observância da lei em cada caso concreto, quando reclamada por seus beneficiários (MEIRELES, 1997, p.610).

O Poder Judiciário, no uso de suas atribuições, age como guardião da Constituição Federal atendendo as demandas sociais que não puderam ser satisfeitas no âmbito administrativo ou foram olvidadas pelo parlamentar. Assim, o magistrado vem fazendo às vezes do legislador e do administrador, fomentado pelos diversos escândalos surgidos pela crise enfrentada pelo Poder Executivo e Legislativo, o que parece legitimar a atuação invasiva do Poder Judiciário.
É inegável que a intervenção maciça do Judiciário é resposta da insatisfação geral da população que hoje, conhecedores dos seus direitos, acionam os Tribunais com maior frequência, na busca de verem seus direitos serem prontamente atendidos. Entretanto, tal prática provoca um circulo vicioso em que Poder Executivo e o Legislativo descumprem a sua função, exigindo a interferência do Poder Judiciário, estimulando a abstenção daqueles, os quais se veem obrigados a buscar no Judiciário a solução para seus percalços desrespeitando a democracia procedimental.

4.1 Legitimidade democrática

 O Poder Constituinte Originário estabeleceu na Constituição Federal de 1988 a chamada legitimidade democrática que seguindo o paradigma do Estado Democrático de Direito, tem como característica o voto popular como sistema de escolha daqueles que compõem os Poderes Constituídos. Assim, os três Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário têm legitimidade democrática, cada um de acordo com o sistema que o Poder Constituinte escolheu para o Poder em questão.

O Poder Constituinte (soberano) concebeu duas formas de legitimação democrática: a representativa (típica dos altos cargos políticos) e a legal (inerente à função jurisdicional). A legitimação democrática legal, racional ou formal dos juízes, portanto, em nada se confunde com a legitimação democrática representativa. Aquela reside na vinculação do juiz à lei e à Constituição, que são elaboradas pelo Poder Público (GOMES, 1997, p.45).

Conforme já discutido alhures o ativismo judicial representa um risco ao princípio democrático, uma vez que o cidadão vê hoje seus diretos sendo representados não por aquele que escolheu através de seu voto, mas sim pelo Judiciário, órgão técnico, responsável pela promoção da justiça, mas que atualmente, por vezes vem atuando como construtor de políticas públicas.
Sem dúvida, a maior barreira oposta ao ativismo judicial, em questões políticas, ainda é o repetido argumento de que os tribunais, compostos por agentes profissionais investidos em seus cargos sem o apoio popular, não são órgãos democráticos, não estando legitimados a intervir decisivamente sobre a atuação dos demais poderes políticos. Teme-se a outorga de tamanho poder ao Judiciário. Daí sustentarem muitos que o exame judicial deve cingir-se aos aspectos de mera adequação formal dos respectivos requisitos constitucionais ou que a vitaliciedade dos juízes da Corte ou a forma de sua escolha torna espúria a atividade de controle judicial dos atos políticos (JÚNIOR, 2004. p.66).

O Poder Judiciário possui sua legitimidade democrática atrelada à norma jurídica, aos princípios e valores que a soberania nacional considera fundamentais, enfim, está sujeito exclusivamente às leis emanadas da vontade popular e é limitado a garantir a aplicação dos seus direitos, assim a legitimidade democrática do Poder Judiciário deriva do povo para o povo. Entretanto, atualmente observa-se que os tribunais agem fora dos limites estabelecidos pela Constituição e promovem além do controle da constitucionalidade e da defesa dos chamados direitos fundamentais, a execução de políticas públicas e a interpretação prolixa e extensiva dos textos legislativos impregnados de obscuridade e ambiguidade.
 A crise generalizada de representatividade dos Poderes Legislativo e Executivo e o clamor público não abrem precedentes para que o Poder Judiciário supra esta lacuna atuando de maneira una e concentrada em nome de todos os Poderes Constituídos, caso contrário, estaria ignorando a dialética hegeliana, assumindo características de um regime totalitário e populista, em que a opinião popular em massa representa a verdade absoluta. O Poder Judiciário não pode submeter suas decisões ao crivo da opinião pública, até porque esta nunca é unânime e não representa uma realidade homogenia.

Não deriva da vontade da maioria, cujas leis são dela expressão. Seu fundamento é unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais. Nisso reside a legitimidade democrática do juiz, derivada da sua função de garantia dos direitos fundamentais, sobre a qual se ancora a chamada ‘democracia substancial. (FERRAJOLI, 1999, p.180).

Enfim, para o modelo de Estado Democrático de Direito tomado pela Constituição de 1988, é inaceitável que o Poder Judiciário na discussão de qualquer lide fuja das estreitas margens do ordenamento jurídico, aprovado pelos representantes do povo ou tão pouco force a execução de políticas públicas desmedidas.

4.2 Politização da justiça
 
 A politização da justiça é fruto da chamada judicialização da política, fenômenos que possuem conceitos distintos, mas que se completam à medida que se distanciam (SANTOS, 2015, p.01). A politização da justiça está ligada ao comportamento do Poder Judiciário, que usando da sua posição funcional, interfere externamente, além de seus preceitos, sob os atos do governo de modo a avocar para si atribuições alheias, já a judicialização da política ocorre sob outro prisma, representando o comportamento interno do Poder Judiciário que além de acarretar consequências de natureza jurídica, acaba por desencadear consequências de natureza política.

A judicialização da política pode a conduzir à politização da Justiça e esta consiste num tipo de questionamento da Justiça que põe em causa, não só a sua funcionalidade, como também a sua credibilidade, ao atribuir-lhe desígnios que violam as regras da separação dos poderes dos órgãos de soberania.
Ademais, a politização da justiça coloca o sistema judicial numa situação de stress institucional que, dependendo da forma como o gerir, tanto pode revelar dramaticamente a sua fraqueza como a sua força. A politização da justiça patrocinada por setores reacionários que flertam com a aristocracia e com o totalitarismo busca ainda transformar a plácida obscuridade dos processos judiciais na trepidante ribalta midiática dos dramas judiciais é a espetacularização da política (NETO, 2015, p. 02-03)

 O objeto de nossa discussão se dá em razão da politização da justiça, ou seja, como o Poder Judiciário atualmente vem atuando além de sua funcionalidade, atribuindo a si desígnios que violam as regras da separação dos poderes dos órgãos de soberania, colocando em cheque a natureza democrática de nosso ordenamento. Afinal, diante da crise instaurada entre o sistema político e jurídico o Judiciário passou a desempenhar de maneira afônica suas funções típicas e passou a priorizar questões que originariamente deveriam ser resolvidas na arena política e não nos tribunais.
É inegável que a Justiça passa por uma crise institucional e estrutural em razão da alta demanda de processos e pelo desvirtuamento das funções essenciais de seus órgãos. Diante disso, o Poder Judiciário vem se reformulando e no ímpeto de buscar ligação funcional entre a norma jurídica e o fato social tem, cada dia mais, se resvalando na crescente politização, quer seja na forma de interpretação das novas leis, quer seja na própria composição dos órgãos julgadores, o que leva ao questionamento da Justiça realizada e acerca da possibilidade de manipulação dos direitos ofertados pelo Estado (MUZZI, 2015, p.02).
 Ressalte-se que o Poder Judiciário não é um órgão de transformação social o que torna questionável os limites de seu controle no âmbito legislativo e executivo e na formulação de políticas públicas e deliberações orçamentárias. Esta situação gera um ambiente de tensão entre os poderes, enaltecendo o Poder Judiciário e desmobilizando os demais, quem vem adotando uma postura cada vez mais passiva promovendo a decadência do Estado de bem-estar-social, no qual as esperanças nele depositadas estariam migrando para o Poder Judiciário.
 Enfim, diante da nova relação estabelecida entre poder e justiça, marcada pela inércia do Poder Legislativo e Executivo, e pela interferência de outros instrumentos, como a pressão da mídia, por meio da opinião pública, a fim de que haja a implementação de políticas públicas por parte da Justiça, não há mais que se pensar em um Poder Judiciário neutro e destituído de certa índole política na condução da atividade jurisdicional. Entretanto, mesmo submetida às amarras de uma Constituição de natureza eminentemente social não podemos permitir que o ativismo extrapole essa condição, acarretando uma invasão indevida do juiz em questões que não lhe competem (NETO, 2015, p.03).

4.3 A capacidade institucional do Judiciário e seus limites

 Diante da nova realidade imposta, a capacidade institucional do Poder Judiciário vem sendo questionada, principalmente no que tange as limitações de seu poder e de sua atividade, em razão dos efeitos sistêmicos que sua atuação jurisdicional vem provocando. Portanto, faz-se necessário esclarecer alguns pontos ainda turvos quanto as competência e as matérias que podem ser objeto de revisão e quais são os critérios que tornam necessárias as interferências dos juízes.
Não se permite ao Judiciário pronunciar-se sobre o mérito administrativo, ou seja, sobre a conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do ato, porque, se assim agisse, estaria emitindo pronunciamento de administração, e não de jurisdição judiciária. O mérito administrativo, relacionando-se com conveniências do governo ou com elementos técnicos, refoge do âmbito do Poder Judiciário (MEIRELES, 1997, p.612).

 Assim, as funções de legislar, administrar e julgar são atribuidas à órgãos próprios e devem ser exercidas primariamente pelos seus Poderes Constituídos correspondentes, os quais devem aplicar o controle e fiscalização recíproca de maneira a coibir a hegemonia entre eles, garantindo a manutenção da ordem democrática. Entretanto, como é sabido, apesar dos Poderes instituídos, Legislativo, Executivo e Judiciário poderem de maneira secundária e atípica exercer algumas funções atribuídas aos outros Poderes eles devem reservar a sua atuação aos limites estabelecidos pela Constituição.

Ao Poder Judiciário é vedado apreciar, no exercício do controle jurisdicional, o mérito dos atos administrativos. Cabe-lhe examiná-los, tão somente, sob o prisma da legalidade. Este é o limite do controle, quanto à extensão (FAGUNDES, 1957, p. 89).

É imprecindível que Poder Judiciário quando acionado verifique a matéria a ser tratada observando suas peculiaridades e natureza, tratando-a de forma complexa e não isolada, fazendo uma criteriosa análise da própria capacidade instituicional, considerando os meios necessários para sanar seus vícios e efeitos de forma plena e eficaz. Assim, diante da constatação de que outro Poder, órgão ou entidade tenha maior legitimidade e capacidade para dicidir a respeito do assunto, o Poder Judiciário deve ser tolido, ou melhor, deve dar lugar a auto-contenção espontânea, ante a precariedade de conhecimentos técnicos para avaliar os impacto de determinadas decisões no meio social. Somente assim, contando com o bom censo e uma auto avaliação criteriosa do Poder Judiciário, que podemos neutralizar os riscos e efeitos sistêmicos, desastrosos e às vezes irreversíveis, que uma decisão judicial pode acarretar, colocando em risco o bom andamento das políticas públicas e da atividade administrativa de maneira geral.
O Poder Judiciário deve conservar sua acepção formalista e garantir a fiel aplicação da norma, todavia, quando não dispuser de todos os instrumentos necessários à hermenêutica jurídica este deve respeitar as interpretações fixadas pelo Poder Executivo e Legislativo.
Vimos que as vozes influentes no direito constitucional argumentam em favor de estratégias interpretativas em uma forma que é inadequada em relação à questão das capacidades institucionais. Aqueles que enfatizam argumentos filosóficos, ou a idéia de holística, ou interpretações intratextuais, parecem-nos ter dado muito pouca atenção às questões institucionais. Aqui como em outros lugares, nossa apresentação é que uma afirmação sobre a interpretação adequada é incompleta se não prestar atenção a considerações de governabilidade, capacidade judicial e efeitos sistêmicos, além de impor as reivindicações habituais sobre a legitimidade e autoridade constitucional.(VERMULE, 2002, p. 49).

 O Magistrado muitas das vezes possui informações insuficientes e a sua própria formação o distancia da realidade que atualmente enfrenta o tecido social, diante disso ele deve sempre usar da modéstia para avaliar questões que fogem de seu domínio e capacidade institucional. Entretanto, o Poder Judiciário quando provocado não pode se calar diante da atitude comissiva dos Poderes Legislativo e Executivo, desmantelados pela falta de preparo e comprometimento de seus representantes, e acaba se tornando cúmplice desse desarranjo político social.

Embora tenha cumprido papel fundamental ao ampliar nossa compreensão a respeito das limitações do poder judiciário, a “crítica da capacidade institucional” não é capaz, por si só, de responder à pergunta básica: se e quando deve o judiciário atuar na formulação das políticas públicas. Pois se é certo, como pressupõem alguns dos trabalhos da “crítica da capacidade institucional”, que o judiciário tem enormes dificuldades e limitações para fazer as escolhas de políticas públicas, não está claro que as demais instituições candidatáveis a fazer as mesmas escolhas não tenham seu desempenho ainda mais comprometido por suas próprias limitações. (BADIN, 2012, p. 90).

Enfim, o estudo da capacidade institucional do judiciário veio à tona como resultado do fenômeno ativismo judicial e da intervenção judicial nas decisões políticas dos demais órgãos do Estado, e ainda que eivado de críticas foi responsável abrir uma discussão realista sobre  quais as consequências sociais, econômicas e políticas que as decisões judiciais tem em relação a atividade administrativa do Estado. Além disso, a abordagem do tema suscitou o reconhecimento da incapacidade do Poder Judiciário para substituir decisões tomadas no exercício de função política do Poder Executivo e Legislativo, e propôs maior racionalidade e tecnicidade à atividade jurisdicional, impondo ao magistrado uma postura autocrítica e responsável inserindo-o no jogo democrático.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
 Diante da anomalia sistêmica protagonizada pelos Poderes Constituídos, repontam-nos inegável a necessidade de manter o controle judicial ativo, afinal este é atributo intrínseco ao modelo neoconstitucionalista adotado e por meio dele o Poder Judiciário acolheu o papel de suprir a manifesta inércia dos poderes eletivos, dando cumprimento aos preceitos constitucionais e aos direitos fundamentais, extraindo dos abstratos princípios administrativos, a resposta para as mazelas sociais. Assim o Poder Judiciário, frente à crise representativa dos Poderes Executivo e Legislativo, eivados vícios e escândalos, avocou para si a responsabilidade de impor através de decisões judiciais a execução de ações eminentemente executivas e legislativas, avançando os limites de sua legitimidade democrática, caindo nas tramas do chamado ativismo judicial.
 Todavia, a atuação proativa do Poder Judiciário sobre questões tipicamente políticas deve ter sua limitação bem estabelecida por meio da fixação de critérios dogmáticos na atividade hermenêutica, principalmente no que se refere à interpretação de dispositivos legais e conceitos principiológicos, ambíguos ou obscuros demarcando encostas ao próprio controle judicial. Somente assim estará legitimada a atuação do judiciário, que deve possuir caráter provisório e excepcional, destinada única e exclusivamente a defender a aplicação dos direitos fundamentais e a proteção dos preceitos constitucionais, sem avançar ao mérito de questões pragmáticas, ainda quando revestidas da vontade discricionária, legítima ao gestor.
Para tanto, faz-se imprescindível incluir novos argumentos à técnica decisória do Poder Judiciário, que deve adotar uma postura responsável e coerente, considerando as consequências sociais, econômicas e políticas de suas decisões. O Magistrado deve se autolimitar, ainda quando provocado e observar o caráter da ação, diagnosticando se possui todos os instrumentos necessários para decidir de forma segura a demanda proposta, enfim, é salutar que conheça bem o terreno pelo qual vai se atrever a desbravar. Portanto, deve-se conservar a natureza formal e positivista da atuação Judiciária, o Poder Judiciário deve anuir às escolhas feitas pelo legislador, suas ações e decisões devem estar eivadas de racionalidade e tecnicidade abstendo-se de aplicar sua correlata vontade de maneira alheia à complexa e distante realidade administrativa e social.
A questão é que o controle judicial, referendado em nossa Constituição Federal, está desastrosamente dando lugar ao ativismo judicial, fenômeno aparentemente blindado pela teoria neoconstitucionalista do Estado Social, que vem tomando os espaços dilatados da jurisdição, investindo no reforço da discricionariedade judicial. Tal prática enfraquece a normatividade da Constituição e os pilares do próprio regime democrático, ferindo princípios básicos como o da separação dos poderes e o princípio da democracia, gerando a verticalização entre os Poderes, restando soberano o Poder Judiciário no topo da pirâmide.
 Enfim, os Poderes Constituídos devem andar lado a lado em atitude cooperativa, levando em consideração sua competência, limitações e anseios, sem suscitar percalços, evitando disputa entre si, cada qual agindo dentro de sua legitimidade e razão de ser. Ações desconexas e antagônicas promovidas entre os três Poderes, vão de encontro aos anseios do próprio Estado, logo, Legislativo, Executivo e Judiciário devem ser cúmplices na busca incessante pelo objetivo maior, o interesse social.


REFERÊNCIAS

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VERMULE, Adrian. Interpretation and Institutions. U Chicago Law & Economics, OlinWorking Paper, Nº 156, 2002; U Chicago Public Law Research Paper nº 28.

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Sobre os autores
Virginia Lacerda Vilas Boas

Advogada, graduada no curso de Direito pela PUC Poços de Caldas-MG e pós-graduada em Gestão Pública pelo Instituto Federal de Muzambinho-MG

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O artigo foi elaborado e aprovado pela banca do curso de Pós-graduação em Gestão Pública pelo Instituto Federal de Muzambinho-MG

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