1. Introdução
O Estado como ente organizado nasce da concepção do "contrato social", onde, de um lado temos o cidadão se submetendo a regras de convivência social, e de outro, a criação de um ente ficto que manterá uma estrutura para proporcionar o bem comum a todos os cidadãos.
No estado nacional o papel desse ente ficto está estabelecido no artigo 3º da Constituição Federal, transcrito in verbis:
"Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."
Dessa forma, para que o estado cumpra o seu papel, duas atividades serão inerentes à sua existência: administrativa e financeira.
A atividade administrativa consiste justamente na execução e no pleno exercício de atividades que propiciem o bem comum previsto no artigo 3º da Constituição Federal anteriormente citado.
Porém, para o cumprimento da atividade administrativa é sabido que será necessário a realização de despesas públicas que trata do empenho da receita pública para o pleno funcionamento Estado.
De outro lado, teremos a atividade financeira do Estado consistente na arrecadação de recursos financeiros necessários para implementar as atividades administrativas e atingir o bem comum. Basicamente, o Estado para o cumprimento de sua atividade administrativa buscará recursos através de fontes de receitas originárias e derivadas. As originárias compreendem a arrecadação proveniente da própria exploração dos bens públicos através da cobrança do preço público. Já a derivada pressupõe a arrecadação através da atividade tributária (impostos, taxas e contribuições) e da aplicação de penalidades pelo Estado.
Nesse ponto é que encontramos a ligação entre a reforma tributária em discussão no Congresso Nacional e o custo tributário.
É que é sabido que sendo a fonte derivada a principal fonte de receita pública, é dela que o Estado extrai os recursos necessários ao cumprimento de sua função constitucional.
Ocorre, que por várias razões, há muito tempo o caixa governamental não consegue estabelecer uma relação de equilíbrio entre despesas e receitas, até que chegou-se a brilhante idéia de uma reforma tributária.
Ora, será a reforma tributária a solução para o déficit do caixa governamental ?
Poderia até ser, no entanto, como se vê ao longo da história, sempre que o caixa for insuficiente para o pagamento das despesas, a solução primária é a de reavaliar os custos, o que me parece não ter sido feito a bom termo no Brasil.
Por outro lado, é de se considerar também que a atividade tributária serve como instrumento regulamentador, permitindo a intervenção econômica no mercado por parte do governo, de forma a restabelecer o equilíbrio social, o que parece que também não vem sendo realizado muito bem no Brasil, o que justificaria em parte uma reforma tributária.
Em princípio temos duas resposta, - a reforma tributária não é a solução única para o déficit do caixa governamental; - a reforma tributária pode permitir um ajuste no equilíbrio social através de uma intervenção coerente.
2. Principais pontos da reforma tributária em discussão e suas conseqüências
Longe de um consenso sobre a redação final do projeto de reforma, muitas discussões pairam nos corredores do Congresso Nacional.
Ocorre, que a população brasileira acompanha estarrecidamente pelos noticiários o desembaraçar da tal reforma tributária e se assusta com a negociata que norteia o tema, haja vista que o seu epicentro é justamente o aumento da carga tributária, como se vê dos principais pontos de alteração:
TRIBUTO |
SITUAÇÃO HOJE |
PROPOSTA |
OBJETIVO |
EFEITOS |
ICMS |
Possui hoje 27 legislações de âmbito estadual com 44 alíquotas distintas |
Teria uma legislação única federal com 5 alíquotas, cabendo aos Estados a classificação dos produtos por alíquotas |
Eliminar a guerra fiscal existente entre os Estados |
A tendência é que para compensar o caixa, os Estados apliquem a alíquota máxima em quase todos os produtos |
COFINS |
É disciplinada por legislação federal com alíquota em regra de 3% sobre o faturamento das empresas e é cumulativa em cada etapa de produção |
Deixará de ser cumulativa, porém, incidirá sobre o valor adicionado, ou seja, sobre o ganho que ocorrer em cada etapa de produção |
Baratear o custo dos produtos que passam por várias etapas de produção |
A alíquota deverá subir para compensar uma eventual perda de receita |
CPMF |
É provisória e incide no percentual de 0,38% sobre as operações em conta corrente bancária |
Torna-se definitiva e terá alíquotas variáveis, sendo o máximo de 0,38% |
Fonte adicional de arrecadação |
Por se tornar imposto, poderá ocorrer aumento na alíquota, inclusive superior ao da proposta |
CIDE |
Incide sobre a venda de combustíveis de forma a regular o mercado |
Os Estados passariam a receber 25% da arrecadação do tributo |
Reestruturar o caixa dos Estados |
O Governo federal pode ser pressionado pelo aumento na alíquota |
IPI |
Incide sobre os produtos industrializados e possui alíquotas que variam de 0 a 300% |
Excluir a incidência sobre bens de produção |
Estimular investimentos em produção |
Pode provocar uma substancial queda na arrecadação o que geraria necessidade de compensação em outros tributos |
PIS |
Incide sobre o faturamento nas etapas de produção com alíquota de 1,65% |
Passará a incidir também sobre as importações |
Equilibrar o mercado interno com o mercado externo |
Elevação da receita |
ITBI |
Possui alíquota de 2% e incide sobre a movimentação de bens imóveis |
Progressividade da alíquota |
Redistribuição de renda |
Aumento desenfreado das alíquotas que são fixadas pelos municípios |
IMPOSTO SOBRE HERANÇA |
Atual ITCMD tem alíquota uniforme de 4% |
Progressividade da alíquota |
Redistribuição de renda |
Aumento desenfreado das alíquotas que são fixadas pelos Estados, podendo chegar a 15% |
IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO |
Recai sobre produtos importados com alíquota variável |
Incidiria também sobre serviços |
Equilibrar o mercado interno com o mercado externo |
Elevação de receita |
IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO |
Recai sobre produtos exportados com alíquota variável |
Incidiria também sobre serviços |
Uniformizar a atividade econômica |
Perda de competitividade externa |
IPVA |
Incide sobre veículos automotores com alíquotas fixas por tipo de veículo |
Sobre veículos aéreos e aquáticos as alíquotas seriam diferenciadas |
Justiça tributária |
Aumento das alíquotas que são fixadas pelos estados |
TAXA DO LIXO |
São cobradas por alguns municípios sobre a produção individual de lixo |
Previsão constitucional |
Evitar questionamentos judiciais |
Abuso por partes dos municípios na fixação das alíquotas |
Fonte: Folha de São Paulo24/08/2003 A8; Folha de São Paulo 07/09/2003 A13
Como se vê, a maior preocupação dos especialistas é que a mobilidade na fixação das alíquotas permitirá uma maior liberdade por parte dos entes tributantes na movimentação dessas alíquotas, e que ninguém duvide – para cima.
Dois pontos neste sentido nos preocupam, de um lado é a forma como a questão está sendo dirigida, e de outro, é a manutenção da incidência da carga tributária sobre produção, consumo e investimento.
No tocante a condução do processo de reforma tributária o que se assiste é desolador, chega a ser pior que as noticias de violência urbana noticiadas diariamente, posto que violam o que há de mais importante para o ser humano – a esperança.
Estamos vendo o futuro do Brasil sendo traçado por negociatas, ferindo as bases do Estado Democrático de Direito, pois a população que pagará o custo advindo da reforma ainda não foi ouvida no processo, apenas assiste.
A condução nos apresenta uma situação unilateral (só o estado está participando), impositiva e injusta, ferindo essencialmente o que insculpiu o próprio legislador no inciso I do artigo 3º sobre os objetivos nacionais : I – construir uma sociedade livre, justa e solidária.
Por outro lado, a manutenção voraz da incidência da carga tributária sobre produção, consumo e investimento levará a instituição de um freio no processo de desenvolvimento econômico nacional, e frise-se, - é a atividade produtiva a única saída para nos tornarmos um país desenvolvido e com mínimas desigualdades sociais.
3. Custo tributário
Talvez algumas pessoas ainda estejam indiferentes a essa discussão da reforma tributária e o possível aumento no custo tributário, mas essa indiferença não se justifica em razão dos números alarmantes que estamos produzindo em matéria tributária.
Senão vejamos:
DÉCADA/ANO |
CUSTO TRIBUTÁRIO MÉDIO ANUAL FAMILIAR (4 PESSOAS) |
Nº DE DIAS DE TRABALHO PARA PAGAR A CARGA TRIBUTÁRIA FAMILIAR |
70 |
07,00% |
25 dias |
80 |
12,00% |
44 dias |
90 |
14,00% |
51 dias |
2000 |
24,00% |
88 dias |
2002 |
27,00% |
98 dias |
Fonte: IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário
E o que mais impressiona é que essa escala crescente não para, tanto que os especialistas estimam que em 2003 o custo médio familiar será de 36% da renda o que implicaria em uma média de 133 dias trabalhados no ano para pagar tributos.
Para impressionar um pouco mais, podemos fazer essa mesma estimativa sobre o prato do brasileiro:
PRODUTO |
INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA MÉDIA |
Arroz, feijão, farinha, óleo, sal, margarina, leite, carne, pão, ovo, pescado, queijo |
14,71% |
Macarrão |
25,71% |
Açúcar |
18,83% |
Frutas, legumes e hortaliças |
07,71% |
Fonte: Fórum Brasil Cidadão
Ou seja, existem produtos da mesa do brasileiro que poderiam chegar ¼ mais baratos, o que nos faz concluir, data máxima vênia, "a fome é zero" mais o tributo é alto ! ".
4. Conclusão
Claro está que existe um erro de avaliação, uma vez que se está depositando na reforma tributária todas as esperanças para que o país retome o crescimento a partir do equilíbrio do caixa governamental, no entanto, não é o governo a mola mestra para o desenvolvimento econômico e sim a atividade empresarial.
Só que a atividade empresarial não vai poder se desenvolver porque a produção no país é mais cara que a especulação; sem produção não temos emprego; sem emprego não temos consumo; sem consumo não temos empresas; sem empresas não temos desenvolvimento econômico.
Ou seja, estamos entrando no círculo vicioso do anti-desenvolvimento que vai levar o país para um precipício sem precedentes, e assim fica a pergunta: - quem vai cumprir o inciso II do artigo 3º da Constituição Federal?