Pretende-se analisar o cabimento ou não da concessão de tutela de urgência (cautelar ou antecipada) pelo Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS. Mais especificamente, questiona-se a viabilidade dessa medida processual no curso da apreciação dos recursos administrativos submetidos ao CRPS.
Para tanto, inicialmente, impõe-se diferenciar os provimentos de urgência, isto é, a tutela cautelar e a tutela antecipada.
Como cediço, a tutela cautelar é instrumental por excelência. Objetiva preservar a eficácia do processo principal, garantindo que tenha um resultado útil e efetivo. Não possui um fim em si mesma.
Por isso, a par do disposto no art. 1º, §3º, da Lei nº 8.437/92,[1] diz-se que as medidas cautelares não podem ser satisfativas, isto é, não pode haver coincidência entre o provimento principal e o cautelar.
A concessão antecipada do provimento principal é viabilizada por instituto diverso: a tutela antecipatória, prevista no art. 273 do CPC.
Os institutos não se confundem. Conquanto tutela cautelar e tutela antecipada possam ser inseridas numa categoria geral das “tutelas de urgência”,[2] ambas possuem pressupostos e requisitos próprios. A tutela antecipada é requerida sempre no bojo do processo principal, nunca em incidente ou processo preparatório. Ademais, como já mencionado, com a antecipação da tutela busca-se a obtenção dos efeitos do provimento almejado antes do momento processual próprio. Já a cautelar cinge-se a viabilizar a eficácia do provimento principal. Por isso que, ao contrário da medida cautelar, a tutela antecipada não pode ser concedida de ofício.
Dito isto, resta evidente que a concessão antecipada, no curso de um processo administrativo ou judicial, do benefício previdenciário almejado pelo segurado configura típica antecipação dos efeitos da tutela, e não uma medida cautelar, o que já afasta a possibilidade de concessão ex officio.
De qualquer sorte, em se tratando de recurso administrativo-previdenciário submetido ao CRPS, a diferenciação, no cenário atual, carece de relevância prática, uma vez que ambas as tutelas de urgência (antecipada ou cautelar) são vedadas. Senão vejamos.
Quanto aos recursos administrativos no âmbito da Previdência Social, o art. 126 da Lei nº 8.213/91[3] limita-se a prever o seu cabimento, a indicar o órgão competente para o seu julgamento (CRPS) e a estabelecer hipótese de renúncia/desistência tácita (propositura de ação judicial com o mesmo objeto). No mais, remete ao regulamento a sua disciplina.
Por seu turno, o Regulamento da Previdência Social – RPS, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99, no caput de seu art. 305, dispõe que serão cabíveis recursos das decisões do INSS, dirigidos ao CRPS, “conforme o disposto neste Regulamento e no regimento interno do CRPS”.
É certo que o art. 72 do Regimento Interno do CRPS, atualmente constante do anexo da Portaria MPS nº 548/2011, ainda prevê a aplicação subsidiária tanto do Código de Processo Civil (Lei nº 5.869/1973) quanto da Lei nº 9.784/1999. Entretanto, ressalva expressamente que a aplicação desses diplomas legais se dará apenas quando houver compatibilidade, como, de resto, ocorre em qualquer aplicação subsidiária de normas.
Assim, tanto a tutela antecipada, prevista no art. 273 do CPC, quanto a medida cautelar, prevista no CPC (arts. 796 e seguintes) e na Lei nº 9.784/1999 (arts. 45 e 61, parágrafo único), somente poderão ser aplicadas no âmbito dos recursos administrativo-previdenciários se adequarem-se ao modelo delineado pelos atos normativos pertinentes (RPS e RICRPS). Em outros termos, há de se aferir, após uma interpretação sistemática do RPS e do RI do CRPS, a compatibilidade daqueles institutos processuais com os recursos administrativo-previdenciários.
Do RPS infere-se que o §2º do seu art. 308[4] impõe ao INSS o cumprimento das diligências solicitadas pelo CRPS, bem como das decisões definitivas daquele colegiado, sem modificação de seu sentido. Não contempla decisões que veiculem tutelas de urgência.
Com efeito, não há como enquadrar as tutelas de urgência em decisões ditas definitivas, muito menos em meras diligências. Por solicitação de diligências entende-se apenas a determinação objetivando a melhor instrução do processo, com cunho nitidamente probatório. Decisões definitivas, por seu turno, são as decisões finais do CRPS. Sob o prisma do conteúdo, a doutrina processual costuma classificar como definitiva a decisão que, resolvendo o mérito da causa, extingue o processo,[5] situação que não se coaduna com as tutelas de urgência, de caráter incidental, ainda que deferidas no bojo de uma decisão definitiva. De outro lado, a precariedade é ínsita às decisões que veiculam tutelas de urgência, pelo que, também sob o viés da estabilidade do provimento, não há como considerar definitiva uma decisão cautelar ou antecipatória de tutela.
Essa regra do RPS é regulamentada pelo art. 56 do Regimento Interno do CRPS, que, no seu caput, reitera ser “vedado ao INSS escusar-se de cumprir, no prazo regimental, as diligências solicitadas pelas unidades julgadoras do CRPS, bem como deixar de dar efetivo cumprimento às decisões do Conselho Pleno e acórdãos definitivos dos órgãos colegiados, reduzir ou ampliar o seu alcance ou executá-lo de modo que contrarie ou prejudique seu evidente sentido”.
Veja-se que a imposição quanto ao cumprimento pelo INSS, novamente, restringe-se às diligências e aos acórdãos definitivos. A exceção diz respeito ao Conselho Pleno, que deve ter suas decisões efetivamente cumpridas pela autarquia. Essas decisões, porém, são aquelas proferidas no exercício da competência precípua do Conselho Pleno, qual seja, a uniformização da jurisprudência administrativa previdenciária,[6] atividade de cunho mais abstrato e genérico, ainda que realizada a partir de um caso concreto.
Esse raciocínio ganha reforço pela atribuição de efeito suspensivo aos recursos especiais interpostos das decisões proferidas em sede de recurso ordinário pelas Juntas de Recursos, quando cabíveis.[7]
Contrariamente, o Código de Processo Civil, ao estabelecer os efeitos da apelação, expressamente excetuou do efeito suspensivo as sentenças cautelares e as ratificadoras da antecipação dos efeitos da tutela (art. 520, IV e VII, respectivamente). Isso porque, embora os efeitos recursais não se confundam com as tutelas de urgência, devem com estas se harmonizar. Sendo pressuposto da tutela de urgência a sua eficácia imediata, eventual recurso dela interposto não pode, per se, suspendê-la. Do contrário, a tutela de urgência concedida pelo juízo a quo restaria inócua, pelo menos até a preclusão do direito de recorrer, uma vez que a “interposição [do recurso] não faz cessar efeitos que já se estivessem produzindo, apenas prolonga o estado de ineficácia em que se encontrava a decisão, pelo simples fato de estar sujeita à impugnação através do recurso”.[8]
Assim, por exemplo, cuidando-se de acórdão proferido pela Junta de Recursos, sujeito a recurso especial, sua eficácia será obstada até o julgamento do recurso especial ou a preclusão dessa faculdade processual. Caso não interposto o recurso especial, o acórdão passará a ostentar eficácia plena, devendo ser cumprido pelo INSS (art. 308, §2º, do RPS e art. 56 do RICRPS), pelo que se mostra desnecessária qualquer tutela de urgência. Havendo recurso especial, eventual tutela de urgência concedida no bojo do acórdão impugnado restará ineficaz até o julgamento do recurso, desnaturando-a por completo. E o diferimento da eficácia da tutela de urgência para momento futuro (no caso, o julgamento do recurso especial) não condiz com os próprios pressupostos da medida (fumus boni iuris e periculum in mora), os quais, por retratarem uma situação momentânea, devem ser aferidos quando a implementação da tutela seja, ao menos em tese, possível.
Isso não significa, porém, deslocar uma suposta competência para concessão de tutelas de urgência, das Juntas de Recursos para as Câmaras de Julgamento.
Enquanto órgão de controle jurisdicional das decisões do INSS (art. 303 do RPS, art. 1º do RI do CRPS), o CRPS difere substancialmente dos órgãos recursais judiciais. De fato, no Judiciário, o ato (decisão) sujeito a recurso, ainda que, conforme o caso, possa surtir determinados efeitos, carecerá de definitividade, no sentido de imutabilidade ou estabilidade, até que seja ratificado pelas instâncias ad quem e/ou transite em julgado. O processo judicial é inteiramente voltado à certificação do direito pleiteado, de modo que essa certificação somente ocorrerá ao cabo do processo. No controle administrativo, ao revés, parte-se de um ato perfeito e acabado, o ato administrativo praticado pelo INSS, apto, por isso, a surtir todos os seus efeitos. O recurso hierárquico impróprio, dirigido ao CRPS, destina-se, em última análise, a assegurar o cumprimento, pela autarquia, da legislação previdenciária, por meio de um controle tipicamente repressivo.[9] Assim, até que esse controle seja ultimado, com o encerramento da atividade recursal, há de prevalecer o ato administrativo, porque dotado de presunção de legitimidade. Qualquer inversão dessa ordem, embora possível no plano normativo, deverá se dar de forma expressa, por excepcionar o modelo estatuído.
Daí porque a tutela antecipada e a cautelar não têm cabimento no curso dos recursos administrativos apreciados pelo CRPS. A medida, no caso, acarretaria a antecipação do próprio controle administrativo, providência que contraria, de lege ferenda, o modelo estabelecido no arcabouço normativo atual.
Não por outra razão, o art. 53 do Regimento Interno do CRPS,[10] ao arrolar os tipos de decisões passíveis de serem prolatadas pelas Juntas de Recursos e pelas Câmaras de Julgamento, não contempla decisões cautelares ou antecipatórias da tutela. Não se trata de uma lacuna a ser colmatada com o CPC ou com a Lei nº 9.784/99, e sim de uma omissão deliberada e decorrente do sistema recursal administrativo-previdenciário, o qual não se compatibiliza com as ditas tutelas de urgência.
Ou seja, em sede de recursos administrativos, o CRPS não pode conceder qualquer tutela de urgência, seja de natureza cautelar ou antecipatória.
Notas
[1] “Art. 1° Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.
(...)
§ 3° Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação.
(...)”
[2] WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: processo cautelar e procedimentos especiais. v. 3. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2003. p. 35.
[3] “Art. 126. Das decisões do Instituto Nacional do Seguro Social-INSS nos processos de interesse dos beneficiários e dos contribuintes da Seguridade Social caberá recurso para o Conselho de Recursos da Previdência Social, conforme dispuser o Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§1º (revogado)
§2º (revogado)
§ 3º A propositura, pelo beneficiário ou contribuinte, de ação que tenha por objeto idêntico pedido sobre o qual versa o processo administrativo importa renúncia ao direito de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso interposto. (Incluído pela Lei nº 9.711, de 20.11.98)”
[4] “Art. 308. (...)
§ 2o É vedado ao INSS escusar-se de cumprir as diligências solicitadas pelo CRPS, bem como deixar de dar cumprimento às decisões definitivas daquele colegiado, reduzir ou ampliar o seu alcance ou executá-las de modo que contrarie ou prejudique seu evidente sentido. (Redação dada pelo Decreto nº 6.722, de 2008).”
[5] WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v. 1. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2003. p. 184.
[6] Regimento Interno do CRPS:
“Art. 15. Compete ao Conselho Pleno:
I - uniformizar, em tese, a jurisprudência administrativa previdenciária, mediante emissão de enunciados;
II - uniformizar, no caso concreto, as divergências jurisprudenciais entre as Juntas de Recursos nas matérias de sua alçada ou entre as Câmaras de julgamento em sede de recurso especial, mediante a emissão de resolução; e
III - deliberar acerca da perda de mandato de Conselheiros, nos casos em que o Presidente do CRPS entender necessário submeter a decisão ao colegiado.”
[7] Regulamento da Previdência Social – RPS:
“Art. 308. Os recursos tempestivos contra decisões das Juntas de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social têm efeito suspensivo e devolutivo. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
(...)”
Regimento Interno do CRPS:
“Art. 30. Das decisões proferidas no julgamento do recurso ordinário caberá recurso especial dirigido às Câmaras de Julgamento, órgãos de última instância recursal administrativa, ressalvada a competência exclusiva das Juntas de Recursos definida no art. 18 deste Regimento.
Parágrafo único. A interposição tempestiva do recurso especial suspende os efeitos da decisão de primeira instância e devolve à instância superior o conhecimento integral da causa.”
[8] MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 113.
[9] “Tem-se controle preventivo quando a autarquia, para praticar determinado ato, ou para que este adquira eficácia, depende de prévia manifestação do controlador. Será repressivo o controle quando só tem lugar depois da produção do ato e não é requisito condicionador de sua eficácia.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 127 – sem negrito no original).
[10] “Art. 53. As decisões proferidas pelas Câmaras de Julgamento e Juntas de Recursos poderão ser de:
I - conversão em diligência;
II - não conhecimento;
III - conhecimento e não provimento;
IV - conhecimento e provimento parcial;
V - conhecimento e provimento;
VI - anulação; e
VII - extinção do processo com resolução do mérito por reconhecimento do pedido, nos termos do artigo 34, II, deste Regimento.
(...)”