CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo permite concluir que a exigência de comprovação de idoneidade cadastral para fins de contratação é ilícita, não podendo ser admitida em nosso ordenamento jurídico, pois violadora de diversos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Destacou-se, nessa esteira, que o poder diretivo do empregador não é ilimitado, sendo modulado pelos direitos fundamentais dos trabalhadores, que são interesses contrapostos que incidem nas relações entre os particulares, conforme reconhece renomada doutrina nacional(eficácia horizontal dos direitos fundamentais).
Enfatizou-se que a prática caracteriza medida discriminatória, visto que o fator de distinção utilizado não possui qualquer correlação lógica para a garantia, com eficácia, do resguardo do patrimônio do empregador, caracterizando uma distinção infundada entre os trabalhadores no momento da admissão.
Ressaltou-se, ademais, que as condutas discriminatórias vilipendiam a dignidade do homem trabalhador, sobretudo porque o combate à discriminação no trabalho é reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho com um dos eixos de sua agenda do trabalho decente, a qual prima pela proteção do trabalho humano como um fim em si mesmo.
Demonstrou-se, outrossim, que a Convenção nº111 da OIT, em que pese louvável a doutrina que defende o status hierárquico constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos, possui, ao menos, o status supralegal, consoante já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, o que possibilita uma interpretação conforme o tratado da legislação infraconstitucional que veda a discriminação para fins de contratação, consagrando, portanto, legítimo controle de convencionalidade de matriz nacional, a impedir que tais fatores desarrazoados sejam utilizados para diferenciar pessoas, sendo, aliás, verdadeira cláusula aberta a fomentar que todos os fatores de diferenciação ilegítimos sejam combatidos.
Nesse viés, restou elucidado que a exigência de idoneidade cadastral para fins de contratação se situa em um conflito de direitos fundamentais que opõe os direitos dos trabalhadores e dos empregadores, atraindo a utilização da técnica da ponderação de interesses para solução de colisões entre normas-princípios, as quais se caracterizam como mandamentos de otimização.
O resultado em si (exigência da comprovação de inexistência de dívidas para fins de contratação), entretanto, consoante se demonstrou, não ultrapassa o teste de proporcionalidade, requisito imprescindível, consoante a utilização da teoria externa para solução de conflitos fundamentais, para aferição da constitucionalidade da conduta, razão pela qual esta deve ser proscrita, visto que viola o núcleo essencial de diversos direitos fundamentais dos trabalhadores, como os princípios da dignidade humana (1º, III, da CF/88), da não discriminação (3º, IV, da CF/88), da função social da propriedade (artigos 5º, XXIII e 170, III, da CF/88), os direitos fundamentais ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (artigo 5º, XIII, da CF/88), da presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII), ao trabalho (artigo 6º da CF/88), dentre outros.
É que a conduta não é idônea para os fins pretendidos, pois não constitui garantia alguma que trabalhadores que possuem restrições creditícias são menos honestos do que os que possuem idoneidade cadastral, não havendo qualquer vínculo lógico entre as presunções de que pessoas mais abastadas são honestas e que pessoas hipossuficientes economicamente teriam uma maior propensão à delinquência, colocando o patrimônio do empregador em risco. Em verdade, tal presunção é dotada de elevada carga de preconceito, cristalizando repugnante estereótipo.
Do mesmo modo, mesmo que se considerada idônea a medida, esta não ultrapassaria o subprincípio da necessidade, pois notória a existência de diversas medidas correlatas, mais efetivas, bem como menos invasivas aos direitos dos trabalhadores, tais como instalação de equipamentos eletrônicos, desde que usados moderadamente, para controle do que ocorre no local de trabalho.
Por fim, ainda que se considerasse preenchidos os subprincípios da adequação e da necessidade, a exigência caracteriza mais desvantagens aos trabalhadores e à sociedade, fomentando um ciclo de pobreza consubstanciado na acentuação da relação entre dívidas, restrição ao trabalho e incremento do desemprego, do que vantagens a serem propiciadas aos empregadores, os quais, como visto, possuem meios mais efetivos para resguardar sua propriedade.
Portanto, implacável destacar que a medida não deve ser admitida, indo de encontro aos objetivos fundamentais da República, máxime os de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, assim como de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, o que desmerece a cláusula constitucional de solidariedade.
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