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Medidas de segurança

06/11/2015 às 11:24
Leia nesta página:

Apesar de seu caráter de sanção penal, a medida de segurança não deixa de ter vieses curativo e terapêutico. Enquanto não curado, o sujeito submetido a interdição deve permanecer em tratamento.

Destaca-se a posição de Pierangeli e Zaffaroni(Da tentativa, pág. 29) quando sustentam ser a medida de segurança uma forma de pena, pois sempre que se tira a liberdade do homem, por uma conduta por ele praticada, na verdade, o que existe é uma pena.

No passado, com a redação que foi dada à parte geral do Código Penal de 1940, adotou-se, por inspiração do Código Rocco, a plenitude do sistema binário, onde se disciplinava, de forma ampla, as medidas de segurança, como ensinou Heleno Cláudio Fragoso(Sistema do duplo binário, vida ou morte).

Mas a reforma penal brasileira orientou-se pelo fim do duplo binário. Já era essa uma tendência do anteprojeto Hungria(1963) que terminou com as medidas de segurança detentivas para imputáveis, prevendo, para os criminosos habituais e por tendência(projeto Soler, Código Penal italiano), um aumento facultativo das penas.

Pela Lei 7.209/84, ou a periculosidade é presumida, ex vi legis, no caso de inimputáveis, ou deve ser reconhecida pelo juiz ao condenar o semi-imputável(se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento - artigo 26, parágrafo único, CP - quando poderá reduzir a pena de 1/3 a 2/3, conforme o grau de perturbação, ou impor medida de segurança). 

A medida de segurança não deixa de ser uma sanção penal, que visa preservar a sociedade da ação de delinqüentes portadores de graves doenças. Em verdade, o juiz, ao proferir  a sentença de  absolvição imprópria, em decorrência da imputabilidade, aplica a medida de segurança(artigo 97).

De acordo com a redação que era antes dada ao Código Penal, na parte geral, as medidas de segurança podiam ser aplicadas, isoladamente, aos inimputáveis e cumuladas com penas aos semi-imputáveis e aos imputáveis considerados perigosos. Com a Lei 7.209/84, substituiu-se a aplicação para os semi-imputáveis e imputáveis do chamado sistema do duplo binário, que conduz a aplicação de pena ou de medida de segurança, para o sistema vicariante em que se pode aplicar somente pena ou medida de segurança para os primeiros e unicamente a pena para os demais. A medida de segurança, que tem um caráter preventivo assistencial, ficará reservada aos inimputáveis, que são aqueles que, por anomalia psíquica, não podem responder judicialmente nos termos da lei.

A medida de segurança ou consistirá em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou em tratamento ambulatorial, onde cumpre ao sentenciado comparecer nos dias que lhe forem determinados pelos médicos, submetendo-se à modalidade terapêutica prevista(artigo 101 da Lei 7.210/84), sempre que for cominada medida e que o fato objeto de sanção estiver sujeito à pena de detenção(artigo 97 do CP).

O artigo 96 do Código Penal determina a aplicação de medidas de segurança, sendo a primeira a internação em hospital de custodia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado. A segunda medida de segurança é o tratamento ambulatorial.

Por sua vez, dispõe o artigo 97 do Código Penal:

Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Prazo

§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Perícia médica

§ 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Desinternação ou liberação condicional

§ 3º - A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 4º - Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Prevalece no Brasil o sistema vicariante e não o sistema binário, em que o juiz podia aplicar pena mais medida de segurança. Quando o réu praticava delito grave e violento, sendo considerado perigoso, recebia pena e medida de segurança. Assim terminada a pena privativa de liberdade, continuava detido até que houvesse o exame da cessação de periculosidade, ficando detido, indefinidamente, na prática. Pelo sistema vicariante, hoje utilizado, o juiz somente pode aplicar pena ou medida de segurança. Caso o réu seja considerado inimputável, caberá aplicação de medida de segurança. Com o devido respeito, no sistema do duplo binário, o papel destinado aos psiquiatras é importante, pois extinta a pena privativa de liberdade, fica o apenado sob observação desses profissionais para análise de sua periculosidade. Muitos desses criminosos, dentro de uma análise técnica, evidenciam nítida propensão a cometer novos crimes, após o cumprimento da pena.

Vem a pergunta: O que é periculosidade?

Observou Rocco(L’oggeto del reato, Roma, 1932, pág. 313), que a referência à ptemibilidade para expressar periculosidade não era feliz. Aliás, a temibilidade expressa uma impressão subjetiva sendo uma consequência da periculosidade. Seria a periculosidade um modo de ser, um atributo, uma condição psíquica da pessoa, uma anormalidade.

O artigo 203 do Código Penal italiano expressa uma probabilidade de que novos crimes venham a ser praticados. Seria um juízo de comportamento futuro do indivíduo, algo que Bettiol(I problemi di fondo delle misura di sicurezza, Stato di diritto e misure di sicurezza, 1962, pág. 3 a 17) rejeitou. Seria algo profético.

Em verdade, afora critérios científicos, é conceito vago e indeterminado.

A periculosidade pode ser real ou presumida, quando, então, a ficção é indiscutível, como se via no antigo artigo 78 da parte geral do Código Penal. A periculosidade real estava descrita no antigo artigo 77 do código Penal, parte geral.  

Observa-se que pelo antigo sistema dito unitário, via-se a medida de segurança como fundada e medida pela periculosidade do agente.

Entendeu-se que as medidas de segurança não estariam submetidas ao princípio da reserva legal da anterioridade do fato. As medidas de segurança regem-se pela lei vigente ao tempo da sentença prevalecendo, no entanto, se diversa, a lei vigente no momento da execução. Mas, nesse entendimento,  as medidas de segurança não têm caráter retributivo, pois visariam ao tratamento ou emenda. Melhor será a interpretação que foi dada pelo Código Penal austríaco, de 1974, que, em seu parágrafo primeiro, equipara as medidas de segurança à pena para os efeitos da reserva legal.

Mas a pena e as medidas de segurança têm um substrato comum, de forma a permitir problemas que envolvam a conduta de semi-imputáveis no sistema do duplo binário.

Há quem sustente ser inconstitucional o prazo indeterminado para a medida de segurança, pois é vedada a pena de caráter perpétuo – e a medida de segurança é forma de sanção penal, além do que o imputável é beneficiado pelo limite de suas penas em 30 anos(artigo 73 do Código Penal). Ensinam Zaffaroni e Pierangelli: “Pelo menos é mister reconhecer-se para as medidas de segurança o limite máximo da pena correspondente ao crime cometido, ou a que foi substituída, em razão da culpabilidade diminuída”(Manual de direito penal brasileiro, parte geral, pág. 862).

Guilherme de Souza Nucci(Código Penal comentado, 8ª edição, pág. 513) apresenta solução contrária, afirmando:

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“Não nos parece assim, pois além de a medida de segurança não ser pena, deve-se fazer uma interpretação restrita do art. 75 do Código Penal, muitas vezes fonte de injustiças. Como já exposto em capitulo anterior, muitos condenados a vários anos de cadeia, estão sendo interditados civilmente, para que não deixem a prisão, por serem perigosos, padecendo de enfermidades mentais, justamente porque atingiram o teto fixado pela lei(30 anos). Ademais, apesar de seu caráter de sanção penal, a medida de segurança não deixa de ter o caráter curativo e terapêutico. Ora, enquanto não for devidamente curado, deve o sujeito submetido a interdição permanecer em tratamento sob custódia do Estado. Seria demasiado apego à forma  transferi-lo de um hospital de custódia e tratamento criminal para outro, onde estão abrigados insanos interditados civilmente, somente porque foi atingido o teto máximo da pena correspondente ao fato criminoso praticado, como alguns sugerem, ou o teto máximo de 30 anos, previsto no art. 75, como sugerem outros”. 

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 84.219 – SP, Relator Ministro Marco Aurélio, 16 de agosto de 2005, em caso de mulher internada no Hospital de Custódia e Tratamento de Franco da Rocha(SP), por ter matado, por afogamento, seus dois filhos, considerada perigosa, assim decidiu: “Se a internação se prolongar, até o término do prazo restante da pena e não houver sido imposta medida de segurança detentiva, o indivíduo terá o destino aconselhado pela sua enfermidade, feita a devida comunicação ao juiz de incapazes”. Foi concedida parcialmente a ordem de habeas corpus, porém, com o objetivo de não permitir a soltura de mulher internada há mais de 30 anos. Por sua vez, o Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do HC 400.866 – 3/9 – SP, em 26 de novembro de 2002, em caso de tratamento psiquiátrico que perdurou por mais de  trinta anos, sendo que a medida vinha se renovando periodicamente, por recomendação médica, entendeu que o constrangimento ilegal foi inocorrente.

Discute-se se é constitucional a concessão de indulto à pessoa sujeita à medida de segurança.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, considerou constitucional indulto presidencial concedido a condenado sujeito a medida de segurança, sanção de tratamento médico ou internação em instituição de saúde. Segundo o entendimento adotado por unanimidade no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 628658, com repercussão geral conhecida, a medida de segurança também é medida de natureza penal, portanto igualmente sujeita ao indulto. O caso julgado solucionará pelo menos 11 processos sobrestados na instância de origem.

“O Presidente da República, ao implementar o indulto a internados em medida de segurança, nos moldes do Decreto 6.706/1998, não extrapolou o permissivo constitucional”, afirmou o relator do RE, ministro Marco Aurélio. Segundo seu entendimento, apoiado em jurisprudência da Corte, embora a medida de segurança não seja pena em sentido estrito, é medida de natureza penal, e, portanto,  pode ser sujeita ao indulto (perdão) presidencial, como previsto no artigo 84, inciso XII, da Constituição Federal.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Medidas de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4510, 6 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44305. Acesso em: 22 dez. 2024.

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