O posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca da natureza jurídica do empréstimo compulsório

04/11/2015 às 10:58
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O presente artigo traz uma análise do posicionamento histórico do STF em relação à figura do empréstimo compulsório. O trabalho expõe os motivos que levaram a edição da Súmula 418 e as razões que levaram a sua posterior revogação.

2.3 O Posicionamento do Supremo Tribunal Federal

Em 1964, o Supremo Tribunal Federal editou, com base em diversos precedentes[1], a Súmula n. 418, que assim se lê:

“O empréstimo compulsório não é tributo, e sua arrecadação não está sujeita à exigência constitucional da prévia autorização orçamentária.”

Dentre os precedentes citados, o mais emblemático é o Recurso em Mandado de Segurança n. 11.252/PR, de relatoria do Ministro Antonio Villas Boas. Tratava-se de pedido de segurança impetrado em face da Lei Estadual n. 4529/1962 do Paraná. A referida lei instituiu um adicional, na forma de empréstimo compulsório, de 1% em cima do imposto sobre vendas, consignações e transações.

A polêmica da questão se dava em saber se poderia ou não o gravame ser cobrado no mesmo exercício em que instituído, ainda que sem prévia dotação orçamentária, visto que à época vigorava o princípio da anualidade.[2]

Em seu voto, o Ministro Relator Villas Bôas entendeu que a cobrança poderia ocorrer, pois o produto da arrecadação não era destinado ao Tesouro, mas sim ao Banco do Estado do Paraná, com vistas a fomentar o Fundo de Desenvolvimento Econômico destinado à CODEPAR.[3] Sendo assim, na visão do Ministro, o empréstimo compulsório, embora de caráter impositivo, era uma contribuição parafiscal, não envolvida pelo princípio tributário da anualidade. Veja-se excerto de seu voto:

A Lei 4.529 é pertinente à ordem econômica, e não propriamente à administração das finanças públicas. A entrada, que ela determinava, embora de caráter impositivo, era uma contribuição parafiscal, não envolvida na proibição do inciso.” [4]

No entendimento do Ministro Villas Bôas, a cobrança seria legítima, por não se tratar de medida financeira, mas de medida econômica. Tal se dava por ser contribuição parafiscal, não para ser recolhida ao Tesouro, mas ao Banco do Estado em conta bloqueada a ser oportunamente transferida à CODEPAR.

Entendimento divergente foi adotado pelo Min. Luiz Gallotti, para o qual o empréstimo forçado se tratava de maneira inequívoca de tributo. Em suas palavras:

Mostra Aliomar Baleeiro que a decretação de empréstimos forçados, tirando deles a voluntariedade que lhes é própria para torná-los compulsórios, desnatura o instituto e faz com que passe a ter as características da tributação. (...)

“Trata-se de tributo, com a cláusula de restituição, como diz Pontes de Miranda, mas, por isso, não deixa de ser tributo e não se elimina a fiscalidade.” [5]

  Quanto ao argumento de se tratar de contribuição de cunho econômico, portanto revestidade da parafiscalidade e sem a incidência do principio tributário da anualidade, o Min. Luiz Gallotti o rebateu da seguinte forma:

Amilcar de Araújo Falcão mostra que a destinação especial não descaracteriza os tributos. Tornam-se então tributos ligados, conforme a terminologia alemã. O fato de ser delegado o tributo a um serviço descentralizado, a uma autarquia, não lhe altera a natureza. A parafiscalidade não tem nenhum traço essencial que a distinga da chamada fiscalidade.” [6]

Portanto, na visão do Min. Luiz Gallotti, o empréstimo compulsório possuía todas as características inerentes de um tributo. Sendo assim, à esse instituto dever-se-ia incidir todas as regras e princípios tributários, devendo-se respeitar o princípio da anualidade quando da sua instituição.

Em seguida, o Min. Victor Nunes Leal, defende um terceiro posicionamento. O empréstimo compulsório seria, a seu ver, uma espécie de contrato compulsório, no qual não apenas as suas condições viriam determinadas em lei, mas também a obrigatoriedade de contratar é determinada pelo legislador.

Nesse viés, por se tratar de uma prestação restituível, não estaria incluído no rol dos tributos. Na visão do Ministro, a Constituição de 1947 teria incluído neste rol apenas as contribuições obrigatórias não restituíveis.

“O empréstimo compulsório não é imposto. É uma providência que se destina, como tantas outras, a regular, no interesse coletivo, a circulação dos nossos recursos financeiros disponíveis. Uma parte desses recursos é retirada, temporariamente, da livre circulação, para ser aplicada pelo Estado, que a restituirá no termo legal.”

“Essa medida é em tudo equiparável ao deposito compulsório, no Banco do Brasil, de parte do encaixe dos bancos particulares. A diferença consiste apenas na maior generalização do empréstimo compulsório, que alcança, não somente os bancos, mas todos os contribuintes do imposto de renda.”

“Aliás, esse relacionamento com o imposto de renda não tem relevo jurídico, como se pretende, para desnaturar o empréstimo compulsório, porque, em linha de princípio, o critério de arrecadação poderia variar. (...)”

“Medidas dessa natureza, que visam a melhorar a circulação dos recursos financeiros disponíveis, para reduzir a emissão inflacionária de papel moeda, dependem somente de estarem previstas em lei.” [7] [8] 

Portanto, por se tratar de contrato forçado entre o particular e o Poder Público, o empréstimo compulsório não se confundiria com a figura do tributo.

Por fim, o entendimento do Ministro Victor Nunes Leal prevaleceu, em decisão apertada, por 6 votos a 4. Sendo assim, o julgamento do RMS 11.252/PR culminou na edição da indigitada Súmula.

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal rechaçou a natureza tributária do empréstimo forçado. Entendeu-se, à época, que o empréstimo compulsório era um “contrato ou empréstimo coativo”, marcado pela cláusula de restituição e pela coatividade própria dos contratos de adesão. [9]

No entanto, esse modo de pensar foi sendo aos poucos minado pelas incessantes críticas doutrinárias. Amílcar de Araújo Falcão, respaldado pelo estudo de vários outros doutrinadores – Alfredo Augusto Becker[10], Pontes de Miranda[11], Geraldo Ataliba[12], Rubens Gomes de Sousa[13], Ruy Barbosa Nogueira[14] e outros – demonstrou que a doutrina, de um modo geral, estava mais afeita à tese de que o empréstimo compulsório se revestia de feição tributária.

Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal declarou inválida a Súmula 418 quando do julgamento do Recurso Extraordinário 111.954/PR, de relatoria do Ministro Oscar Correa, que restou assim ementado:

EMENTA: - EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO - DEC. - LEI 2.047, DE 20/7/1983. SÚMULA 418. A SÚMULA 418 PERDEU VALIDADE EM FACE DO ART. 21, PARÁGRAFO 2º, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

NÃO HÁ DISTINGUIR, QUANTO À NATUREZA, O EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO EXCEPCIONAL DO ART. 18, §3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DO EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO ESPECIAL, DO ART. 21, §2º, II, DA MESMA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O caso em questão tratava-se da análise de constitucionalidade do Decreto-Lei 2047/1983, o qual institui empréstimo compulsório com cobrança imediata, ou seja, para o mesmo exercício em que criado. O cerne da questão estava em saber se ao empréstimo forçado se aplicaria as disposições constitucionais relativas aos tributos e as normas gerais de direito tributário.

A polêmica se dava em questão das redações do art. 18, §3º e do art. 21, §2º, II. O §3º do art. 18 dispunha: “somente a União, nos casos excepcionais definidos em Lei Complementar, poderá instituir empréstimo compulsório”.

 Por sua vez o art. 21, §2º, II preconizava: “A União pode instituir: empréstimos compulsórios, nos casos especiais definidos em Lei Complementar, aos quais se aplicarão as disposições constitucionais relativas aos tributos e às normas gerais do direito tributário”.   

Sendo assim, a União Federal defendia que existiam dois tipos de empréstimo compulsório, a saber, um de natureza excepcional, regulado pelo art. 18, §3º, e outro de natureza especial, do art. 21, §2º, II.

Ao de natureza excepcional não se aplicariam as disposições constitucionais relativas aos tributos e às normas gerais do direito tributário, que teriam incidência reservado somente ao empréstimo forçado especial.

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Portanto, no entendimento da União, como o Decreto-Lei 2047/1983 instituiu empréstimo compulsório com base no art. 18, §3º, ou seja, de natureza excepcional, este não estaria afetado pelos princípios tributários da anterioridade. Além do mais, invocava a Súmula 418, que refutava a natureza tributária do gravame.

Em seu voto, o Ministro Oscar Correa considerou que a referida Súmula havia perdido a validade, pois tinha como referência a Constituição de 1946, a qual havia sido profundamente pela legislação posterior, em especial a partir da edição do art. 21, §2º, II (Emenda Constitucional 1/1969) que determinou que se aplicasse aos empréstimos compulsórios as disposições constitucionais relativas aos tributos e às normas gerais do direito tributário.

Restava saber se o empréstimo compulsório comportava duas naturezas, sendo os de cunho excepcional isentos de obedecerem aos princípios tributários constitucionais.

Tal não foi o entendimento adotado pelo STF. Para o Excelso Pretório, o art. 18, §3º não autorizaria uma exceção do empréstimo às normas tributárias, mas apenas definia que somente a União poderia instituí-lo. Isso se deve ao fato que, no regime anterior, essa competência se estendia aos Estados, tanto que a Súmula 418 teve como uma de suas referências a Lei Estadual 4529/62, do Estado do Paraná, e em torno dela se estabeleceu a controvérsia do RMS 11.252 citado.

Sendo assim, não havia que se falar em dois tipos do referido encargo, como se percebe de trecho do voto relator:

Para nós os casos excepcionais do art. 18, §3º são os mesmo casos especiais do art. 21, §2º, II e se resumem nos definidos no art. 15 do Código Tributário Nacional, nos incisos:

I - guerra externa, ou sua iminência;

II - calamidade pública que exija auxílio federal impossível de atender com os recursos orçamentários disponíveis;

III - conjuntura que exija a absorção temporária de poder aquisitivo.”[15]

O voto do relator foi acompanhado pela unanimidade, revogando-se a Súmula 418 e declarando-se a inexistência de dois tipos distintos de empréstimo compulsório, que estaria, portanto, submisso aos princípios constitucionais tributários e as normas gerais de direito tributário.

Dessa forma, concluímos que o Supremo Tribunal Federal reconheceu, de maneira expressa, a natureza tributária do referido gravame que atualmente encontra-se disposto no art. 148 da Constituição Federal.


[1] RMS 11671, RMS 11666, RMS 11894, RMS 11773, RMS 11933, RMS 11252, RMS 11358, RMS 11809, RMS 11645

[2] Como previsto no art. 141 §34 da CF de 1946: Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra. Este principio perdeu a eficácia quando da edição da Emenda 1 à Constituição de 1967.

[3] Companhia de Desenvolvimento do Paraná

[4] Fl. 192 RMS 11.252. DJ de 09/07/1964

[5] Fl. 199 RMS 11.252. DJ de 09/07/1964

[6] Idem

[7] Fl. 225 RMS 11.252. DJ de 09/07/1964

[8] Destaca-se que a possibilidade de instituição de empréstimo compulsório como forma de regular a circulação de recursos financeiros, que foi posteriormente disposta pelo inciso III, art. 15 do CTN, não foi incorporada pela Constituição de 1988. Nas palavras de Aliomar Baleeiro, o referido inciso tem caráter puramente extrafiscal, como instrumento de combate à inflação, além de ser de duvidosa cientificidade.

[9] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12ª Edição, p. 426

[10] BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª Edição, p. 395/396

[11] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda 1/1969. 2ª Edição, p.383

[12] ATALIBA, Geraldo. Empréstimos Públicos e seu Regime Jurídico. RT, p. 68/69

[13] SOUSA, Rubens Gomes. Comentários ao Código Tributário Nacional. RT, 1975, p. 163

[14] NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14ª Edição, p. 122

[15] Fl. 510 RE 111.954. DJ de 24/06/1988

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Sobre o autor
Andre Vilhena

Acadêmico de Direito da Universidade de Brasília, atualmente no décimo semestre.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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