A participação do menor de idade em sociedade empresarial limitada: possibilidade, limites e responsabilidade civil

24/10/2015 às 12:40
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No Direito brasileiro distingue-se a capacidade de direito da capacidade de fato: a primeira, também denominada de gozo ou de aquisição, é a aptidão de ser sujeito de direitos e de obrigações; e a última, de exercício ou de ação, é a aptidão para adquirir

No Direito brasileiro distingue-se a capacidade de direito da capacidade de fato: a primeira, também denominada de gozo ou de aquisição, é a aptidão de ser sujeito de direitos e de obrigações; e a última, de exercício ou de ação, é a aptidão para adquirir direitos e exercê-los por si ou por outrem.[1]

A capacidade que se adquire com o nascimento – que a pessoa nascida viva obtém – é uma expectativa genérica de capacidade para os atos da vida civil. A verdadeira capacidade ou capacidade de fato ou de exercício é, nos dizeres de Sílvio de Salvo Venosa, a aptidão para pessoalmente o indivíduo adquirir direitos e contrair obrigações.[2]

A Lei civil refere, também, os relativamente incapazes, os quais, segundo Heloisa Helena Barboza, Maria Celina Bodin de Moraes e Gustavo Tepedino:

[...] são pessoas que têm possibilidade de manifestar suas vontades, desde que estejam devidamente assistidos e não representados, situando-se a meio do caminho entre os casos de integral inaptidão e os de perfeito desenvolvimento intelectual.[3]

Por fim, a incapacidade absoluta é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, devendo ser analisada de forma restrita, porque, como ensina a doutrina, se aplica o princípio de que “a capacidade é a regra e a incapacidade é a exceção”. Sob esta ótica, só haverá incapacidade nos casos estabelecidos em lei. Assim, “a incapacidade absoluta diz respeito à impossibilidade de os sujeitos exercerem os direitos que lhes são próprios, a qual gera a necessidade de sua representação para a prática dos atos da vida civil [...]”.[4]

Com foco no já exposto, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery defendem que têm capacidade de exercício – capacidade para praticar por si, validamente, atos da vida civil – “os maiores de dezoito anos que não estejam sujeitos a nenhuma limitação na sua capacidade de reger sua pessoa e bens”.[5]

Também são absolutamente capazes os menores de dezoito anos que vivenciem, sem nenhuma limitação definitiva ou temporária de sua capacidade, uma das situações previstas no artigo 5.º do Código Civil, o qual dispõe no inciso V que a menoridade cessa “pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria”.[6]

Por esta norma, o maior de 16 anos que tiver economia própria poderá se emancipar e se tornar empresário individual. Contudo, Vitor Bizarro Fraga alerta que a doutrina critica esta situação de fato visto que a Lei de Falência diz que só pode ser requerida a falência daquelas pessoas que têm mais de 18 anos, e, neste viés, além de não ter maioridade penal para responder por eventuais crimes cometidos contra a economia, o menor também não estará sujeito aos crimes de falência.[7]

Por outro lado, o artigo 974 do Código Civil disciplina que “poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor da herança”.[8]

Segundo o IRTDPJBrasil, a participação de menores em sociedade não representa impedimento ao registro, desde que eles estejam, conforme o caso, representados, assistidos ou emancipados. Da mesma forma, não impede o registro o fato de que aqueles que os representam ou assistem façam parte da mesma sociedade, desde que seja observado que as pessoas que representam ou assistem os menores assinem duas vezes os documentos trazidos a registro, uma por eles mesmos, obviamente, e outra pelo menor.[9]

Ratificando o entendimento acima exposto, Fábio Ulhoa Coelho afirma que o menor emancipado – por outorga dos pais, casamento, nomeação para emprego público efetivo, estabelecimento por economia própria e obtenção de grau em curso superior –, por se encontrar no pleno gozo de sua capacidade jurídica, pode exercer empresa como o maior.[10]

Ademais, Antonio Rodrigo Candido Freire acrescenta que o menor de 16 anos pode compor sociedade empresária, desde que representado por seus pais ou representantes[11], polêmica que foi encerrada com a sanção da Lei n.º 12.399, de 1º de abril de 2011, que acrescentou o parágrafo terceiro ao artigo 974 do Código Civil, pelo qual:

Art. 974. [...].

§ 3º O Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais deverá registrar contratos ou alterações contratuais de sociedade que envolva sócio incapaz, desde que atendidos, de forma conjunta, os seguintes pressupostos:

I – o sócio incapaz não pode exercer a administração da sociedade;

II – o capital social deve ser totalmente integralizado;

III – o sócio relativamente incapaz deve ser assistido e o absolutamente incapaz deve ser representado por seus representantes legais.[12]

De todo o exposto, resta claro que nas condições acima expostas o menor de idade pode ser sócio de sociedade empresarial limitada, mas não pode exercer a administração desta.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000.

BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Código civil interpretado conforme a Constituição da República. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jan. 2002, p. 1.

______. Lei n. 12.399, de 1º de abril de 2011. Acresce o § 3o ao art. 974 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 4 abr. 2011, p. 1.

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COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. São Paulo: Saraiva, 2005.

FRAGA, Vítor Bizarro. As novas figuras do Direito empresarial brasileiro: empresa e empresário. Derecho & Cambio Social, La Molina, Lima, Peru, n. 4, 2005. Disponível em: <http://www.derechoycambiosocial.com/revista004/EMPRESA.htm>. Acesso em: 20 out. 2015.

FREIRE, Antonio Rodrigo Candido. O menor empresário. Publicado em: 12 abr. 2011. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=5718>. Acesso em: 22 out. 2015.

IRTDPJBRASIL. Participação de menor em sociedade. Disponível em: <http://www.irtdpjbrasil.com.br/NEWSITE/ParticipacaoDoMenor.htm>. Acesso em: 21 out. 2015.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado. 6. ed. rev., ampl. e atual. até 28 de março de 2008. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1.


[1] ALMEIDA, Silmara Chinelato e. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 128.

[2] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1.

[3] BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Código civil interpretado conforme a Constituição da República. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 14.

[4] Ibidem, p. 14.

[5] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado. 6. ed. rev., ampl. e atual. até 28 de março de 2008. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 202.

[6] BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jan. 2002, p. 1.

[7] FRAGA, Vítor Bizarro. As novas figuras do Direito empresarial brasileiro: empresa e empresário. Derecho & Cambio Social, La Molina, Lima, Peru, n. 4, 2005. Disponível em: <http://www.derechoycambiosocial.com/revista004/EMPRESA.htm>. Acesso em: 20 out. 2015.

[8] BRASIL, op. cit., 2002, p. 1.

[9] IRTDPJBRASIL. Participação de menor em sociedade. Disponível em: <http://www.irtdpjbrasil. com.br/NEWSITE/ParticipacaoDoMenor.htm>. Acesso em: 21 out. 2015.

[10] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 19-20.

[11] FREIRE, Antonio Rodrigo Candido. O menor empresário. Publicado em: 12 abr. 2011. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=5718>. Acesso em: 22 out. 2015.

[12] BRASIL. Lei n. 12.399, de 1º de abril de 2011. Acresce o § 3o ao art. 974 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 4 abr. 2011, p. 1.

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Sobre o autor
Itacir Amauri Flores

Itacir Amauri Flores, é natural de Florida Distrito de Santiago RS, tem 61 anos de idade e foi agraciado com o Título de Cidadão Portoalegrense conforme a Lei Municipal 12.214 de 31 de janeiro de 2017. Bacharel em Ciências jurídicas, Bacharel em Segurança Pública, Jornalista, Vice-presidente e Vogal da JUCIS RS – Junta Comercial, Industrial e Serviços do Rio Grande do Sul, Oficial Superior da Brigada Militar com curso de aperfeiçoamento em Gerenciamento em local de desastre, serviu na PE - Polícia do Exército Brasileiro, atuou na Casa Militar e Defesa Civil do RS,Sócio efetivo da ARI – Associação Riograndense de Imprensa, Pós Graduado em Direito comercial, MBA em Executivo em Segurança Privada – Safety & Security, escritor com diversos artigos publicados, Debatedor nacional sobre a inconstitucionalidade do Exame de Ordem da OAB, motivador da tramitação no Congresso Nacional do PL 1211/11, que originou a Lei Federal 13.432/17, que reconheceu a profissão de Detetive Particular no Brasil, Mestre Maçom, Rotariano, Leonino e Escotista (fundador do GE Jaguar Feroz na cidade de Jaguari RS e GE Guardiões da Fronteira na cidade de São Borja RS), ativista político, foi 1º suplente de vereador em Santiago RS, foi Diretor de Atividades Complementares, Coordenador de Bancada e da Mesa Legislativa da Câmara Municipal de Porto Alegre RS, Condecorado com as medalhas de 10 e 20 anos de excelentes serviços ao Estado do RS e Medalha da Defesa Civil pelos relevantes serviços prestados ao povo rio-grandense.

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