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Reforma tributária desfigurada

13/10/2003 às 00:00
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A persistir essas pressões incompreensíveis dos senhores governadores, o melhor a fazer é o governo central retirar a PEC nº 41, deixando para outra oportunidade a implantação de uma reforma em maior profundidade.

Quando apresentamos o Relatório da Comissão de Estudos [1], constituída pelo Instituto dos Advogados de São Paulo - IASP - para o exame da PEC nº 41/03, deixamos consignado, logo de início, que salvo a inovação representada pela unificação da legislação do ICMS, tudo mais afastava-se das premissas colocadas na longa exposição de motivos, centrada na reforma estrutural para desenvolvimento da economia visando aumento de produtividade, de renda e de geração de empregos.

Naquele Relatório, apontamos o inevitável aumento de carga tributária, não só, pela perenização da CPMF como fonte de custeio da Seguridade Social seguida de elevação de sua alíquota, como também, pela progressividade conferida a impostos estaduais e municipais, que a experiência cotidiana tem demonstrado que não passa de um instrumento confiscatório, alheio ao princípio da capacidade contributiva, ou à função ordinatória.

A PEC nº 41, cujo Relatório já foi elaborado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, apesar da neutralidade, proclamada enfaticamente pelos governistas, ela contém tudo para elevar o nível de imposição. E mais, esse Relatório compensa o aumento da arrecadação com a manutenção de incentivos fiscais, anulando as vantagens da unificação da legislação do ICMS. Além de impor pesadas perdas de receitas aos Estados, violando os princípios da universalidade e da generalidade da tributação, reintroduz as ´´guerras tributárias´´ entre os Estados. Agora, os governadores de Estados estão exercendo inusitadas pressões contra o Congresso Nacional, para: a) por meio de uma inovação que atenta contra os princípios constitucionais concernentes ao Sistema Tributário Nacional, obter repartição do produto de arrecadação da CPMF e da CIDE; b) permitir a desvinculação parcial das receitas orçamentárias, criando um ´´fundo´´ a exemplo do que a União vem fazendo desde a Emenda Revisional nº 1/94, inicialmente, com o nome de Fundo de Social de Emergência, depois, Fundo de Estabilização Fiscal e agora, inominado. Outrossim, a desvinculação de receitas pleiteada pelos Estados fere duplamente o princípio da destinação específica dos tributos, prevista na Constituição Federal: primeiramente, a repartição dos produtos de arrecadação das contribuições, por si só, implica subtração de recursos destinados à Seguridade Social (CPMF) e à ordenação do setor de importação e comercialização do petróleo e seus derivados (Cide); em segundo lugar, com a desvinculação de receitas orçamentárias de natureza tributária, retira-se recursos financeiros de destinação específica (previdência, saúde, assistência social, educação) implicando entrega de cheque em branco aos Executivos estaduais para gastarem à sua discrição, refugindo do princípio da legalidade das despesas públicas, espinha dorsal da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ora, essas pressões não são legítimas, data venia, pois, os Estados já dispõem de representantes no Parlamento, que são os Senadores da República. Quem tem legitimidade para pressionar o Parlamento Nacional é o povo, para atenuar a carga tributária, que vem se elevando de forma insuportável, impedindo o desenvolvimento pleno das atividades econômicas. Outrossim, os senhores governadores, possuídos pela sanha arrecadatória sem limites, não conseguem perceber que as contribuições sociais, ao contrário dos impostos, são exações intrínsecas, isto é, receitas vinculadas à finalidade que ensejou a sua criação. Não têm finalidade arrecadatória como os impostos. Querer repartir o produto da arrecadação de tributo destinado a custear a Seguridade Social, por exemplo, é o mesmo que pretender a sua quebra, o seu desmonte ou a sua implosão. E criar ´´fundinhos´´ estaduais é o mesmo que pretender o descumprimento de normas orçamentárias essenciais ao perfeito controle e fiscalização de gastos públicos pelo Legislativo, com auxílio do Tribunal de Contas.

Se essas pressões, que não encontram respostas na racionalidade, vincarem, não restará outra alternativa à União senão promover o aumento brutal dos tributos de sua competência, sob pena de desequilíbrio enorme das contas públicas, implicando desobediência aos princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal que, diga-se de passagem, já não vêm sendo cumpridos a contento. E esse desequilíbrio enorme não pode haver em um país que deve, no exterior, mais de US$215 bilhões, e que tem o compromisso de pagar ao FMI cerca de US$7,4 bilhões, no segundo semestre deste ano.

Claro que, dentro desse quadro nada promissor, o país sofre ingerências externas e deve curvar-se ao monitoramento do FMI que, certo ou errado, não importa, elegeu o princípio do equilíbrio orçamentário [2] como um fim em si mesmo, nada importando as desastrosas conseqüências sociais do país devedor.

A persistir essas pressões incompreensíveis dos senhores governadores, o melhor a fazer é o governo central retirar a PEC nº 41, deixando para outra oportunidade a implantação de uma reforma em maior profundidade, inclusive, com alteração do pacto federativo no que diz respeito a melhor distribuição do bolo tributário entre as entidades componentes da Federação. Seria a melhor solução, mesmo porque muitas das medidas previstas na PEC 41 independem de reforma constitucional, podendo serem implementadas por leis infraconstitucionais.


Nota

01. O relatório contendo 41 sugestões foi encaminhado pelo IASP aos Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Comissão Especial de Reforma Tributária e ao Relator dessa Comissão. Disponível em: jus.com.br/revista/texto/16588

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02. Esse princípio é um meio para equilibrar a economia, de sorte que não pode ser imposto a todo custo.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Reforma tributária desfigurada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 102, 13 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4397. Acesso em: 25 dez. 2024.

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