INTRODUÇAO
Partindo da concepção da natureza humana de Weber como sendo o homem um animal simbólico que vive preso a uma teia de significados por ele mesmo criada, um sistema simbólico que representa um conjunto de mecanismos para governar o comportamento, análise esta pautada na teoria maquiaveliana acerca da falibilidade da natureza humana e impossibilidade em hierarquizar condutas (uma conduta não pode se sobrepor a outra visto que há inferência das demais, sendo estas negativas ou não). San Tiago Dantas leva essa condição ao direito e Estado, como pressuposto sociológico e reflete a luta ante a degenerescência do Estado, em face ao patrimonialismo do homem cordial, estabelecendo mecanismos de controle (cultura), os quais a ruptura enseja secessão política.
Tal análise orientará nossa avaliação acerca da Lei de Licitações em contraposição à Lei do Regime Diferenciado de Contratação, considerando-se ainda a possibilidade de solução com a eficácia no emprego do Direito Promotor.
O Escopo e Alcance da Lei de Regime Diferenciado de Contratação
Em prol da celeridade na contratação e investimentos em infraestrutura e em convergência com jurisprudência do Judiciário e do Tribunal de Contas da União, a Lei do RDC foi concebida, inicialmente, para contratações que visem à execução dos seguintes empreendimentos:
1.Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016;
2.Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação (“FIFA”); ou
3.Obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinqüenta quilômetros) das cidades sedes dos mundiais supramencionados.
Em que pese muito se tenha debatido, desde a edição da Lei do RDC, sobre a sua constitucionalidade, a sistemática da lei ampliou seu âmbito de atuação e atualmente também abriga a contratação de obras e serviços pertinentes aos seguintes projetos:
1.Ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (“PAC”);
2.Sistema público de ensino; e
3.Sistema Único de Saúde (“SUS”).
Os Ditames Constitucionais e a Lei de Licitações
A Constituição Federal de 1998, além de prever o dever de licitar aos órgãos e entidades pertencentes à Administração Pública, prevê a competência da União Federal para editar normas gerais de licitação e contratação (art. 22, XXVII). A fim de disciplinar o procedimento licitatório a ser observado pela Administração Pública, o legislador ordinário editou a Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (“Lei de Licitações”), que estabeleceu as regras gerais para as licitações e contratações públicas. A insuficiência das normas, no entanto, ensejou a criação de novos atos legislativos concedendo novas modalidades de licitação e contratação, observados os princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.
A Lei de Licitações e a Lei de Regime Diferenciado de Contratação (RDC)
A Lei de Licitações imputa ao Poder Concedente o dever de fiscalizar e autorizar o projeto básico de execução a ser elaborado pelo prestador de serviço público, de modo prévio. O Regime Diferenciado de Contratação, no entanto, em relação à contratação integrada não determina à Administração Pública licitar um empreendimento sem a elaboração prévia tanto do projeto básico como do projeto executivo.
Nesse contexto, retomamos à análise de Celso Furtado acerca da necessidade de uma intelligentsia humana capaz de assegurar por meio de planejamento e regulação o atendimento das necessidades sociais e desenvolvimento do país, preservando-se os recursos da coletividade. Para tal faz-se necessária a democratização da atuação do poder publico e centralização das atividades de planejamento as quais não se operam à margem do Estado, para então assegurar as mutações qualitativas das ações públicas.
O Estado por si só, no entanto, é incapaz de fornecer adequadamente os recursos e atividades públicas os quais a sociedade demanda, sendo assim, estabelece parcerias, utilizando-se do direito promotor como medida de encorajamento para que uma operação possa ser atraente, concedendo uma vantagem ou eliminando uma desvantagem para concretização e desenvolvimento do país em infraestrutura, conforme o contexto.
Desse modo temos a necessidade de democratização e planejamento para crescimento econômico.
No que tange à especificação orçamentária, a Lei de Licitações exige real análise de custos, planificada e detalhada, levando-se em conta custos de materiais direto e indireto de produção, mão de obra até para análise da contratada quanto ao ganho de sinergia e análise de custo de oportunidade. A RDC, no entanto, exige elaboração de anteprojeto de engenharia. Ainda, sobre a questão orçamentária, a Lei de Licitações obriga a observância dos limites e ditames da Lei Plurianual, ao passo que a RDC possibilita ultrapassar os limites orçamentários da Lei Plurianual, se o projeto perdurar por mais de um exercício social, desde que haja oferecimento de garantia capaz de assegurar a execução da obra. Assim, pelo RDC o plano orçamentário é feito de modo sintético, exercendo-se o valor justo ou valor de mercado para a execução da obra, condicionado, no entanto, à observância do preço estabelecido no edital de licitação, quando houver.
Quanto à questão de planejamento, a Lei 8.666/93 exige planejamento executivo ao passo que no regime de contratação integrada cumpre ao contratado fornecer termo de referência adequado para a execução, fato que não exime à Administração de avaliar minimamente o objeto de execução
Quanto ao procedimento de Habilitação e Processo Administrativo, os dispositivos legais se assemelham, no entanto o RDC torna-se mais célere, segundo estimativa, reduz cerca de 30% o tempo de contratação.
A Hipótese de Contratação Integrada (RDC), O Patrimonialismo e a Ruptura dos Meios de Controle, sobretudo Tecnológico
A análise econômica do Direito e das Organizações deve se orientar com base num conceito de eficiência econômica no qual a transação entre as organizações seriam economicamente eficiente se a melhora proporcionada aos beneficiados da relação seja maior que os prejuízos causados a terceiros de modo que a relação não afete a sociedade.
Isto posto, o comportamento dos agentes não pode ser pautado unicamente no interesse próprio, do mesmo modo, que a racionalidade econômica não pode visar apenas a maximização dos lucros sem qualquer embasamento moral.
O Estado deve, portanto, dispor de instrumentos de enforcement, para averiguação e fiscalização de modo a coibir a atuação oportunista, aprimorando mecanismos de regulação, para que se evite desvio de erário do repasse de verbas, sobretudo, no que tange o repasse via convênio, o qual não se exige das entidades um levantamento contábil para apuração da alocação dos recursos, incidindo na questão do patrimonialismo, quando da confusão entre o que é patrimônio público e o que é patrimônio particular, enraizado nas capacidades humanas.
Em vista das considerações supra, pode-se responder à questão sobre a possibilidade de licitação de um empreendimento, sob o regime da Lei do RDC, sem a existência prévia de projeto básico e executivo, de forma afirmativa.
A rigor, ao instituir as normas aplicáveis às licitações realizadas por meio do RDC, a lei permitiu à Administração Pública a realização de contratações integradas que envolvam desde a execução das obras e serviços relativas aos empreendimentos até a realização dos respectivos projetos básicos e executivos. Trata-se de possibilidade que se coloca nos casos em que a contratação de uma única empresa ou consórcio para a elaboração dos projetos e execução das obras e serviços pertinentes ao escopo da contratação proporcione ganhos de eficiência à Administração Pública.
Assim, cumpre analisar se a Lei de Regime de Contratação ao situar-se no âmbito da facilitação do Direito Promotor, não implica no desencorajamento de atividade lícita.
Destaca-se ainda, que o homem nem sempre age de acordo com os padrões de racionalidade econômica, visto que nem sempre é motivado a fazer a opção pela alternativa mais viável economicamente em termos de preço. É o que se depreende dos estudos acerca do behavioral economics.
A tomada de decisão resulta de uma série de interações coletivas complexas entre os agentes, conforme os estudos da Teoria dos Jogos e o Dilema do Prisioneiro, que por vezes resulta em uma situação em que a maximização da riqueza não privilegia a sociedade (formação de Cartéis), o que nos retoma a necessidade de fiscalização e regulação Estatal, para que haja maximização sem prejuízo de terceiros.