Capa da publicação Loteamentos fechados: outra forma de ocupação desordenada dos espaços urbanos habitáveis
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Loteamentos fechados

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27/11/2017 às 10:50
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Ainda que o loteamento fechado possua a configuração externa de condomínio residencial, inclusive com instalação irregular de guarita, limitando o acesso às áreas internas, a natureza jurídica permanece de loteamento. A estas figuras atípicas devem ser aplicados os comandos da Lei Federal n. 6.766/79.

Resumo: A ocupação desordenada dos espaços urbanos não deve ser conferida apenas a determinados grupos sociais menos favorecidos. A informalidade e a ilegalidade na ocupação do solo urbano também são reproduzidas pelas classes favorecidas economicamente. O loteamento fechado é um exemplo de intervenção e uso ilegal de espaços públicos, constituindo verdadeira privatização de áreas públicas. O "condomínio atípico" ou "loteamento fechado" constitui forma de parcelamento instituído ao arrepio da lei e decorrente da conveniência de parcela favorecida da população que, buscando comodidade e segurança, fecham loteamentos urbanos limitando o acesso às suas áreas internas. Desse modo, áreas verdes, institucionais e vias internas, que deveriam ser livremente acessadas por qualquer pessoa, são incorporadas ilegalmente ao domínio particular dos moradores do "condomínio". A regularização dos "loteamentos fechados"  é uma das diretrizes a serem alcançadas na implementação de políticas públicas urbanísticas, conferindo aos cidadãos, por meio de planejamento urbanístico competente, melhor qualidade de vida urbana e ambiental, devolvendo ao domínio público as áreas verdes e institucionais, e as vias internas públicas ilegalmente fechadas.

Palavras-chaves: Loteamentos Fechados; Parcelamento do Solo Urbano; Condomínio; Direito Urbanístico.


1. Introdução

O presente estudo versa sobre a natureza jurídica dos denominados "loteamentos fechados" ou “condomínios atípicos” e sobre a legalidade de instalação de guaritas em ditos loteamentos, impedindo ou limitando o acesso de munícipes às suas áreas internas.

A regularização do espaço urbano, por vezes, é deixada ao sabor dos interesses particulares. É o que se pode dessumir da simples atenção à atual configuração urbana de muitas cidades brasileiras, em especial, as regiões metropolitanas do Estado da Bahia.

O crescimento desordenado do comércio, a construção irregular de moradias, o crescimento populacional, dentre outros fatores, contribuem para o agravamento dos problemas urbanísticos estruturais das metrópoles. A ânsia desmedida por construir e crescer, sem o planejamento devido, cria um ambiente de disputa por espaços, causando consequências diversas na qualidade de vida e ambiental dos grandes centros urbanos. O gestor público, por tal razão, deve destinar atenção especial à regulamentação dos espaços urbanos, de modo que as áreas de domínio público e particular não se tornem "terra de ninguém".


2. Formas de parcelamento do solo urbano

As formas de parcelamento do solo estão reguladas de forma geral por meio da Lei Federal n.º6.766/79, denominada lei de parcelamento do solo urbano, podendo os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estabelecerem normas complementares para adequar o previsto nesta Lei às peculiaridades regionais e locais (parágrafo único do art. 1.º). Constituem formas de parcelar o solo, previstas expressamente pela Lei Federal n.º6.766/79, o loteamento e o desmembramento.

A Lei Federal em comento informa que o parcelamento do solo somente pode ser feito mediante loteamento ou desmembramento. Define loteamento, para fins urbanos, como sendo a “subdivisão de glebas em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes” (art.2º, § 1º) e desmembramento como "a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes" (art. 2º, § 2º).

O ato de parcelar o solo, que deve ser realizado sob a supervisão da Administração Pública, está condicionado ao atendimento de requisitos e limites expressamente previstos na Lei Federal n.º6.766/79. Desse modo, é possível afirmar, desde já, que, caso o regramento legal em referência não seja observado, estar-se-á adentrando no campo da ilegalidade, com o desrespeito aos padrões mínimos estabelecidos na legislação federal.

Dentre os requisitos previstos na lei de parcelamento do solo urbano, destaque-se a necessidade de área mínima de 125,00m² (cento e vinte e cinco metros quadrados), com frente mínima de 5 (cinco) metros; reserva de faixa non aedificandi de 15,00 metros de cada lado; harmonia com a topografia local; áreas destinadas a espaços públicos proporcionais à densidade da ocupação; serem os equipamentos públicos comunitários, assim considerados os serviços de esgoto, abastecimento de água, coleta de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado (art. 4 º. da Lei Federal n.º 6.766/79).

Cumpre mencionar ainda que os espaços destinados à afetação ao interesse público ou para a satisfação de um bem geral da comunidade, de acordo com o art. 22 da Lei em foco, passam a integrar o patrimônio público municipal, ficando gravados de indisponibilidade. Assim dispõe o artigo mencionado:

Art. 22 - Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo. (grifos nossos)

Do dispositivo em destaque percebe-se que as áreas internas do loteamento, destinadas à afetação ao interesse público ou para a satisfação de um bem geral da comunidade, passam a integrar o patrimônio público do Município, ficando gravados de indisponibilidade.

O Poder Público Municipal pode exigir, inclusive, outros requisitos dentro de sua competência constitucional de legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30 º, I, CF), sem, no entanto, reduzir os requisitos mínimos traçados pela Lei Federal n.º6.766/79. Cada Município, por exemplo, pode estabelecer em seus estatutos urbanísticos a área do lote mínimo diferentemente do regramento federal em questão.

Percebe-se, portanto, que o loteador, quando submete projeto de loteamento à aprovação do Município, deve observar uma série de regras, inclusive, a de transferir ao domínio público áreas internas do parcelamento, que passam a ser de uso e gozo de toda a coletividade. Desse modo, uma gleba de terra, inicialmente privada, ao ser parcelada num loteamento, passa a ter áreas privadas e áreas públicas integrantes da malha urbana da cidade e com acesso irrestrito.

Ao submeter o projeto de instituição do loteamento à aprovação pelo Município, o loteador deve estar ciente das implicações desta forma de parcelamento que, se registre, não é imposta. Isto porque, pode optar, se assim desejar, pela figura do condomínio, disciplinado pela Lei Federal nº. 4.591/64. Vejamos, em breves linhas, os contornos do referido instituto.


3. Do condomínio regulado pela Lei Federal n.º4.591/64

A disciplina do loteamento difere daquela concernente ao condomínio residencial, uma vez que este último gera unidades autônomas e não lotes. As unidades residenciais têm acesso privativo apenas a áreas de uso comum dos condôminos, que incluem, dentre outras, a malha viária interna ao empreendimento, bem como as áreas comuns, como salão de jogos e de festas, guaritas, corredores.

O condomínio especial de casas térreas e assobradadas (condomínio residencial) é forma de uso e ocupação do solo por construções edificadas num plano horizontal, sendo disciplinada pela Lei Federal de n. 4.591/64 que, em seu art. 8º, assim dispõe:

Art. 8º Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador, o cessionário deste ou o promitente cessionário sobre ele desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte:

a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades;

b) em relação às unidades autônomas que constituírem edifícios de dois ou mais pavimentos, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação, aquela que eventualmente for reservada como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício, e ainda a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá a cada uma das unidades;

c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sobre os vários tipos de unidades autônomas;

d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou para as unidades entre si.

Infere-se da análise do artigo em destaque que tudo que integra o condomínio é de propriedade exclusiva dos condôminos, que não possuem a obrigação legal de transladar os espaços internos comuns ao Município quando da aprovação e do registro do empreendimento, como exige a Lei Federal n.º 6.766/79. Em se tratando de condomínio residencial, portanto, possível será a obstrução do acesso à parte interna do condomínio, impedindo o livre trânsito de veículos e pedestres.

A figura do condomínio fechado, com a colocação de guaritas na entrada, impedindo ou limitando a entrada de pessoas que não residam nas unidades autônomas que o integram, é legal e devidamente disciplinada pela Lei Federal n.º4.591/1964. O que se verifica na prática, entretanto, é a aprovação de loteamentos, com fundamento da Lei Federal n.º6.766/79, mas com características externas de condomínio residencial. Referida prática, como será demonstrado, é ilegalidade, com repercussão não apenas na estrutura urbanística dos centros urbanos, limitando o direito de ir e vir, mas também interferindo na relação entre os próprios moradores do "loteamento atípico" quando da cobrança de taxas de manutenção, por exemplo.


4. Do "Loteamento Fechado"

Muitos loteamentos, apesar de aprovados sob a égide da Lei Federal n.º6.766/79, têm assumido a forma de condomínios, com a limitação de acesso às suas áreas internas, constituindo o que se convencionou a chamar de “loteamentos fechados” ou "loteamento atípicos". O “loteamento fechado”, entretanto, apesar de visualmente aparentar tratar-se de condomínio disciplinado pela Lei Federal nº 4.591/64, constitui instituto de natureza e regulamentação jurídica diversa deste. A confusão que se faz entre os referidos institutos se dá em virtude da transformação, sem amparo legal, de loteamentos em verdadeiros condomínios fechados. Desse modo, o parcelamento urbano, aprovado nos moldes insculpidos na Lei Federal n.º6.766/79, passa a ter a configuração externa de condomínio, revestindo-se de tal forma em virtude apenas da sua aparência.

O loteamento, que inicialmente possui as vias internas livres e acessíveis a todo e qualquer munícipe, uma vez que se tratam de áreas públicas, têm seus acessos bloqueados com a instalação de "guaritas" de segurança na entrada principal para controlar a entrada e saída de pessoas. O acesso ao loteamento, agora fechado, fica limitado a moradores e visitantes destes.

A justificativa de limitação às áreas internas do loteamento fundamenta-se especialmente na necessidade de conferir maior segurança aos moradores, bem como, de prestação de serviços de manutenção típicos de condomínio, como a limpeza das vias internas, a poda de árvores, dentre outros. Além disso, por demonstrar maior conforto e segurança, com possibilidade de oferecimento de áreas verdes e de lazer privativos, implicam a valorização dos imóveis, constituindo bom negócio ao loteador.

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O “Loteamento fechado”, segundo lição do Professor José Afonso da Silva:

Constitui modalidade especial de aproveitamento condominial de espaço para fins de construção de casas residenciais térreas ou assobradadas ou edifícios. Caracteriza-se pela formação de lotes autônomos com áreas de utilização exclusiva de seus proprietários, confinando-se com outras de utilização comum dos condôminos.1 ( p. 350)

A disseminação da figura do loteamento fechado nos municípios da federação vem criando sérios problemas jurídico-urbanísticos em virtude da falta de regulamentação satisfatória que discipline a matéria. O autor em referência, inclusive, afirma que os “loteamentos fechados” juridicamente não existem2 .

Um dos conflitos que se estabelecem entre os próprios moradores diz respeito às taxas condominiais. Os loteamentos, quando implementados, possuem suas vias abertas, com acesso livre a qualquer indivíduo. Nesta configuração, a manutenção dos equipamentos públicos, como limpeza e coleta de lixo, fica sob a responsabilidade do Poder Público. Desse modo, não há que se falar em contribuição dos moradores para o pagamento das despesas coletivas.

Entretanto, geralmente após a instituição das associações, os loteamentos transformam-se em verdadeiros condomínios residenciais, com a colocação de guaritas e cobrança de taxa condominial. A despesa com a manutenção do condomínio, que não estava inicialmente nos planos de gastos dos moradores, são praticamente impostos, causando muitas vezes desconforto e constrangimento para aqueles moradores que se negam a pagar.

Referida situação é comum na seara jurídica, já havendo pronunciamentos dos tribunais pátrios sobre a demanda em comento. A matéria de fundo discutida analisa o confronto entre o direito consagrado nos incisos II e XX do art. 5.º da Constituição Federal, que protege a liberdade de associação, e o princípio geral de direito que veda o enriquecimento sem causa, com fundamento no art. 884 do Código Civil.

O Superior Tribunal de Justiça advoga a tese da liberdade de associação, entendendo que não podem ser cobradas taxas de manutenção aos moradores de loteamento fechados que não sejam associados e que não anuíram com a sua instituição. Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. TAXAS DE MANUTENÇÃO DO LOTEAMENTO. IMPOSIÇÃO A QUEM NÃO É ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE. I- As taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo. Precedentes.

II- Orientação que, por assente há anos, é consolidada neste Tribunal, não havendo como, sem alteração legislativa, ser revista, a despeito dos argumentos fático-jurídicos contidos na tese contrária.

III- Recurso Especial provido. (Resp 1.020.186/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira turma, DJe 24/11/2010).

O mesmo tribunal tem precedente minoritário em posição diversa da transcrita nas linhas precedentes:

Civil. Agravo no recurso especial. Loteamento aberto ou fechado. Condomínio atípico. Sociedade prestadora de serviços. Despesas. Obrigatoriedade de pagamento.

- O proprietário de lote integrante de loteamento aberto ou fechado, sem condomínio formalmente instituído, cujos moradores constituíram sociedade para prestação de serviços de conservação, limpeza e manutenção, deve contribuir com o valor correspondente ao rateio das despesas daí decorrentes, pois não se afigura justo nem jurídico que se beneficie dos serviços prestados e das benfeitorias realizadas sem a devida contraprestação. Precedentes. (AgRgResp 490.419/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira turma, DJe 30/06/2003, p. 248).

A matéria, portanto, não está pacificada. É possível encontrar decisões proferidas pelos tribunais de justiça de diversos estados entendendo que, apesar do proprietário de imóvel inserido no "loteamento fechado" não ter a obrigação de pagar taxa, deve pagar pelos serviços que efetivamente desfrute, porque, do contrário, estar-se-ia violando o princípio que proíbe o enriquecimento sem causa.

O Tribunal de Justiça da Bahia, inclusive, já se pronunciou sobre a cobrança de taxa nos "loteamentos atípicos". Em uma das oportunidades, a Juíza Relatora, nos autos do processo de n.º 31699-7/2004 - Cível, entendeu que é dever de todos os moradores o rateio das despesas de conservação, manutenção, conforto, segurança, obras e serviços. Segue ementa do julgado em referência:

1. LOTEAMENTO FECHADO, CONSTITUÍDO POR LOTES, FORMANDO, CADA UM DELES, UMA UNIDADE AUTÔNOMA.

2. CONDOMÍNIO. DESPESAS CONDOMINIAIS. PRETENDIDA EXONERAÇAO DO PROPRIETÁRIO, DO PAGAMENTO DE SUA QUOTA-PARTE NAS DESPESAS COMPROVADAMENTE EFETUADAS EM PROL DA COMUNIDADE. OBRIGATORIEDADE DA CONTRIBUIÇAO SERVIÇOS POSTOS À SUA DISPOSIÇAO.

3. O PROPRIETÁRIO DE LOTE INTEGRANTE DE LOTEAMENTO, SEM CONDOMÍNIO LEGALMENTE CONSTITUÍDO, CUJOS MORADORES CONSTITUÍRAM SOCIEDADE PARA PRESTAÇAO DE SERVIÇOS DE CONSERVAÇAO, LIMPEZA E MANUTENÇAO, DEVE CONTRIBUIR COM O VALOR CORRESPONDENTE DAS DESPESAS DAÍ DECORRENTES, POIS NAO SE AFIGURA JUSTO NEM JURÍDICO QUE SE BENEFICIE DOS SERVIÇOS PRESTADOS E DAS BENFEITORIAS REALIZADAS, SEM A DEVIDA CONTRAPRESTAÇAO (STJ, 3ª TURMA, RESP Nº 490419/SP).

4. SENTENÇA MANTIDA. 5. RECURSO IMPROVIDO. (31699 BA 31699-7/2004, Rel. Sara Silva de Brito, Terceira turma Recursal dos Juizados Especiais e Criminais).

A permissividade da instituição e manutenção dos "loteamentos atípicos" gera problemas urbanísticos que precisam ser enfrentados e resolvidos. Como já visto, existe lei regulamentando a figura do loteamento (Lei Federal n.º6.766/79) e do condomínio (Lei Federal n.º4.591/1964), de modo que, a primeira atitude a ser tomada é a implementação de políticas públicas urbanísticas que devolvam aos munícipes os espaços públicos ilegalmente privatizados.

Alguns municípios prevêem em suas legislações a possibilidade de regularização de loteamentos ilegalmente convertidos em “loteamentos fechados”, porém, implantados segundo a Lei Federal n.º6.766/79. A tentativa de legitimar referidos loteamentos por meio de regramento legal, entretanto, tem sido alvo controle de constitucionalidade, a exemplo do julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº. 087.654.0/0-00, cujo pedido foi julgado procedente, com a ementa assim elaborada:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI – Loteamento de forma fechada – adoção para loteamento já existente – Impossibilidade – Transgressão à regra do artigo 180, VII, da Constituição Estadual.

“Considera-se ofensivo ao artigo 180, VII, da Constituição do estado dispositivo de lei municipal que autoriza a formação de loteamento fechado para o loteamento já existente, de modo que possa ocorrer o desvirtuamento das funções das áreas verdes ou institucionais especificadas no projeto original do loteamento.”

Em algumas situações, o Município transfere as áreas públicas internas para as associações responsáveis pela administração dos loteamentos de forma fechada por meio de concessão de direito real de uso, permissão de uso, autorização de uso, ou até mesmo permuta. Ou seja, por meio de instrumentos jurídicos legítimos busca-se regularizar situação evidentemente ilegal.

As vias internas públicas bem como as áreas verdes do loteamento são de uso comum do povo, de modo que a sua utilização exclusiva é exceção, uma vez que existem requisitos legais expressos para a utilização de bens públicos por particulares. O regime jurídico dos bens públicos possui certas prerrogativas, uma vez que visa proteger o conjunto de bens pertencentes à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que são marcados pela inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade.

A Constituição Federal determina que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público” (inc. I do art. 23). Desse modo, o uso do bem público exige cuidados especiais quando se trata da transferência da sua posse direta a um terceiro (particular ou outro ente público). O interesse público e a sua supremacia hão de ser considerados no momento da escolha dos instrumentos de transferência, de posse ou titularidade do bem público a particular. Ademais, sempre que houver conflito entre um interesse particular e um interesse público coletivo deve prevalecer o interesse público.

Como bem observa José dos Santos Carvalho Filho:

O Poder Público sempre deve preferir a adoção das formas regidas pelo direito público, tendo em vista que, em última análise, o uso incide sobre bens do domínio público, no entanto, nos faz recordar que existem formas de Direito Privado utilizáveis pelos entes públicos titulares dos bens para transferir a posse direta, sem alterar a propriedade 3.

É evidente a ilegalidade dos "loteamentos fechados". Nem mesmo a justificativa de possível garantia de maior segurança legitima a implementação de uma situação que contraria dispositivos expressos de lei. O Município não deve assumir o ônus gerado pelo déficit de segurança pública do Estado, convalidando a permanência dos "loteamentos fechados" quando existe previsão legal disciplinando as figuras distintas do loteamento e do condomínio.

É, portanto, inconstitucional qualquer legislação que legitime a figura do "loteamento atípico", em evidente cerceamento do livre direito de ir e vir conferido a todos os cidadãos. Além de não ser possível impedir o acesso aos moradores de ditos loteamentos por falta de pagamento da criativa "taxa condominial", também não é legal limitar ou impedir o livre trânsito de qualquer pessoa nas áreas internas dos "loteamentos fechados", ainda que tal limitação esteja condicionada apenas a apresentação de documento pessoal.

Nesse passo, cumpre destacar alguns dispositivos presentes no art. 5.º da Carta Constitucional, reforçando o quanto expedido nas linhas precedentes:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (...) XV — é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; (...) XX — ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

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Sobre a autora
Renata Rocha

Advogada, mestra em Direito (UFBA/BA), especialista em Direito Urbanístico e Ambiental e Coach. Instagram: @renatarochassa; Blog: www.renatarocha.net.br; Email: [email protected].

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Renata. Loteamentos fechados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5262, 27 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43958. Acesso em: 26 abr. 2024.

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