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Anotações acerca da Instrução Normativa nº 304 da Secretaria da Receita Federal

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Pretende-se aqui analisar os principais aspectos a respeito da Instrução Normativa nº 304 da Secretaria da Receita Federal, que criou novas obrigações tributárias acessórias para as empresas que exercem atividades imobiliárias.

I. A ABORDAGEM DO TEMA

Pretende-se aqui analisar os principais aspectos a respeito da Instrução Normativa n.º 304 da Secretaria da Receita Federal, que criou novas obrigações tributárias acessórias para as empresas que exercem atividades imobiliárias.

Serão expostos, neste sentido, alguns entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca de matérias semelhantes, tudo para situar a referida norma em nosso sistema constitucional tributário.


II. O TEOR DA INSTRUÇÃO NORMATIVA.

Em 24 de fevereiro do ano em curso, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) a Instrução Normativa n.º 304 da Secretaria da Receita Federal, instituindo a Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias (Dimob), tornando sua apresentação obrigatória para as construtoras ou incorporadoras, que comercializarem unidades imobiliárias por conta própria, e também para imobiliárias e administradoras de imóveis, que realizem intermediação de compra e venda ou de aluguel de imóveis.

Tais contribuintes estariam, nos termos da norma em tela, sujeitos à identificação dos adquirentes e das unidades imobiliárias comercializadas, bem assim a informar as datas e os valores das operações.

As imobiliárias restaram ainda obrigadas a fornecer a declaração, em relação à intermediação de compra e venda de imóveis, identificando as partes contratantes, os imóveis objeto das vendas, bem assim informar a data e o valor total da operação e o valor da comissão percebida pela intermediação.

Em relação à intermediação de aluguel de imóveis, deveriam identificar as partes contratantes e os imóveis locados, bem assim informar os valores dos aluguéis percebidos pelos locadores e os valores das comissões percebidas pela intermediação.

Estipula também a norma em questão sanção pelo seu descumprimento, consistente em multas de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por mês-calendário, no caso de falta de entrega da Declaração ou de entrega após o prazo, e cinco por cento (5%), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor das transações comerciais, no caso de informação omitida, inexata ou incompleta.

Tais omissões por parte do contribuinte ou mesmo a prestação de informações falsas na Dimob configura, nos termos da Instrução Normativa, hipótese de crime contra a ordem tributária, prevista no art. 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

Em 03 de abril do ano em curso, a Secretaria da Receita Federal, através da Instrução Normativa n.º 316, aprovou o programa e as instruções acima mencionadas, prorrogando o prazo de apresentação da Dimob do ano de 2002 para o último dia útil do mês de maio.

Passadas estas sucintas observações, vejamos, nesta ordem, algumas considerações sobre a matéria posta em análise.


III. AS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS ACESSÓRIAS: ASPECTOS FUNDAMENTAIS.

II. 1. Sua Classificação à Luz da Legislação Tributária.

São duas as espécies de obrigações tributárias previstas no Código Tributário Nacional, em seu art.113, quais sejam, as obrigações tributárias, principal e acessória.

Em linhas gerais, enquanto a obrigação principal consiste numa obrigação de dar, de pagar os tributos, a obrigação acessória consiste numa obrigação de fazer ou de não-fazer, tudo para tornar viável a arrecadação e fiscalização tributárias.

Desse modo, também chamadas de deveres instrumentais, as obrigações acessórias são normas destinadas a assegurar o exato cumprimento da obrigação tributária principal por parte do contribuinte, daí porque a idéia de serem obrigações de fazer ou de não-fazer, ou até de tolerar.

Discute-se na doutrina se as obrigações acessórias têm ou não o caráter efetivo de acessoriedade típico das demais figuras obrigacionais do Direito.

Alguns autores identificam as obrigações acessórias como meros deveres formais impostos ao contribuinte. Outros, ao contrário, concluem que são realmente acessórias às obrigações principais, devendo sempre respeitar esta relação de vinculação.

Paulo de Barros Carvalho entende que as obrigações acessórias são, na verdade, deveres instrumentais ou formais, preferindo utilizar tal conceito por não compreender nelas qualquer natureza obrigacional. Conclui ele, neste diapasão, que:

"São liames concebidos para produzirem o aparecimento de deveres jurídicos, que os súditos do Estado hão de observar, no sentido de imprimir efeitos práticos à percepção dos tributos. É dever de todos prestar informações ao Poder Público, executando certos atos e tomando determinadas providências de interesse geral, para que a disciplina do relacionamento comunitário e a administração da ordem pública ganhem dimensões reais concretas." [1]

Ainda para o citado professor,

"(...) esses deveres são, entre muitos, o de escriturar livros, prestar informações, expedir notas fiscais, fazer declarações, promover lançamentos físicos, econômicos ou financeiros, manter dados e documentos à disposição das autoridades administrativas, aceitar a fiscalização periódica de suas atividades, tudo com o objetivo de propiciar ao ente que tributa a verificação do adequado cumprimento da obrigação tributária." [2]

Celso Ribeiro Bastos [3], ao seu turno, comenta que a obrigação acessória tem uma grande importância para o controle do tributo, não obstante seu caráter de acessoriedade seja temporário, por isso apresentando características distintas das demais figuras obrigacionais do Direito.

Para os mencionados doutrinadores, o caráter de acessoriedade da obrigação tributária é bastante distinto do caso da obrigação civil.

Com entendimento diverso do acima exposto, Hugo de Brito Machado ressalta que tais obrigações possuem sim um caráter de acessoriedade, criticando a visão de que a acessoriedade é relativa, ad litteram:

"Essa crítica não é procedente. É fruto de uma visão privatista, inteiramente inadmissível em face do Código Tributário Nacional, em cujo contexto o adjetivo acessória, que qualifica essas obrigações, tem sentido inteiramente distinto daquele do Direito Privado. (...) em Direito Tributário, as obrigações acessórias não precisariam existir se não existissem as obrigações principais. São acessórias, pois, neste sentido." [4]

De qualquer forma, passadas as discussões doutrinárias, infere-se que os deveres instrumentais, ou obrigações acessórias, estipulam um "dever ser", uma norma de conduta aos contribuintes, tudo com vistas à fiscalização e arrecadação das obrigações principais (obrigação de dar), que são os próprios tributos.

II. 2. A Obrigação Tributária é sempre ex lege.

As obrigações tributárias, registre-se, quaisquer que sejam, devem ser sempre ex lege, não dependendo da vontade das partes envolvidas na relação tributária [5].

No entanto, deve-se atentar para o fato de que o CTN utiliza o termo legislação para designar lei em sentido geral, e não em sentido meramente formal.

A esse respeito, Miguel Reale [6] já teve a oportunidade de analisar que a lei, neste caso, deve ser entendida lato sensu, considerada a relação exaustiva do processo legislativo.

Desse modo, o sentido do CTN é o de que qualquer obrigação tributária decorrerá da legislação tributária, conceito este que abrange diferentes figuras, como as leis em sentido formal, os decretos, os convênios, os atos normativos, e algumas outras [7].

Não se pode admitir, todavia, que algumas das citadas figuras invadam a competência de outras.

Os decretos regulamentares, por exemplo, têm o objetivo de regulamentar as leis.

As Instruções Normativas, ao seu turno, devem instruir determinadas matérias, desde que com previsão em leis formais.

Caso contrário, o Estado Democrático de Direito restará desnaturado.

Assim, não se admite a criação de obrigações tributárias por mero decreto regulamentar ou ato normativo qualquer sem previsão em lei. Nestes casos, ter-se-á a invasão de competência atribuída de forma restritiva pela Constituição Federal.


III. A RELAÇÃO ENTRE AS OBRIGAÇÕES INSERIDAS NA INSTRUÇÃO NORMATIVA N.º 304 E O NOSSO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO.

III. 1. A Necessidade de Previsão Legal para a Instituição de Obrigações Acessórias: respeito ao princípio da legalidade tributária.

O nosso sistema constitucional tributário apresenta, como se sabe, garantias para o contribuinte e para o próprio Estado.

Uma das garantias impostas ao poder tributante é justamente o princípio da legalidade.

O CTN, aliás, preceitua de forma bastante clara este princípio em seu art. 97, 98, 99 e 100.

O próprio CTN, que estatui nacionalmente regras de Direito Tributário, estabelece a importância da lei, expondo que os demais tipos de normas são complementares, chegando a ressaltar os limites dos decretos regulamentares.

A legalidade, portanto, resta inalterada no CTN, como bem observa Ives Gandra da Silva Martins [8].

Apesar da importância da legalidade verificada no CTN, é a Constituição que estabelece tal princípio como uma garantia a todos.

Além de dispor de forma genérica sobre o princípio da legalidade em seu art. 5.º, II, a Lex Matter, o explicita em seu art. 150, I, tratando do que se denomina de princípio da estrita legalidade tributária.

O princípio, como se sabe, é mais importante do que qualquer norma. Dele, obtém-se as garantias do contribuinte.

Ronald Dworkin, nesta linha de entendimento, enfatiza que "(...) os princípios têm uma dimensão que as regras não possuem – a dimensão de peso ou de importância" [9].

Alberto Xavier, ao seu turno, destaca que:

"O princípio da legalidade da tributação (nullum tributum sine lege) não pode caracterizar-se apenas pelo recurso ao conceito de ‘reserva de lei’, pois não se limita à exigência de uma lei formal como fundamento da tributação. Vai mais além, exigindo uma lei revestida de especiais características. Não basta a lei; é necessária uma ‘lei qualificada’. Esta ‘qualificação’ da lei pode ser designada como ‘reserva absoluta da lei’ o que faz com que o princípio da legalidade da tributação se exprima como um princípio da tipicidade da tributação." [10].

Utilizamo-nos, para reforçar esta idéia de ilegalidade, dos apontamentos do insigne tributarista Roque Carrazza, ipsis litteris:

"Entendemos que os decretos, as portarias, os atos administrativos em geral, só podem existir para tornar efetivo o cumprimento dos deveres instrumentais criados pela lei." [11]

In casu, configura-se como ilegal a Instrução Normativa n.º 304 por completa inexistência de previsão legal quanto às matérias nela previstas.

III. 2. 1. A questão do sigilo fiscal.

É de se considerar a impossibilidade de quebra do sigilo fiscal de terceiros por parte das empresas indicadas no texto da norma em exame.

O sigilo fiscal, ressalte-se, serve para proteger o contribuinte da utilização dos dados fiscais frente a outros contribuintes, posto que sempre haverá a possibilidade de comunicação de dados entre as fazendas públicas através, por exemplo, de convênios.

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O sigilo fiscal pressupõe a proteção das informações do contribuinte.

As exigências da norma em tela se referem a informações já constantes de livros comerciais e de outras declarações dos contribuintes, que devem ser apresentados à fiscalização sempre que exigidos na forma da lei.

O CTN trata desta matéria em seu art. 198, expondo algumas regras e suas respectivas exceções, possibilitando o acesso as informações, seja através de requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça, seja através de solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.

No caso da Instrução Normativa n.° 304, surge como ilegal a exigência dos dados sigilosos de terceiros por falta de lei específica que determine tal obrigação, e ainda pela inexistência de efetiva instauração de processo administrativo para apuração de eventuais infrações daqueles.

Note-se que o caso da IN não é de convênio entre as Fazendas, mas uma imposição ao próprio contribuinte, por mera norma regulamentar interna da Receita, obrigando aquele a expor dados nitidamente sigilosos, que, não obstante, podem e devem ser investigados nos casos admitidos em lei, mas não expostos de forma indiscriminada.

II. 2. 2. O desvio de finalidade na estipulação do dever instrumental de apresentação da Dimob.

Veja-se, ainda, que a Instrução Normativa n.º 304 apresenta outro vício, qual seja, o desvio de finalidade quanto ao conteúdo da norma.

É que a Instrução Normativa prescreve a criação de um dever instrumental (obrigação acessória) desvinculado com a arrecadação tributária de competência da União Federal.

E isto porque o dever instrumental instituído não guarda relação com os tributos de competência da União, mas, pelo contrário, com a arrecadação e fiscalização de espécie tributária de competência dos Municípios - ISS.

Registre-se, por oportuno, que é a Constituição que estabelece o que se chama de competência tributária, devendo esta ser respeitada para qualquer tipo de obrigação tributária, principal e acessória.

Assim, não pode, por violar a Constituição Federal, o Município, por exemplo, editar norma que institua obrigação tributária acessória para a fiscalização de impostos de competência da União, como são o IR, o IPI, o II e o IE, ou dos Estados, como é o caso do ICMS e do IPVA.

A competência tributária, além de ser a forma de outorgar aos entes federados o poder de criar e cobrar as respectivas figuras tributárias, constitui uma forma de limitação ao poder tributante, ressaltada a independência relativa de cada um dos entes.

No caso da União Federal, a competência tributária está prevista nos arts. 153, 154, 195, parágrafo 4°, da Lex Matter. Já os Municípios têm sua competência tributária prevista no art. 156 da Constituição.

Como conseqüência das normas constitucionais em debate, criado o tributo surge para cada ente federativo tributante a possibilidade de instituição, por lei, de deveres instrumentais (obrigações acessórias) com o objetivo de garantir a arrecadação e fiscalização da prestação tributária de sua competência.

Este é, ressalte-se, o exato sentido do que prescreve o já citado § 2º do art. 113 do CTN.

É nítido que cada ente federativo tributante (União, Estado, Distrito Federal e Municípios) deve expedir normas instrumentais visando a fiscalização e a arrecadação da espécie tributária de sua competência.

Destarte, é de se concluir que na estipulação de um dever instrumental (obrigação acessória), tudo deve ajustar-se ao tributo compreendido dentro da competência tributária do ente fiscalizador, sob pena de invasão da competência tributária constitucionalmente prevista.

No caso em questão, a Instrução Normativa n.º 304 - SRF criou, como visto acima, obrigação acessória relativa à arrecadação e fiscalização de tributo de competência dos Municípios, ou seja, relacionado ao ISS, imposto que incide nas atividades mencionadas na norma impugnada por força da legislação constitucional e nacional (Decreto-Lei n.º 406/68 – itens 32 e 50 da Lista de Serviços).

As informações agora exigidas pela autoridade impetrada são, inclusive, já solicitadas pelas Fazendas Públicas Municipais, consubstanciadas na emissão de notas fiscais, como também na indicação de dados relativos ao imóvel comercializado ou intermediado, e ainda dos valores relativos ao montante total da operação de venda ou de intermediação, seja de venda ou locação.

Acrescente-se que os Municípios, nesse diapasão de arrecadarem e fiscalizarem o tributo de sua competência, já exigem a entrega de Declaração de Movimento Mensal, bem como a manutenção do Livro de Registro da Prestação de Serviços, conforme, por exemplo, exige o art. 63 do Regulamento do ISS do Município do Natal (Decreto n.° 2.182, de 13 de março de 1979).

Vê-se, pois, que a obrigação acessória exigida pela Secretaria da Receita Federal é relacionada à arrecadação e fiscalização de tributo estranho à sua esfera de competência tributária.

Assim se manifesta o já citado professor Roque Carrazza:

"Destarte, à pessoa política só é dado instituir obrigações acessórias pertinentes, isto é, que se ajustem aos tributos compreendidos em seu campo tributável. De fato, seria ilógico – que a pessoa A criasse obrigações acessórias relativas a tributos de competência da pessoa política B. Sobretudo quando tais obrigações acessórias não estão contempladas nem mesmo na legislação desta última." [12]


IV. O POSICIONAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASOS SÍMILES.

O Poder Judiciário não tem encontrado dificuldades em decidir casos análogos ao presente. Vejamos o que vêm decidindo os Tribunais Federais:

"(...) DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA – DECLARAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO E TRIBUTOS FEDERAIS – DCTF – INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 126/86 – SRF – PORTARIA Nº 118/84 – MF – OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – (...). Ofende o princípio da legalidade a instituição de obrigação tributária acessória mediante Instrução Normativa, por delegação do Secretário da Receita Federal, através da Portaria nº 118/84, baixada pelo Ministério da fazenda. Precedentes: AC 95.01.18755-1/BA, Relª Juíza Eliana Calmon DJU/II de 09.10.95, p. 68250; REO 94.01.24826-5/BA, Relª Juíza Eliana Calmon, DJU/II de 06.10.94, p. 56075. III. Apelação improvida. Remessa oficial julgada prejudicada.". (TRF 1ª R. – AC 01231283 – BA – 3ª T. – Rel. Juiz Conv. Reynaldo Soares da Fonseca – DJU 07.12.2000 – p. 108).

"(...) 3. Só a lei, em sentido formal e material, pode descrever infração e impor penalidades. (...) 5. Precedentes do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. 6. Improvimento da remessa ex officio." (TRF 1ª R. – REO 01000457275 – MG – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Saulo José Casali Bahia – DJU 30.06.2000 – p. 137).

"CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 1. submetendo-se, a Administração Pública, ao Princípio da Legalidade que, no campo tributário, se reveste de rigidez ainda maior, atenta contra o mesmo criar-se Obrigação Tributária de caráter acessório sem respaldo em lei; 2. Remessa de ofício a que se nega provimento." (TRF4, 1ª T., REO 89.04.19822-4/PR, rel. Juiz Paim Falcão, unânime, j. Dez/1989).

"TRIBUTÁRIO – INSCRIÇÃO NO CADASTRO NACIONAL DA PESSOAL JURÍDICA-CNPJ – INSTRUÇÕES NORMATIVAS SRF NºS 27/98 E 54/98 – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA LIVRE INICIATIVA – Não pode a Receita Federal, sob alegação de débitos fiscais pendentes, obstar, através Instrução Normativa, inscrição de pessoa jurídica no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica-CNPJ, a uma, por violação ao princípio da legalidade, pois inexistente determinação legal nesse sentido; a duas, por violação ao princípio da livre iniciativa, vez que tal restrição criaria barreira à livre atividade econômica do contribuinte." (TRF 2ª R. – AMS 2000.02.01.024916-0 – RJ – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Fernando Marques – DJU 06.02.2001).

"TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – PEDIDO DE INSCRIÇÃO NO CADASTRO GERAL DE CONTRIBUINTES – CGC – REGULARIDADE FISCAL DOS SÓCIOS DA EMPRESA – INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 82/97 – SRF – RESTRIÇÃO ADMINISTRATIVA – MEIO COERCITIVO (CF, 170, PAR. ÚNICO) – ILEGALIDADE – 1. A autoridade administrativa não pode usar de medidas restritivas não previstas em lei como condição para a inscrição no CGC de pessoa física ou jurídica, impedindo direta ou indiretamente a atividade profissional do contribuinte. Súmulas nºs 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal. 2. Recurso improvido." (TRF 1ª R. – AMS 01001181706 – MT – 4ª T. – Rel. Juiz Mário César Ribeiro – DJU 04.08.2000 – p. 422).

"(...) Ilegalidade da Instrução Normativa nº 67/92, que, a pretexto de regulamentar o disposto no art. 66 da Lei nº 8.383/91, restringiu o direito à compensação. (...)." (TRF 3ª R. – AMS 186.824 – (98.03.102253-9) – SP – 6ª T. – Relª Desª Fed. Diva Malerbi – DJU 22.11.2000 – p. 295).

"EMENTA: CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA. DECLARAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES E TRIBUTOS FEDERAIS (DCTF). INSTRUÇÃO NORMATIVA 129/86. ILEGALIDADE. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. - A CRIAÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DEVE SER ANTECEDIDA POR LEI
ORDINÁRIA, CONSTITUINDO ILEGALIDADE SUA INSTITUIÇÃO VIA INSTRUÇÃO NORMATIVA. - APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL TIDA COMO INTERPOSTA IMPROVIDAS. DECISÃO. UNÂNIME." (TRF 5ª Região - Apelação em Mandado de Segurança n.° 55897-AL - Relator: JUIZ FRANCISCO FALCÃO - Turma:01 - Julgamento: 19/09/1996 Publicação:18/10/1996 - Fonte: DJ Pag:079442)

O caso não é, a nosso ver, matéria de competência do Supremo Tribunal Federal, pois ele próprio já pacificou o entendimento de que casos análogos ao ora discutido são de inconstitucionalidade meramente reflexa, verbis:

"INSTRUÇÃO NORMATIVA – NATUREZA – CTN, ART. 110 – I – Os atos normativos expedidos pelas autoridades fazendárias têm por finalidade interpretar a lei ou o regulamento no âmbito das repartições fiscais. CTN, art. 100, I – Destarte, se essa interpretação vai além da lei, a questão e de ilegalidade e não de inconstitucionalidade, pelo que esse ato normativo não esta sujeito à jurisdição constitucional concentrada. II – Precedente do Supremo Tribunal Federal: ADIn nº 311-9-DF." (STF – ADIMC 536 – DF – T.P. – Rel. Min. Carlos Velloso – DJU 13.09.1991).

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, deve ser a última instância a se manifestar sobre a Instrução Normativa em debate, já havendo naquela Corte a idéia de que qualquer obrigação tributária há de ser criada por lei:

"TRIBUTÁRIO – ICMS – SUJEITO PASSIVO – 1. Somente a lei pode criar substituto tributário (art. 150, § 7º da CF/88). 2. Ilegalidade da instrução normativa que proclama textualmente a substituição tributária com respaldo em convênio e não em lei – comento/88. 3. Recurso provido." (STJ – Ac. 199600562482 – ROMS 7641 – GO – 2ª T. – Rel. Min. Eliana Calmon – DJU 03.04.2000 – p. 00132).


V. CONCLUSÕES.

Feitas estas observações, não é difícil a conclusão do assunto, que pode ser resumido em alguns pontos principais.

Ei-los, em síntese:

a)as obrigações tributárias devem ser criadas por meio da leis tributárias, conforme preceitua o próprio CTN;

b)a Instrução Normativa n.º 304, apesar de se referir a textos legais, não tem previsão legal, especialmente no que se refere à instituição da Dimob, às multas, à tipificação penal, e à quebra do sigilo fiscal sem a ocorrência de procedimentos e processos de fiscalização;

c)os atos normativos, ou os próprios decretos, têm função própria, que é a de regulamentar a legislação; não podem, ao contrário, invadir a competência atribuída ao Poder Legislativo, passando a estabelecer hipóteses obrigacionais sem base em lei formal;

d)A Instrução Normativa sob exame estipula obrigação tributária relacionada à arrecadação e fiscalização de tributo estranho à esfera de competência tributária da União, conflitando com o que prescreve o § 2º do art. 113 do CTN.

e)o Poder Judiciário vem afastando a possibilidade de criação de obrigações tributárias, mesmo que acessórias, sem previsão em leis, estas em sentido formal;

f)a Instrução Normativa em comento, por tais razões, é totalmente ilegal, devendo assim ser interpretada pelo Judiciário;

g)os meios mais adequados para discutir as novas obrigações tributárias são a ação declaratória e o mandado de segurança.


Notas

01. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 285.

02. Op. cit. p. 199.

03. Op. cit. 154.

04. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. Malheiros, 1997, p. 88/89.

05. Este tema sera melhor analisado no sub-item que trata do Princípio da Estrita Legalidade Tributária.

06. REALE, Miguel. Questões de direito. 1. ed. Sugestões Literárias, 1981, p. 57-60.

07. Importante observar o teor dos arts. 97, 98, 99, 100, 108, 109, 110, 111 e 112, todos do CTN.

08. GANDRA MARTINS, Ives. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo, Saraiva, 1990, v. 6, t. 1, p. 145. Para ele, "O Código Tributário Nacional, portanto, continua inatacável, em seu art. 97."

09. DWORKIN, Ronald. Taking rights serioulsly. 16. ed. Cambridge: Harvard University Press, 1997. p. 26/27.

10. XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. Dialética. P. 17.

11. CARRAZZA, Roque. Curso de direito constitucional tributário. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 238.

12. Op.cit. p. 241.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Evandro Zaranza

advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), membro do Grupo de Estudos Tributários Eurico Diniz Santi

André Elali

advogado em Natal (RN), pós-graduando em Direito Tributário pela UFRN, membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário e do Grupo de Estudos Tributários Enrico Diniz Santi

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZARANZA, Evandro ; ELALI, André. Anotações acerca da Instrução Normativa nº 304 da Secretaria da Receita Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 111, 22 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4424. Acesso em: 23 dez. 2024.

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