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Porte de arma branca e princípio da legalidade penal

31/12/2015 às 09:13
Leia nesta página:

Com a impressionante ocorrência de lesões produzidas por armas brancas, surge um clamor na sociedade no sentido de criminalizar o seu porte.

No Brasil, a legislação acerca do porte de arma branca teve como seu primeiro diploma legal o Decreto nº 1.246, de 11 de dezembro de 1936, que regulamentava, dentre outros assuntos, o transporte de armas, relacionando as armas proibidas, bem como as permitidas para civis, regulamentando o porte das permitidas, como ainda proibia o cidadão de portar facas(ou outras lâminas) que possuíssem mais de 10 cm de comprimento.

Por sua vez, o artigo 19 da Lei de Contravenções Penais disciplina:

Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade: 

Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa, ou ambas cumulativamente."

Vem a questão com relação ao chamado uso de arma branca.

No caso o dispositivo da Lei de Contravenções Penais sobre o porte de arma branca será objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal.

Sobre a matéria noticia-se:

“As implicações legais do porte de arma branca sem autorização serão discutidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Por maioria, o Plenário Virtual acompanhou a manifestação do relator, ministro Edson Fachin, reconhecendo a repercussão geral do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 901623, no qual se questiona a tipicidade da conduta dada a ausência de regulamentação exigida no artigo 19 da Lei das Contravenções Penais (LCP, Decreto-Lei 3.688/1941).

O artigo 19 da LCP estabelece como contravenção trazer consigo arma fora de casa, sem licença da autoridade, sob pena de prisão simples ou multa, ou ambas cumulativamente. Para o ministro Fachin, a discussão no ARE baseia-se na incompletude do tipo penal sobre o qual se fundou a condenação do recorrente, em possível afronta o princípio da legalidade penal (artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal), segundo o qual não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal.

No caso concreto, um homem foi condenado ao pagamento de 15 dias-multa pelo porte de uma faca de cozinha, com recurso negado pela Turma Criminal do Colégio Recursal de Marília (SP). O colegiado entendeu que o artigo 19 da LCP está em plena vigência e não foi revogado pelo Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), que trata apenas de armas de fogo.

A Defensoria Pública de São Paulo, que representa o recorrente, sustenta no Supremo a atipicidade do porte de armas brancas, pois o artigo 19 da LCP seria carente de regulamentação por ele mesmo exigida. A Defensoria ainda alega que a invocação do Decreto Paulista 6.911/1935 como norma regulamentadora do porte de arma branca viola a competência exclusiva da União para legislar sobre direito penal (artigo 22, inciso I, da CF).  

Ao submeter a questão aos demais ministros, o ministro Fachin argumentou que o tema merece status de repercussão geral por tratar de garantia constitucional de relevância social e jurídica que transcende os limites da causa, “explicitando a necessidade de se exigir clareza dos tipos penais, um dos corolários do princípio da legalidade penal”. O entendimento do relator foi seguido, por maioria, em deliberação no Plenário Virtual da Corte.”

Só o legislador federal pode disciplinar em tema de direito penal, diante do principio da reserva de parlamento, inerente ao principio da legalidade.

Pelo principio da legalidade alguém só pode ser punido se, anteriormente ao fato por ele praticado, existir uma lei que o considere como crime.

Mas há as chamadas normas penais em branco.

As normas penais em branco são lex imperfectas (Binding), pois determinam integralmente somente a sanção, sendo que o preceito, descrito de modo impreciso, remete-se a outra disposição legal para a sua complementação (a maioria das normas penais são completas e determinam o preceito e sua sanção – penas e medidas de segurança, que não podem ser incluídas aqui). No Brasil sanção é nomen iuris, nome próprio.

São normas penais incriminadoras (que podem ser incriminadoras e não incriminadoras).

São normas que fixam a cominação penal, mas que descrevem o conteúdo da matéria de proibição de maneira generalizada, remetendo expressa ou tacitamente a outros dispositivos de lei (formal), ou emanados de órgão de categoria inferior.

A norma penal compreende duas partes, a primeira define a matéria de proibição e a segunda estabelece a sanção aplicável. Na norma penal em branco a primeira parte (matéria de proibição) não se encontra disposta integralmente com precisão, remetendo-se a outros dispositivos para que se dê o preenchimento (norma de preenchimento).

As normas penais em branco são muito flexíveis, pois a matéria de proibição modifica-se facilmente segundo as vicissitudes que sofrem os acontecimentos a que se referem.

As normas penais em branco são tipos que necessitam de complementação.

As normas penais em branco passaram a se constituir em uma solução muito cômoda, pois, com a remissão a instâncias legislativas mais ágeis, possibilita-se a modificação da matéria de proibição – a cuja infringência vincula-se a pena – mais facilmente, de acordo com as vicissitudes que sofrem os acontecimentos a que se referem.

Os tipos abertos possuem uma ampla margem de liberdade semântica e com isto abrem ao juiz, obrigatoriamente, margens de espaço de decisão, dentro das quais ele deve se movimentar sem a instrução da lei – o complemento, em face da amplitude, é produzido pelo juiz por meio de um juízo de valor (valoração).

Na norma penal em branco o preenchimento do tipo é feito a partir de outras disposições, de modo que para sua realização remete-se a outras disposições jurídicas (remissão interna e externa) ou atos administrativos. Face à imprecisão do conteúdo do tipo, ou seja, para concretizar a norma, o intérprete precisa recorrer a estas, sem as quais não se torna possível, pois estas disposições limitam as margens de espaço de decisão.

Na matéria já se decidiu:

Ementa: "HABEAS CORPUS" - PORTE DE ARMA BRANCA - FACA DE COZINHA - ART. 19 DA LEI DE CONTRAVENCOES PENAIS - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - POSSIBILIDADE - CONDUTA ATÍPICA - ORDEM CONCEDIDA. "HABEAS CORPUS" - PORTE DE ARMA BRANCA - FACA DE COZINHA - ART. 19 DA LEI DE CONTRAVENCOES PENAIS - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - POSSIBILIDADE - CONDUTA ATÍPICA - ORDEM CONCEDIDA. "HABEAS CORPUS" - PORTE DE ARMA BRANCA - FACA DE COZINHA - ART. 19 DA LEI DE CONTRAVENCOES PENAIS - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - POSSIBILIDADE - CONDUTA ATÍPICA - ORDEM CONCEDIDA. "HABEAS CORPUS" - PORTE DE ARMA BRANCA - FACA DE COZINHA - ART. 19 DA LEI DE CONTRAVENCOES PENAIS -- TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - POSSIBILIDADE - CONDUTA ATÍPICA - ORDEM CONCEDIDA. - De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o trancamento da ação penal é medida de exceção, devendo ser adotada somente quando for demonstrada, de plano, a ausência de justa causa, em razão da atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou inexistência de indícios de autoria. - Como se sabe, o art. 19 da LCP é uma norma penal em branco e, em nosso país, não foi regulamentado o porte de armas brancas em via pública. Logo, com fulcro nos princípios da reserva legal e da segurança jurídica, o mencionado dispositivo não poderia ser aplicado ao caso em testilha, uma vez que o paciente está impedido, pelo próprio Estado, de obter qualquer autorização para usar e portar a faca de cozinha. Assim, é certo que o fato narrado na denúncia não se amolda à conduta descrita no artigo 19 da Lei de Contravenções  Penais e, portanto, o Estado não pode pretender punir o paciente, mostrando-se imperioso o reconhecimento da atipicidade de sua conduta – TJMG(HC 10000121271571000 MG).

HABEAS CORPUS - CONTRAVENÇÃO PENAL - PORTE DE ARMA BRANCA - ART. 19, DA LEI DE CONTRAVENCOES PENAIS - SUBSISTÊNCIA - TIPICIDADE - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - IMPOSSIBILIDADE - ORDEM DENEGADA. - Com a edição da Lei 9.437/97 e, posteriormente, da Lei10.826/03, o art. 19, da Lei de Contravenções   Penais foi apenas derrogado no tocante ao porte de arma de fogo, subsistindo a contravenção quanto ao porte de arma branca, porquanto aquelas leis são especiais e posteriores à Lei de Contravenções, não interferindo, objetivamente, na tipicidade da contravenção de porte de arma branca. V.V. "HABEAS CORPUS". CONTRAVENÇÃO PENAL DO ARTIGO 19 DA LEI 3.688/1941. PORTE DE ARMA BRANCA (FACA). TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O PROSSEGUIMENTO DO FEITO. ORDEM CONCEDIDA.

1. Para se trancar a ação penal por meio da via de "Habeas Corpus", deve ser comprovado o constrangimento ilegal, devendo a causa de pedir ser alusiva à falta de justa causa, à atipicidade da conduta e à nulidade da peça acusatória.

2. A contravenção penal do artigo 19 da Lei 3.688/1941 exige para sua tipificação formal, em homenagem ao princípio da legalidade, a prévia disciplina das condições de "autorização e licença para o porte de arma branca fora de casa".

3. Sendo atípica a conduta praticada pelo paciente, torna-se imperioso o trancamento da ação penal, nos termos do artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal.

4. Ordem concedida. (Desembargador Marcílio Eustáquio Santos).- TJMG(HC 10000130190648000 MG)

A matéria foi objeto de deliberação no V Encontro Estadual dos Defensores Públicos de São Paulo, especificamente a tese 07/12, em que destaco as seguintes conclusões:

“SÚMULA É atípico o porte de arma branca. ASSUNTO LEI 3.688/41 (CONTRAVENÇÕES PENAIS). PORTE DE ARMA BRANCA. ATIPICIDADE. ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAIS  DA DEFENSORIA PÚBLICA CONTRAVENÇÃO PENAL DE PORTE DE ARMA BRANCA. ATIPICIDADE. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA Conforme art. 19, da Lei de Contravenções Penais, é infração penal “trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade”, sujeitando o infrator à pena de “prisão simples, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa, ou ambas cumulativamente, se o fato não constitui crime contra a ordem política ou social”. Tal artigo sempre foi aplicado para o porte de arma de fogo, quando ainda não havia legislação específica sobre o tema. A respeito do porte de arma branca (faca, por exemplo), não raramente o órgão acusatório denuncia o cidadão que pratica esta conduta, acreditando que esta se subsume ao art. 19, da Lei de Contravenções Penais. Ocorre que se formos fazer uma leitura detida e concentrada neste artigo, verificamos que na parte final exige: “sem licença da autoridade”. Trata-se de norma penal em branco, exigindo-se um complemento normativo que faça previsão dos casos em que a autoridade competente aferirá licença ao cidadão para o porte de arma (branca). Tal “complemento normativo”, no Brasil, apenas existe quanto à restrição sobre espadas e espadins das Forças Armadas e Auxiliares, consideradas privativas destas segundo o regulamento de produtos controlados do Exército (R-105). Nada mais juridicamente válido existe sobre o assunto. Consequentemente e segundo a regra constitucional, no Brasil o porte de faca ou qualquer tipo de lâmina não é proibido pela legislação, salvo a exceção acima mencionada (espadas e espadins das For- ças Armadas e Auxiliares), podendo qualquer indivíduo mentalmente sadio portar sua faca para defesa ou trabalho, independentemente de qualquer autorização para tanto. V ENCONTRO ESTADUAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS DE SÃO PAULO TESES APROVADAS 28 É a regra do Estado de Direito, constituindo abuso de autoridade qualquer medida policial coercitiva contra o porte de lâminas. Ressalte-se que a jurisprudência do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, em julgamento de 13 de janeiro de 2000, proferido pela 7.ª Câmara, ao apreciar uma apelação (processo 1175279/8), decidiu que não configura infração penal o porte de arma branca. Confira-se: “LEI DE ARMAS. PORTE DE ARMA BRANCA. PUNIBILIDADE. INOCORRÊNCIA: - O portar arma branca não tem nenhuma significação em termos de punibilidade, por não se tratar de instrumento cujo porte esteja condicionado à autorização de autoridade competente, conforme a Lei n.º 9437/97, que disciplina, exclusivamente, o uso de armas de fogo, sendo certo que viola o princípio da reserva legal a tentativa de incluir as armas brancas na categoria daquelas cujo porte é disciplinado normativamente, ou supor para essa hipótese a manutenção do art. 19 da LCP, com suporte em decreto estadual de patente inconstitucionalidade.” Nem se diga que o Decreto Estadual n. 6.911/55, que proíbe o porte de faca com lâmina de 12,5 cm, preencheria o requisito do tipo “sem licença da autoridade”. Isso porque, é certo que referida norma não disciplina a LICENÇA PARA PORTE DE ARMA BRANCA, sendo tal imprescindível pela leitura do art. 19, da LCP. Defendendo este ponto de vista, vem Silvio Maciel (in Legislação Penal Especial, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 77/78): Sem embargo da discussão que há sobre esse decreto (se foi ou não recepcionado pela Constituição de 1988; qual seu âmbito espacial de aplicação etc.) a verdade é que ele não dispõe sobre nenhuma licença para porte de arma branca. Também não serve, portanto, como complemento para aplicação do dispositivo em estudo. (sem grifo no origina). Ainda que se entenda, em último caso, que o Decreto de alguma forma estaria tratando de LICEN- ÇA, a Constituição da República Federativa do Brasil determina que matéria penal deve ser disciplinada pela UNIÃO (art. 22, I, da CRFB), e não pelos ESTADOS!!! A este respeito, vejamos o entendimento de Guilherme de Souza Nucci: “Não há lei regulamentando o porte de arma branca de que tipo for. Logo, é impossível  conseguir licença da autoridade para carregar consigo uma espada. Segundo o disposto no art. 5º, II, da Constituição Federal, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Há outro ponto importante. Cuida-se de tipo penal incriminador, razão pela qual não pode ficar ao critério do operador do direito aplicá-lo ou não, a seu talante.(...) Não desconhecemos que há argumentos sustentando a vigência do Decreto 6.911/35, que proíbe o porte de „armas brancas destinadas usualmente à ação ofensiva, como punhais ou canivetes-punhais, ou facões em forma de punhal; e também as bengalas e gaurda-chuvas ou quaisquer outros objetos contendo punhal, espada, estilete ou espingarda‟, além de „facas cuja lamina tenha mais de 10 centimetros de comprimento e navalhas de qualquer dimensão...‟ (art. 5º) (...) Não pode um decreto disciplinar matéria penal, que é, nos termos do atual texto constitucional, assunto privativo da União (art. 22, I, CF)”. (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 2ª edição, 2007, Ed. RT, p. 152) Por estas razões, inexistindo complemento normativo da União, trata-se de fato atípico.”

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Arma branca é “todo objeto simples ou singelo que serve de arma, para a defesa ou ao ataque, constituído de ponta(s) ou lâminas, com capacidade de perfurar ou cortar como pregos, parafusos, agulhas de costura, tricot, para fazer redes de pesca, tesouras, chaves de fenda, canivetes ou navalhas. Serão ainda consideradas armas brancas outros objetos simples ou singelos utilizados para golpear, perfurar ou cortar como pedaços de madeira, canetas ou cacos de vidro”.

Há armas brancas que podem ser com corte, espadas e machados, e ainda sem corte, como porretes.

Já se entendeu que a Lei 9.437/97 não veio para descriminalizar o porte de arma branca, apenas elevou o porte ilegal de armas de fogo, antes tipificado como contravenção penal, à categoria de crime. Se há possibilidade de utilização de faca para fins criminosos, pode se caracterizar como arma e atrair a incidência do artigo 19 da Lei das Contravenções Penais(Recurso Crime Nº 71001655117, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Alberto Delgado Neto, Julgado em 02/06/2008).

É certo que já entendeu o  Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na análise do RC 71003473576, entendeu que “quando o portador desvirtua o uso do objeto se faz incidente a regra prevista no artigo 19 da Lei das Contravenções Penais”.

Nesse sentido tem-se entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg no HC 138975/MG, julgamento de 7 de fevereiro de 2012, Relator Ministro Og Fernandes.

Assim o entendimento, consoante se lê de julgamento no HC 1000012221733000/MG, pelas Câmaras Isoladas, do TJMG, é de que “com a edição da Lei 9.437/97 e, posteriormente, da Lei 10.826,/03, o artigo 19 da Lei de Contravenções Penais foi apenas derrogado no tocante ao porte de arma de fogo, subsistindo a contravenção quando ao porte de arma branca, porquanto aquelas leis são especiais e posteriores à Lei de Contravenções, não interferindo, objetivamente, na tipicidade da contravenção de porte de arma”.

Projetos há que visam criminalizar o uso de armas brancas em via pública.

O  PL 2967, do Deputado Lincoln Portela (PR-MG), com apenas 02 artigos, estabelece em seu artigo 1º. que:

Art. 1º - Fica proibido o porte de arma branca em via pública:

Pena – detenção de três meses a um ano e multa.

§ 1º Entende-se como arma branca, todo instrumento, constituído de lâmina de qualquer material cortante ou pérfuro-cortante, tendo dez ou mais centímetros de comprimento.

§ 2º Não constitui o crime tipificado no caput o transporte de objeto, que possa ser considerado arma branca, entre o seu local de depósito e o local de sua adequada utilização e vice-versa.

Na lição do Professor Hélio Gomes(Medicina Legal, 18ª edição, pág. 547) os instrumentos perfurantes e perfuro-cortantes podem produzir lesões. Esses instrumentos caracterizam-se por sua extremidade punctiforme e pelo predomínio do comprimento sobre a largura e a espessura. Podem ser:

a)      Instrumentos perfurantes propriamente ditos, de forma cilíndrica e cilindro-cônica, tais como os pregos, as agulhas, os alfinetes etc;

b)      Instrumentos pérfuro-cortantes: Estes além de perfurar o organismo, ainda exercem lateralmente ação de corte. São representados pelas facas, punhais, canivetes etc. Compreendem dois grupos: os instrumentos pérfuro-cortantes de um só gume ou de um só bordo cortante; instrumento pérfuro-cortantes de dois gumes ou de dois bordos cortantes;

c)       Instrumentos de ponta e de arestas, contendo várias faces(quatro, cinco, ou mais) e três ou mais ângulos diedros. É o caso de objetos como limas, os floretes, certos estoques, baionetas etc.

Veja-se o caso, por exemplo, das lesões produzidas no tórax. Observem-se os ferimentos produzidos na pleura e nos pulmões. Quando se trata de armas de diâmetro reduzido e que atingem apenas a superfície do pulmão, o ferimento apresenta caráter benigno, desde que não sobrevenham complicações sépticas.

Claro que instrumentos mais volumosos podem provocar, quando atingem o tórax, quando manejados com maior violência, lesões dos brônquios e de vasos mais calibrosos, surgindo, em consequência disso, hemoptises, hemotórax, isto é coloração sanguínea dentro das pleuras, comprimindo o pulmão, que se reduz de volume, enfisema subcutâneo, o que vale dizer que o ar se insinua debaixo da pele e o indivíduo, em alguns casos, toma aspecto volumoso e se assemelha a um batráquio, como explicou o Professor Hélio Gomes.

Com a impressionante ocorrência de lesões produzidas por essas armas brancas surge um clamor na sociedade no sentido de criminalizar o seu porte. Há caso de morte em fato rumoroso ocorrido recentemente.

Mas o tratamento entre crime e contravenção é claro.

A  Lei de Contravenções Penais, Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, utilizou-se do critério meramente formal, baseado na distinção da gravidade da pena; há crime se a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; há contravenção, se a pena cominada é a prisão simples ou a de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Em verdade, a rigor, não existe diferença entre crime e contravenção, espécies distintas do gênero infração penal, pois não há um elemento de ordem ontológico que encerre uma essência natural em si mesmo. Para Nelson Hungria, a contravenção é um crime-anão, mas o critério de rotulação de uma conduta é essencialmente de política criminal. O que hoje se considera crime, amanhã poderá ser contravenção, ou vice-versa. O porte de arma é hoje crime, do que se lê do artigo 10, da Lei nº 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, e não mais contravenção.

Leandro Prado(Resumo de direito penal, parte geral, 4ª edição, 2010) faz algumas diferenças:

a)      A ação penal, no crime, é pública ou privada(artigo 100, CP); na contravenção, é pública incondicionada(artigo 17, LCP);

b)      No crime, a competência para instruir e julgar pode ser da Justiça Estadual ou Federal; na contravenção, só a Justiça Estadual, exceto se o réu tem foro por prerrogativa de função na Justiça Federal; 

c)       No crime, a tentativa é punível(artigo 14, parágrafo único do CP); na contravenção, não é punível(artigo 4º , LCP);

d)      No crime, a extraterritorialidade é possível(artigo 7º, CP); na contravenção, a Lei brasileira não a alcança se o fato delituoso ocorre no exterior(artigo 2º, LCP);

e)      No crime, a pena de privativa de liberdade é de reclusão ou detenção(artigo 33, CP); na contravenção, há incidência de prisão simples(artigo 6º, LCP);

f)       No crime, o limite temporal da pena, é de 30 anos(artigo 75, CP); na contravenção, é de cinco anos(artigo 10, LCP);

g)      No crime, para cálculo do sursis, há a incidência de 2 a 4 anos(artigo 77, CP); na contravenção, de 1 a 3 anos(artigo 11, LCP).

É certo que a Súmula nº 38 do Superior Tribunal de Justiça cristaliza entendimento de que compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades.

Noticia-se que há movimentação na Câmara dos Deputados para desengavetar um projeto de lei, apresentado há onze anos, que criminaliza o porte de arma branca nas ruas. Fala-se que o texto deve merecer emendas uma vez que é considerado brando. Defende-se que a pena mínima seja de três anos, de modo a que o acusado de porte de facas ou qualquer objeto cortante seja mantido preso.

Ora, ele somente será mantido preso se estiver enquadrado dentro dos limites dos artigos 312 e 313  do Código Penal.

Não cabe prisão preventiva em caso de crimes culposos, contravenção penal ou se no caso concreto está presente qualquer causa de exclusão de ilicitude.

De toda sorte, como está hoje a matéria, à luz do artigo 19 da Lei das Contravenções Penais, não havendo base em face do principio da legalidade e tendo em vista a exigência de competência privativa da União Federal na matéria para legisla em sede de direito penal, outro caminho não restará senão entender que tal dispositivo não foi recepcionado pela presente Constituição Federal.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Porte de arma branca e princípio da legalidade penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4565, 31 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44247. Acesso em: 2 nov. 2024.

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