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CPMF. Um tributo que nasceu sob o estigma do caos

09/10/2003 às 00:00
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A mídia tem trazido ao conhecimento de todos a enorme pressão que os governadores estão exercendo sobre o Parlamento Nacional, para abocanharem uma fatia da CPMF que, pela PEC nº 41/03, é incluída no Sistema Tributário Nacional como receita permanente da Seguridade Social, onde se insere a previdência social.

Esse tributo nasceu sob o estigma do caos, para implodir o Sistema Tributário Nacional, esculpido pelo legislador constituinte originário, com base em sólidos fundamentos doutrinários, paciente e eficientemente construídos ao longo das décadas. Diz o ditado popular que ''a árvore que nasce torta nunca endireita''. Há de ser extirpada pela raiz. É o caso da CPMF.

Sua origem está na polivalente Emenda de nº 3/93, cujo art. 2º autorizou que a lei complementar instituísse o chamado Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira - IPMF - até 31 de dezembro de 1994, fixando uma alíquota máxima de vinte e cinco centésimos por cento.

Assim, veio à luz a Lei Complementar nº 77/93, criando o IPMF e definindo seu fato gerador. Era o início do desrespeito sistemático dos princípios constitucionais tributários. Para resolver situação momentânea de caixa, a União deixou de instituir imposto de sua competência (Imposto sobre Grandes Fortunas) para lançar mão de um imposto novo, porém, com total insubmissão às regras traçadas pelo legislador constituinte originário (art. 154, I da CF).

Animada pela decisão da Corte Suprema, que limitou-se a fulminar a referida legislação no que diz respeito à supressão dos princípios da anterioridade e da imunidade recíproca, a União patrocinou a Emenda de nº 12/96, que possibilitou a recriação desse IPMF, sob o rótulo de CPMF, para financiar ações e serviços de saúde por meio do Fundo Nacional de Saúde. Dessa forma, veio à luz a Lei nº 9.311, de 24-10-96, prevendo sua cobrança por treze meses, prazo esse prorrogado, posteriormente, pela Lei nº 9.539, de 12-12-97, para vigorar até 21-1-99, perfazendo o período autorizado pela Emenda nº 12/96.

Nova Emenda, a de nº 21/99, prorrogou por mais trinta e seis meses a cobrança da CPMF mediante prorrogação, por idêntico prazo, da Lei nº 9.311/96, alterada pela Lei nº 9.539/97, com alíquota de trinta centésimos por cento a partir do exercício de 1999 até 2001. O produto da arrecadação, decorrente do aumento da CPMF foi destinado ao custeio da previdência social.

Mesmo tendo a Emenda nº 12/96 prorrogado a vigência de uma lei já caduca, inexistente no mundo jurídico, incorrendo em vício de inconstitucionalidade formal e material, a cobrança da CPMF continuou, salvo no curto período de vigência das liminares concedidas em vários juízos, afinal todas elas cassadas pela Corte Suprema.

Confortada pela decisão do Supremo Tribunal Federal, o Leão Federal editou a Medida Provisória nº 2.037-21, de 25-8-00, regulamentada pela Instrução Normativa nº 89, de 18-9-00, da SRF, determinando que as instituições financeiras debitem nas contas de seus clientes a CPMF não retida, por força das liminares, acrescida de juros e multa. Violentou-se não só o direito de quem agiu de conformidade com a decisão judicial, hipótese em que o CTN o coloca a salvo de qualquer punição, como também atropelou-se a regra contida no § 2º do art. 63 da Lei nº 9.430/96, segundo o qual, a concessão de medida liminar suspende a incidência da multa até trinta dias após a data da publicação da decisão judicial que considerar devido o tributo.

Por derradeiro, sob intensa pressão do FMI, a Lei nº 9.311/96 foi novamente prorrogada pela Emenda nº 37, de 12-6-02, para vigorar até 31-12-04, com a alíquota de trinta e oito centésimos por cento, nos exercícios de 2002 e 2003, e de oito centésimos por cento para o exercício de 2004. O produto de sua arrecadação nos exercícios de 2002 e 2003, a parcela correspondente a 20% é destinada ao Fundo Nacional de Saúde; dez centésimos por cento ao custeio da Previdência Social; e oito centésimos, ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. No exercício de 2004 a alíquota será de oito centésimos por cento, quando será integralmente destinada ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.

Agora, acha-se em tramitação a PEC nº 41/03, que implanta a reforma tributária, prevendo a CPMF como fonte de receita permanente da Seguridade Social, com alíquota máxima de trinta e oito centésimos por cento e mínima de oito centésimos por cento, facultado ao Executivo reduzi-la ou restabelecê-la, total ou parcialmente, nas condições e limites fixados em lei.

Quando se imaginava que, finalmente, a CPMF amoldou-se à espécie tributária própria, com a destinação específica de recursos por ela propiciados, eis que uma outra PEC, a de nº 40/03, relativa à reforma da previdência, propõe a desvinculação de 20% dessa receita vinculada à Seguridade Social.

Desta forma, a CPMF, agora, com o nome de ''Contribuição sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira'' passa a ter um caráter híbrido, isto é, meio imposto e meio contribuição. Essa espécie de ''leão alado'' não é reconhecida pelo Sistema Tributário Nacional, esculpido no texto original da Constituição Federal.

Ora, se é contribuição social, a totalidade do produto de sua arrecadação deve ser destinada ao custeio da despesa que motivou sua instituição. Do contrário, a rígida discriminação constitucional de impostos (art. 153, 155 e 156 da CF) seria inócua, inútil e desnecessária.

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Como se não bastasse essa deturpação da CPMF, agora, são os governadores que estão exercendo uma pressão ilegítima sobre o Congresso Nacional para desfigurar ainda mais o Sistema Tributário, exigindo repartição do produto da arrecadação da contribuição securitária, como se de imposto tratasse, sem menor consideração com os aspectos jurídicos constitucionais.

Ainda que legítima fosse essa pressão, e não o é, qualquer tentativa de aumentar o percentual de repartição do produto da arrecadação tributária da União deve, necessariamente, implicar tão só na elevação das alíquotas previstas no art. 159 da CF que, diga-se de passagem, a PEC nº 41/03 está elevando o percentual global de 47% para 49%.

Como referido no título deste artigo, a CPMF nasceu sob o estigma do caos. É uma árvore que nasceu torta; não tem conserto; impõe-se sua extirpação do mundo jurídico, antes que destrua todo Sistema Tributário, pelo péssimo exemplo que ela representa.

Nasceu como imposto (IPMF), típico tributo do tipo captação de riqueza produzida pelo particular. Por isso, o imposto recai e deve recair exclusivamente sobre circulação de riqueza, sob pena de afrontar o princípio que veda o efeito confiscatório do tributo. Assim, sua origem já é uma aberração. Ao invés de incidir sobre circulação de riqueza, incide sobre movimentação de dinheiro, que nem sempre faz circular riqueza. Quem não acreditar é só ficar transferindo seus recursos financeiros de uma conta bancária para outra conta de que é titular, durante um mês! No final do período terá uma surpresa desagradável!

Ao depois, essa exação fiscal, já com a roupagem de CPMF, foi sendo parcial e sucessivamente vinculada à Saúde, à Previdência Social, à Assistência Social (Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza) para, finalmente, integrar a receita da Seguridade Social como um todo, na forma proposta pela PEC nº 41/03.

Parece inacreditável, mas essa contribuição social de natureza obrigatoriamente vinculada à despesa pública específica, nasceu antes da criação dessa despesa. Depois de instituída a contribuição de natureza vinculada foi-se vinculando parte aqui, parte lá, parte acolá, até descobrir o custeio da Seguridade Social, ao qual passará ficar atrelada a referida contribuição, a partir da aprovação da Pec 41/03. Em outras palavras, o parto antecedeu à gravidez.

Esse tributo, filho do acaso e do caos, continuará dando muito trabalho a todos, enquanto existir. É chegado o momento de cortar o mau pela raiz, expurgando-o definitivamente do firmamento jurídico nacional.

E mais, a continuar as pressões dos governadores para repartir o produtos da arrecadação da CPMF e da CIDE, o que, necessariamente, implicará aumento da carga tributária, além de tentar manter os incentivos fiscais, que contrastam com a almejada unificação de mercados do cone sul, seria preferível o governo federal retirar a Pec 41/03 em discussão. Prestaria um grande serviço à Nação.

Essa reforma, que não é urgente, como vem sendo proclamado pelo governo, e equivocadamente aceito pela população leiga, poderia ser reapresentada em outra oportunidade, e em novas bases, depois de amplamente discutido o respectivo projeto com setores representativos da sociedade civil, de sorte que, o seu conteúdo represente, efetivamente, os objetivos elencados na exposição de motivos da Pec 41/03, a começar pela desoneração do setor produtivo desse nível de imposição sem precedentes, que vem atravancando o desenvolvimento sócio-econômico do País, gerando uma crescente multidão de desempregados.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. CPMF. Um tributo que nasceu sob o estigma do caos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 98, 9 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4399. Acesso em: 22 dez. 2024.

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