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A Reforma Tributária e o desenvolvimento econômico

13/10/2003 às 00:00
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1. Introdução

          O Estado como ente organizado nasce da concepção do "contrato social", onde, de um lado temos o cidadão se submetendo a regras de convivência social, e de outro, a criação de um ente ficto que manterá uma estrutura para proporcionar o bem comum a todos os cidadãos.

          No estado nacional o papel desse ente ficto está estabelecido no artigo 3º da Constituição Federal, transcrito in verbis:

          "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

          I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

          II – garantir o desenvolvimento nacional;

          III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

          IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

          Dessa forma, para que o estado cumpra o seu papel, duas atividades serão inerentes à sua existência: administrativa e financeira.

          A atividade administrativa consiste justamente na execução e no pleno exercício de atividades que propiciem o bem comum previsto no artigo 3º da Constituição Federal anteriormente citado.

          Porém, para o cumprimento da atividade administrativa é sabido que será necessário a realização de despesas públicas que trata do empenho da receita pública para o pleno funcionamento Estado.

          De outro lado, teremos a atividade financeira do Estado consistente na arrecadação de recursos financeiros necessários para implementar as atividades administrativas e atingir o bem comum. Basicamente, o Estado para o cumprimento de sua atividade administrativa buscará recursos através de fontes de receitas originárias e derivadas. As originárias compreendem a arrecadação proveniente da própria exploração dos bens públicos através da cobrança do preço público. Já a derivada pressupõe a arrecadação através da atividade tributária (impostos, taxas e contribuições) e da aplicação de penalidades pelo Estado.

          Nesse ponto é que encontramos a ligação entre a reforma tributária em discussão no Congresso Nacional e o custo tributário.

          É que é sabido que sendo a fonte derivada a principal fonte de receita pública, é dela que o Estado extrai os recursos necessários ao cumprimento de sua função constitucional.

          Ocorre, que por várias razões, há muito tempo o caixa governamental não consegue estabelecer uma relação de equilíbrio entre despesas e receitas, até que chegou-se a brilhante idéia de uma reforma tributária.

          Ora, será a reforma tributária a solução para o déficit do caixa governamental ?

          Poderia até ser, no entanto, como se vê ao longo da história, sempre que o caixa for insuficiente para o pagamento das despesas, a solução primária é a de reavaliar os custos, o que me parece não ter sido feito a bom termo no Brasil.

          Por outro lado, é de se considerar também que a atividade tributária serve como instrumento regulamentador, permitindo a intervenção econômica no mercado por parte do governo, de forma a restabelecer o equilíbrio social, o que parece que também não vem sendo realizado muito bem no Brasil, o que justificaria em parte uma reforma tributária.

          Em princípio temos duas resposta, - a reforma tributária não é a solução única para o déficit do caixa governamental; - a reforma tributária pode permitir um ajuste no equilíbrio social através de uma intervenção coerente.


2. Principais pontos da reforma tributária em discussão e suas conseqüências

          Longe de um consenso sobre a redação final do projeto de reforma, muitas discussões pairam nos corredores do Congresso Nacional.

          Ocorre, que a população brasileira acompanha estarrecidamente pelos noticiários o desembaraçar da tal reforma tributária e se assusta com a negociata que norteia o tema, haja vista que o seu epicentro é justamente o aumento da carga tributária, como se vê dos principais pontos de alteração:

TRIBUTO

SITUAÇÃO HOJE

PROPOSTA

OBJETIVO

EFEITOS

ICMS

Possui hoje 27 legislações de âmbito estadual com 44 alíquotas distintas

Teria uma legislação única federal com 5 alíquotas, cabendo aos Estados a classificação dos produtos por alíquotas

Eliminar a guerra fiscal existente entre os Estados

A tendência é que para compensar o caixa, os Estados apliquem a alíquota máxima em quase todos os produtos

COFINS

É disciplinada por legislação federal com alíquota em regra de 3% sobre o faturamento das empresas e é cumulativa em cada etapa de produção

Deixará de ser cumulativa, porém, incidirá sobre o valor adicionado, ou seja, sobre o ganho que ocorrer em cada etapa de produção

Baratear o custo dos produtos que passam por várias etapas de produção

A alíquota deverá subir para compensar uma eventual perda de receita

CPMF

É provisória e incide no percentual de 0,38% sobre as operações em conta corrente bancária

Torna-se definitiva e terá alíquotas variáveis, sendo o máximo de 0,38%

Fonte adicional de arrecadação

Por se tornar imposto, poderá ocorrer aumento na alíquota, inclusive superior ao da proposta

CIDE

Incide sobre a venda de combustíveis de forma a regular o mercado

Os Estados passariam a receber 25% da arrecadação do tributo

Reestruturar o caixa dos Estados

O Governo federal pode ser pressionado pelo aumento na alíquota

IPI

Incide sobre os produtos industrializados e possui alíquotas que variam de 0 a 300%

Excluir a incidência sobre bens de produção

Estimular investimentos em produção

Pode provocar uma substancial queda na arrecadação o que geraria necessidade de compensação em outros tributos

PIS

Incide sobre o faturamento nas etapas de produção com alíquota de 1,65%

Passará a incidir também sobre as importações

Equilibrar o mercado interno com o mercado externo

Elevação da receita

ITBI

Possui alíquota de 2% e incide sobre a movimentação de bens imóveis

Progressividade da alíquota

Redistribuição de renda

Aumento desenfreado das alíquotas que são fixadas pelos municípios

IMPOSTO SOBRE HERANÇA

Atual ITCMD tem alíquota uniforme de 4%

Progressividade da alíquota

Redistribuição de renda

Aumento desenfreado das alíquotas que são fixadas pelos Estados, podendo chegar a 15%

IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO

Recai sobre produtos importados com alíquota variável

Incidiria também sobre serviços

Equilibrar o mercado interno com o mercado externo

Elevação de receita

IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO

Recai sobre produtos exportados com alíquota variável

Incidiria também sobre serviços

Uniformizar a atividade econômica

Perda de competitividade externa

IPVA

Incide sobre veículos automotores com alíquotas fixas por tipo de veículo

Sobre veículos aéreos e aquáticos as alíquotas seriam diferenciadas

Justiça tributária

Aumento das alíquotas que são fixadas pelos estados

TAXA DO LIXO

São cobradas por alguns municípios sobre a produção individual de lixo

Previsão constitucional

Evitar questionamentos judiciais

Abuso por partes dos municípios na fixação das alíquotas

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Fonte: Folha de São Paulo24/08/2003 A8; Folha de São Paulo 07/09/2003 A13

          Como se vê, a maior preocupação dos especialistas é que a mobilidade na fixação das alíquotas permitirá uma maior liberdade por parte dos entes tributantes na movimentação dessas alíquotas, e que ninguém duvide – para cima.

          Dois pontos neste sentido nos preocupam, de um lado é a forma como a questão está sendo dirigida, e de outro, é a manutenção da incidência da carga tributária sobre produção, consumo e investimento.

          No tocante a condução do processo de reforma tributária o que se assiste é desolador, chega a ser pior que as noticias de violência urbana noticiadas diariamente, posto que violam o que há de mais importante para o ser humano – a esperança.

          Estamos vendo o futuro do Brasil sendo traçado por negociatas, ferindo as bases do Estado Democrático de Direito, pois a população que pagará o custo advindo da reforma ainda não foi ouvida no processo, apenas assiste.

          A condução nos apresenta uma situação unilateral (só o estado está participando), impositiva e injusta, ferindo essencialmente o que insculpiu o próprio legislador no inciso I do artigo 3º sobre os objetivos nacionais : I – construir uma sociedade livre, justa e solidária.

          Por outro lado, a manutenção voraz da incidência da carga tributária sobre produção, consumo e investimento levará a instituição de um freio no processo de desenvolvimento econômico nacional, e frise-se, - é a atividade produtiva a única saída para nos tornarmos um país desenvolvido e com mínimas desigualdades sociais.


3. Custo tributário

          Talvez algumas pessoas ainda estejam indiferentes a essa discussão da reforma tributária e o possível aumento no custo tributário, mas essa indiferença não se justifica em razão dos números alarmantes que estamos produzindo em matéria tributária.

          Senão vejamos:

DÉCADA/ANO

CUSTO TRIBUTÁRIO MÉDIO ANUAL FAMILIAR (4 PESSOAS)

Nº DE DIAS DE TRABALHO PARA PAGAR A CARGA TRIBUTÁRIA FAMILIAR

70

07,00%

25 dias

80

12,00%

44 dias

90

14,00%

51 dias

2000

24,00%

88 dias

2002

27,00%

98 dias

Fonte: IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário

          E o que mais impressiona é que essa escala crescente não para, tanto que os especialistas estimam que em 2003 o custo médio familiar será de 36% da renda o que implicaria em uma média de 133 dias trabalhados no ano para pagar tributos.

          Para impressionar um pouco mais, podemos fazer essa mesma estimativa sobre o prato do brasileiro:

PRODUTO

INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA MÉDIA

Arroz, feijão, farinha, óleo, sal, margarina, leite, carne, pão, ovo, pescado, queijo

14,71%

Macarrão

25,71%

Açúcar

18,83%

Frutas, legumes e hortaliças

07,71%

Fonte: Fórum Brasil Cidadão

          Ou seja, existem produtos da mesa do brasileiro que poderiam chegar ¼ mais baratos, o que nos faz concluir, data máxima vênia, "a fome é zero" mais o tributo é alto ! ".


4. Conclusão

          Claro está que existe um erro de avaliação, uma vez que se está depositando na reforma tributária todas as esperanças para que o país retome o crescimento a partir do equilíbrio do caixa governamental, no entanto, não é o governo a mola mestra para o desenvolvimento econômico e sim a atividade empresarial.

          Só que a atividade empresarial não vai poder se desenvolver porque a produção no país é mais cara que a especulação; sem produção não temos emprego; sem emprego não temos consumo; sem consumo não temos empresas; sem empresas não temos desenvolvimento econômico.

          Ou seja, estamos entrando no círculo vicioso do anti-desenvolvimento que vai levar o país para um precipício sem precedentes, e assim fica a pergunta: - quem vai cumprir o inciso II do artigo 3º da Constituição Federal?

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Sobre o autor
Sérgio Gabriel

advogado na área empresarial em São Paulo, professor da Universidade São Francisco, coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Cruzeiro do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GABRIEL, Sérgio. A Reforma Tributária e o desenvolvimento econômico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 102, 13 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4405. Acesso em: 25 abr. 2024.

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