Resumo: Com a intensificação do movimento global, centenas de milhões de indivíduos locomovem-se entre países a cada ano, estabelecendo contatos e mesmo residência distante do seu local de origem. O Brasil, por exemplo, possui aproximadamente quatro milhões de nacionais residindo e trabalhando em outros Estados soberanos. Muitas vezes, por critérios múltiplos, através de ato voluntário ou por imposição do país de destino, adquirem nova nacionalidade para ali permanecer. Entretanto, é sabido que alguns Estados não aceitam a polipatridia, impondo aos seus súditos a opção por apenas uma única nacionalidade. Desta feita, muitos brasileiros residentes alhures enfrentam uma série de dúvidas no que tange à aquisição de nova identidade, e à possibilidade eventual da perda da sua nacionalidade originária.
Palavras-Chaves: nacionalidade, cidadania, naturalização.
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- Introdução
Atualmente, a sociedade internacional possui mais de duas centenas de Estados soberanos, dispondo, cada um deles, de milhares até centenas de milhões de indivíduos instalados em caráter permanente em seu território. Tais indivíduos são compostos por nacionais e, também, estrangeiros residentes.
Nos últimos anos, o intercâmbio humano apresentou fantástica evolução. Existem, hoje, por exemplo, mais italianos e descendentes morando fora da Itália do que italianos em seu próprio território. O mesmo se dá em outros Estados como é o caso do Líbano, país também de marcante presença em território brasileiro, que conta com mais libaneses e descendentes residindo fora do que internamente.
O inverso, no entanto, também é uma realidade, embora com números menores. Alguns dados apontam que, aproximadamente, quatro milhões de brasileiros moram fora do país, tendo os Estados Unidos como destino principal, seguido por Portugal, Espanha, Japão e Itália, respectivamente.
A consequência de um número tão elevado de nacionais brasileiros noutros Estados proporciona o envio de divisas aos familiares no Brasil. Entretanto, noutro vértice, gera uma série de problemas no que diz respeito ao instituto da nacionalidade já que vários países exigem a naturalização dos estrangeiros ali domiciliados, para que possam lá permanecer ou trabalhar.
Tendo como base o fato acima, a troca de nacionalidade pode gerar sentimento de inserção no Estado receptor, mas, também, de quebra, de rompimento de vínculo com o país de origem, sendo que, muitas vezes, os brasileiros não sabem da possibilidade de alternância de nacionalidade perante a legislação pátria, tornando a discussão do tema relevante e atual.
2. Conceito de nacionalidade.
Antes de conceituar nacionalidade, é necessário definir o que vem a ser um nacional. Na lição de De Plácido e Silva (1984, p. 224), o termo nacional deriva do latim natus, do verbo nasci (nascer, provir, originar-se), ligado, assim, ao sentido de nação, em distinção a tudo que não é do lugar, não provém ou se origina dele, é estranho, nacional, em ampla acepção, quer precisamente assinalar tudo, pessoas ou coisas originadas ou formadas dentro de uma nação constituída em Estado ou pertinente a ela. Opõe-se, pois, ao vocábulo estrangeiro, empregado justamente para aludir ao que procede ou vem de fora e pertence à outra nação, fixada em outro lugar. Emprega-se o vocábulo como substantivo ou como adjetivo. Mas, em qualquer forma, traz consigo sentido inconfundível. Nacional é sempre o que nasceu o que é nato de um lugar, quando se refere às pessoas. E quanto às coisas, é o que se originou dentro dos limites territoriais de um Estado.
Conforme Dolinger (2005, p. 155), a nacionalidade é geralmente definida como o vínculo jurídico-político que liga o indivíduo ao Estado, ou, em outras palavras, o elo entre a pessoa física e um determinado Estado.
Nas palavras de Lagarde (apud, Dolinger, 2005, p. 155):
A nacionalidade comporta duas dimensões. A dimensão vertical é a ligação do indivíduo com o Estado a que pertence que lembra a relação do vassalo com seu suserano, e que contém uma série de obrigações do indivíduo para com o Estado (v.g., lealdade, serviço militar, etc.), com a contrapartida da proteção diplomática que o Estado estende ao indivíduo onde quer que se encontre no estrangeiro. Esta a dimensão jurídico-política. E a outra dimensão é a horizontal, que faz do nacional membro de uma comunidade, da população que constitui o Estado. Aqui a dimensão sociológica.
Allemar (2007, p. 29) entende que a nacionalidade,
não está necessariamente relacionada à crença, religião, condição social ou ideologia. É o elo jurídico porque o nacional de um determinado Estado encontra-se compulsoriamente vinculado à obediência de seu ordenamento jurídico, ao mesmo tempo em que faz jus aos seus direitos civis. E é também elo político, porque o devidamente registrado como nacional goza de todos os direitos políticos inerentes à condição de cidadão, como, por exemplo, o ato de votar e ser votado, limitados estes apenas pelo ordenamento jurídico a que está vinculado.
Em apertada síntese, podemos afirmar que nacionalidade é um vínculo jurídico-político que une o indivíduo ao Estado.
3. A diferença entre os conceitos de nacionalidade e de cidadania
De acordo com o pensamento que se firma entre nós, a cidadania, palavra que se deriva de cidade, não indica somente a qualidade daquele que habita a cidade, mas o direito político que lhe é conferido, para que possa participar da vida política do país em que reside.
Originalmente, o conceito de cidadania referia-se à condição daqueles que, pertencendo ao corpo político das pólis gregas, tinham o direito não apenas de viver em seu território, mas também de participar diretamente das decisões que determinavam os caminhos da vida das cidades.
Nos dias de hoje, é certo que alguns confundem o conceito de nacionalidade com o de cidadania. Entretanto, a distinção é clara e praticamente aceita por todos os doutrinadores, no sentido de que a nacionalidade é o vínculo jurídico-político que liga o indivíduo ao Estado, ao passo que a cidadania diz respeito apenas à vinculação política da pessoa àquele, como o direito de votar, ser votado, e eventualmente ser eleito.
Como observa Lenza (2006, p. 489-490), a cidadania tem por pressuposto a nacionalidade (que é mais ampla que a cidadania), caracterizando-se como a titularidade de direitos políticos: votar e ser votado. O cidadão, portanto, nada mais é do que o nacional (brasileiro nato ou naturalizado) que goza de direitos políticos.
Corroborando com o entendimento acima, José Afonso da Silva (2004, p. 345), leciona que:
[...] cidadão, no direito brasileiro, é o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e suas consequências. Nacionalidade é conceito mais amplo do que cidadania, e é pressuposto desta, uma vez que só o titular da nacionalidade brasileira pode ser cidadão.
Noutra ponta, é mister lembrar que o português possui um tratamento especial, podendo, assim, inclusive votar no Brasil, desde que haja reciprocidade. Nesse diapasão, nossa Lei Maior, em seu art. 12, § 1º, dita que: aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição.
4. Formas de aquisição de nacionalidade
Didaticamente, pode-se distinguir a nacionalidade em originária, ou involuntária e adquirida, derivada, ou voluntária.
De acordo com Lenza (2006, p. 490), a nacionalidade originária é imposta, de maneira unilateral, independentemente da vontade do indivíduo, pelo Estado, no momento do nascimento.
A nacionalidade originária é representada pelo jus soli e o jus sanguinis, ao passo que a derivada é composta pelo jus domicilii, jus laboris ou pela naturalização do indivíduo, sempre de acordo com critérios internos de cada país.
A nacionalidade será denominada mista ou híbrida quando conjugar mais de um critério para a determinação de sua aquisição. Trata-se de uma combinação de critérios, como por exemplo, a utilização do sistema do jus soli e do jus sanguinis.
O modelo pátrio, por exemplo, adota o sistema misto de aquisição de nacionalidade, conforme de extrai em primeira leitura do art. 12 da nossa Constituição Cidadã.
5. Naturalização
A naturalização pode ser considerada como o ato pelo qual um indivíduo requer a nacionalidade de um determinado país que não seja o seu.
Celso Mello (2004, p. 999) assevera que a naturalização é um ato de soberania interna do Estado e, portanto, assunto regulamentado pela legislação interna.
Na realidade, o Estado é livre para definir as formas de como atribuir a sua nacionalidade a alguém, notadamente no caso da naturalização. Assim, consoante Allemar (2007, p. 33), “um determinado país pode, por exemplo, impor menos requisitos que outros para concedê-la. Porém, o que vige atualmente é que os Estados devem procurar conferir a esta nacionalidade atribuída um mínimo de efetividade.”
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 determina, no seu art. 12, os critérios para a concessão da nacionalidade brasileira sob a forma de naturalização, valendo ressaltar que, como regra geral, esta possibilidade se abre aos estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes no Brasil, há mais de quinze anos ininterruptos, e sem condenação criminal, após requerimento (alterado pela Emenda Constitucional nº 3, de 07 de junho de 1994). Esta é a chamada naturalização extraordinária.
Entretanto, pessoas oriundas de países de língua portuguesa precisam residir no Brasil por apenas um ano ininterrupto e, também, possuir idoneidade moral. Temos, in casu, a naturalização ordinária.
As condições para naturalização do estrangeiro no Brasil são determinadas pela Lei nº 6.815/80, a partir do art. 112. Vejamos:
Art. 112. São condições para a concessão da naturalização:
I - capacidade civil, segundo a lei brasileira;
II - ser registrado como permanente no Brasil;
III - residência contínua no território nacional, pelo prazo mínimo de quatro anos, imediatamente anteriores ao pedido de naturalização;
IV - ler e escrever a língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando;
V - exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutenção própria e da família;
VI - bom procedimento;
VII - inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou no exterior por crime doloso a que seja cominada pena mínima de prisão, abstratamente considerada, superior a 1 (um) ano; e
VIII - boa saúde. [...]
Em regra os brasileiros naturalizados terão os mesmos direitos dos brasileiros natos[2], direitos esses assegurados pela própria Constituição Federal. Entretanto, alguns cargos só podem ser exercidos por brasileiros natos. Conforme o parágrafo 3º do art. 12 da Constituição Federal de 1988, que define cargos privativos de brasileiros natos.
6. Perda da nacionalidade brasileira
A Constituição Federal prevê as hipóteses de perda da nacionalidade brasileira nos incisos I e II, parágrafo 4º, do seu artigo 12.
Conforme o citado dispositivo constitucional as situações que promovem a perda da nacionalidade são apenas duas. Vejamos:
a) Cancelamento da naturalização por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;
b) aquisição de outra nacionalidade.
No caso do cancelamento da naturalização, como o próprio nome indica, a hipótese de perda da nacionalidade refere-se apenas ao brasileiro naturalizado e a condição necessária para que o naturalizado perca sua nacionalidade é a prática de alguma atividade nociva ao interesse nacional.[3]
A competência para conhecer e julgar o processo de cancelamento da naturalização é da Justiça Federal, por força do disposto no artigo 109, inciso X, da CF/88.
Insta salientar que a legitimidade ativa da ação que visa o cancelamento da naturalização do indivíduo que praticar atividade nociva ao interesse nacional é do Ministro da Justiça ou de qualquer cidadão.
A decisão que cancelar a naturalização, declarando a perda da nacionalidade do indivíduo produz efeitos ex nunc, ou seja, o naturalizado perde somente sua nacionalidade a partir da data da sentença transitada em julgado.
O Estado brasileiro, porém, não pode tomar a nacionalidade do seu nato. Contudo, o brasileiro nato poderá perder a sua nacionalidade quando, mediante manifestação expressa de vontade, adquirir outra nacionalidade derivada.
Nesse caso não há processo judicial, visto que a perda da nacionalidade será decretada por meio de processo administrativo e oficializada mediante Decreto Presidencial, sendo seus efeitos, também, ex nunc, sendo que os requisitos para que tais brasileiros natos percam a sua nacionalidade são os seguintes: voluntariedade da conduta, capacidade civil do interessado e aquisição da nacionalidade estrangeira.
7. Conclusão
O conceito de nacionalidade, embora tantas vezes confundido com o de cidadania, é próprio e não encontra igualdade com a noção deste.
A Constituição Federal demonstra, de forma especial em seu art. 12, as formas de aquisição e de perda de nacionalidade de brasileiros naturalizados, bem como vedações a estes, como no caso expresso de cargos privativos de brasileiros natos.
Tanto o brasileiro nato, quanto naturalizado pode perder a nacionalidade brasileira. Entretanto, a perda da nacionalidade do brasileiro nato é possível, especialmente por ato voluntário do próprio nacional.
Quando um brasileiro perde sua nacionalidade, tal questão gera efeitos ex nunc e caso tais brasileiros desejarem readquirir a sua nacionalidade brasileira, somente poderão fazê-lo através da naturalização voluntária.
No caso de reaquisição de nacionalidade, o brasileiro anteriormente nato volta a ser nato, ao passo que o brasileiro que era naturalizado será, novamente, considerado naturalizado.
6. Referências Bibliográficas
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BRASIL. Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. DOU, Brasília, 21 ago. 1980. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L6815.htm>. Acesso em: 28 mai. 2012.
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 5. ed., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Método, 2006.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Org.). Coletânea de direito internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008.
REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. São Paulo: Saraiva, 2010.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1984. v. III.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
[2] Antes da Constituição Federal de 1988, a Lei nº 6.192/74 eliminou toda a distinção entre brasileiro nato e naturalizado. Entretanto, como citado no presente estudo, existem algumas restrições consagradas no texto constitucional.
[3] Tal procedimento de cancelamento encontra-se disciplinado pela Lei nº 818/49.