A incidência de imposto de renda sobre a indenização de lucros cessantes

29/10/2015 às 19:12
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A compatibilidade entre o posicionamento do STJ que considera indevido o imposto de renda em caso de verbas de natureza indenizatória (REsp 1116460-SP) com o entendimento no sentido de que haverá a incidência do imposto de renda em relação às indenizaçõe

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1.464.786-RS, reiterou o seu posicionamento acerca da incidência do imposto de renda em caso pensionamento decorrente de ato ilícito, que tenha ocasionado a redução da capacidade laborativa em razão de dano físico. Fundamenta sua decisão mencionando que “a natureza indenizatória dos lucros cessantes não os retira do âmbito de incidência do IR, pois o que interessa para a tributação por intermédio do referido tributo, como visto acima, é a obtenção de riqueza nova, ou seja, a ocorrência de acréscimo patrimonial”.  

INCIDÊNCIA DE IR SOBRE LUCROS CESSANTES. OS VALORES PERCEBIDOS, EM CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL, A TÍTULO DE PENSIONAMENTO POR REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORATIVA DECORRENTE DE DANO FÍSICO CAUSADO POR TERCEIRO SÃO TRIBUTÁVEIS PELO IMPOSTO DE RENDA (IR). Para a materialização da hipótese de incidência do IR, requer-se, simplesmente, a existência de acréscimo patrimonial, consistente na aquisição de riqueza nova, independentemente da fonte ou procedência do ganho, exceto em situações de imunidade ou isenção. Tal afirmação encontra-se em sintonia com o princípio tributário intitulado pecunia non olet, que, de acordo com a doutrina, "significa que o 'dinheiro não tem cheiro'", razão pela qual "o tributo será cobrado de todos aqueles que apresentam capacidade contributiva (capacidade econômica)". Feitas essas considerações, sob a ótica do Código Civil, notadamente dos arts. 402 e 403, tem-se que indenização corresponde a perdas e danos, devendo englobar não apenas o que o indivíduo perdeu, como também o que deixou de lucrar, este último denominado "lucros cessantes". Nesse contexto, a natureza indenizatória dos lucros cessantes não os retira do âmbito de incidência do IR, pois o que interessa para a tributação por intermédio do referido tributo, como visto acima, é a obtenção de riqueza nova, ou seja, a ocorrência de acréscimo patrimonial. Assim, para fins de incidência do IR, o nomen iuris atribuído à verba é irrelevante. No caso dos valores percebidos a título de pensionamento por redução da capacidade laborativa decorrente de dano físico causado por terceiro, não obstante a verba ostente a natureza de lucros cessantes - o que a qualifica como verba indenizatória -, há acréscimo patrimonial apto a autorizar a incidência do IR com base no art. 43, II, do CTN.[1]

Não obstante a existência deste julgado, sobreleva como um dos dogmas na temática referente à incidência do imposto de renda a diferenciação da natureza da verba a ser auferida, para verificar se a situação será ou não tributada.

Em linhas gerais, entende-se que será cabível o imposto de renda sempre que se estiver diante de verbas de natureza remuneratória, considerando que esta, nitidamente, acarreta um aumento patrimonial apto a ensejar o fato gerador do imposto de renda. Contudo, em relação às verbas de natureza indenizatória, não haveria a ocorrência de tal fato imponível, afastando a incidência da norma ao caso concreto.

Menciona-se que tal entendimento, em regra, aplica-se aos mais variados campos, como em relação às verbas de natureza salarial, em relação aos valores pagos em razão da desapropriação, bem como às verbas decorrentes de responsabilização civil. Existe, inclusive, a famosa súmula 498 do STJ, que é explícita em declarar que “não incide imposto de renda sobre a indenização por danos morais”, em nítida alusão à classificação ora apontada.

Por se tratar de um verdadeiro dogma classificatório da incidência do imposto de renda, o STJ pacificou a matéria, em recurso repetitivo, no qual dispõe:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. IMPOSTO DE RENDA. INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE DESAPROPRIAÇÃO. VERBA INDENIZATÓRIA. NÃO-INCIDÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.

1. A incidência do imposto de renda tem como fato gerador o acréscimo patrimonial (art. 43, do CTN), sendo, por isso, imperioso perscrutar a natureza jurídica da verba percebida, a fim de verificar se há efetivamente a criação de riqueza nova: a) se indenizatória, que, via de regra, não retrata hipótese de incidência da exação; ou b) se remuneratória, ensejando a tributação. Isto porque a tributação ocorre sobre signos presuntivos de capacidade econômica, sendo a obtenção de renda e proventos de qualquer natureza um deles.[2]

Contudo, afirma-se que inexiste contradição entre os julgados ora apontados. Melhor dizendo: o posicionamento acerca da classificação da natureza da verba para a incidência do imposto não se contrapõe ao posicionamento, também pacífico, no sentido de que haverá a incidência do aludido imposto em caso de pensionamento decorrente de redução da capacidade laborativa, tido como lucro cessante, possuindo natureza, portanto, de verba indenizatória.

Isso porque, diante da legalidade estrita que repousa ao campo tributário, seria indispensável perscrutar, em âmbito legislativo, se seria caso de não incidência ou se há alguma norma prevendo a isenção do imposto de renda em relação às verbas referentes a pensão devida em razão da redução da capacidade laborativa, sob pena de violação a normas fundamentais previstas na Constituição da República, bem como a criação de isenções não previstas em lei, o que é vedado pelo sistema jurídico.

Inicialmente, convém mencionar que o fato gerador do imposto de renda, conforme previsão do art. 43 do CTN, é a “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica” de renda ou proventos de qualquer natureza. A existência de acréscimo patrimonial, um elemento econômico novo e positivo, é essencial para a configuração do fato gerador. Neste sentido, Roque Antonio Carrazza dispõe que:

renda é disponibilidade de riqueza nova, havida em dois momentos distintos. (...) é o acréscimo patrimonial experimentado pelo contribuinte, ao longo de um determinado período de tempo. Ou, ainda, é o resultado positivo de uma subtração que tem, por minuendo, os rendimentos brutos auferidos pelo contribuinte, entre dois marcos temporais, e, por subtraendo, o total das deduções e abatimentos, que a Constituição e as leis que com ela se afinam permitem fazer. (...) tanto a renda quanto os proventos de qualquer natureza pressupõem ações que revelem mais-valias, isto é incrementos na capacidade contributiva. Só diante de realidades econômicas novas, que se incorporam ao patrimônio da pessoa..., é que podemos juridicamente falar em renda ou proventos de qualquer natureza.[3]

Em consonância com o que fora apresentado pelo STJ, acredita-se que a verba decorrente de pensão por ato ilícito (ocasionado pela redução da capacidade laborativa), ainda que se trate de indenização por lucros cessantes, acarreta um incremento ao patrimônio do beneficiado, não se tratando apenas da recomposição de uma perda já sofrida. Nesse sentido, Leandro Paulsen aponta, com maestria, que:

Deve-se ter em conta que nem tudo o que se costuma denominar de indenização, mesmo material, efetivamente corresponde a simples recomposição de perdas. Não é o nome atribuído à verba que definirá a incidência ou não do imposto. Verbas que constituam acréscimo patrimonial, ainda que pagas sob a rubrica de “indenização”, serão tributadas. Não há dúvida de que a indenização que configure reposição do patrimônio fica ao largo da incidência do IR.[4]

Dessa forma, sendo a pensão concedida em tais casos um incremento patrimonial caracterizado como “proventos de qualquer natureza”, vislumbra-se a ocorrência do fato gerador do imposto de renda, a concluir que apenas seria lícito ocorrer a dispensa de tal pagamento em se tratando de alguma hipótese de isenção, já que a situação apresentada se encontra dentro do âmbito de incidência do tributo.

Sabe-se que a legalidade tributária é um dos cânones previstos na Constituição da República, sendo excepcionada apenas em casos igualmente previstos em lei. E, dessa forma, tem-se que a concessão de isenção, que é uma das modalidades de exclusão do crédito tributário, não apresenta qualquer exceção ao princípio da legalidade. Ao contrário, o art. 176 do Código Tributário Nacional estabelece que será “sempre decorrente de lei”, como vislumbra-se abaixo:

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Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.

Ademais, resta-nos recordar que o CTN também estabelece, em seu art. 111, que serão interpretadas literalmente a legislação tributária que disponha sobre a outorga de isenção. Não obstante mencionar “legislação tributária”, considerando o entendimento cediço de que se trata de terminologia mais ampla do que apenas “lei”, deve-se realizar uma leitura conjunta do art. 111 com o já apontado art. 176, ao qual exige “lei” para a concessão de isenções.

Colocadas tais premissas, cumpre informar que no próprio Regulamento do Imposto de Renda (RIR, Decreto 3000/99), existe previsão no sentido de que os valores devidos a título de indenização reparatória por danos físicos entrarão no cômputo da base de cálculo do imposto de renda, caso sejam pagas em prestações continuadas. Assim dispõe:

Art. 39. Não entrarão no cômputo do rendimento bruto:

Indenização Decorrente de Acidente

XVI - a indenização reparatória por danos físicos, invalidez ou morte, ou por bem material danificado ou destruído, em decorrência de acidente, até o limite fixado em condenação judicial, exceto no caso de pagamento de prestações continuadas;

Em se tratando de hipótese expressamente prevista em lei como tributável, diante da ocorrência de incremento patrimonial, verifica-se a possibilidade de convivência harmônica entre o prescrito nos aludidos julgamentos do STJ. Assim, como mencionado, nem todas as verbas nomeadas como “indenização” serão consideradas excluídas do âmbito de incidência do imposto de renda.

Isto porque o entendimento acerca da natureza jurídica da verba apenas se aplicaria aos casos de não incidência, isto é, não haveria sequer o fato gerador do tributo ora em análise. Quando estiver presente o aludido fato gerador, com o incremento patrimonial positivo, não apenas com o fim de recompor uma perda sofrida, estar-se-ia diante de hipótese em que haveria a incidência do tributo, situação em que só seria dispensável o seu pagamento através de isenções tributárias, que demandam lei em sentido estrito para a sua concessão.

Dessa forma, estando diante de situações em que há a ocorrência do fato gerador, deverá o intérprete pesquisar, dentro do ordenamento jurídico, se existe alguma lei prevendo a isenção do tributo. Em caso negativo, o tributo deverá ser devido, ainda que seja concedido com a nomenclatura “indenização”, considerando o mandamento constitucional da legalidade estrita.

Assim procedendo, realiza-se o princípio da interpretação objetiva do fato gerador, prevalecendo o caráter objetivo da norma que prevê a situação hipotética de incidência tributária. Ocorrendo o fato imponível, far-se-á a indispensável subsunção da norma ao caso concreto, em atenção aos princípios fundamentais tributários.

___

[1] REsp 1.464.786-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 25/8/2015, DJe 9/9/2015 (Inf. 568).

[2] REsp 1116460 / SP, RECURSO ESPECIAL 2009/0006580-7, Relator(a): Ministro LUIZ FUX, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento: 09/12/2009, DJe 01/02/2010.

[3] In PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 48.

[4] PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 52.

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