Considerações acerca da carta testemunhável

11/11/2015 às 15:37
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A carta testemunhável é uma espécie de Recurso, que tem por finalidade o reexame da decisão que denega ou não dá seguimento ao recurso interposto, , conforme expressa o artigo 639 do Código de Processo Penal.

De acordo com Guilherme de Souza (2014), a carta testemunhável “cuida-se de um recurso peculiar, destinado a provocar o processamento ou o conhecimento de outro recurso, para que este possa ser devidamente encaminhado à instância superior (arts. 639 a 646, CPP) ”.[1]

Nesse sentido podemos dizer que é uma espécie de Recurso, que tem por finalidade o reexame da decisão que denega ou não dá seguimento ao recurso interposto, conforme expressa o artigo 639 do Código de Processo Penal, verbis:

Art. 639.  Dar-se-á carta testemunhável:   

I - da decisão que denegar o recurso; 

II - da que, admitindo embora o recurso, obstar à sua expedição e seguimento para o juízo ad quem.

Assim, a motivação pelo qual se denega o recurso, ou a razão para obstaculizar o seguimento ao recurso interposto – seja pela falta de interesse de agir, pela ilegitimidade de parte ou pela intempestividade – não impede o recebimento da carta testemunhável, que será admitida sempre que estiverem presentes as hipóteses descritas na legislação processual penal, conforme acima indicadas.

A respeito disso, Guilherme de Souza (2014), ainda menciona que:

Se o juiz obstar o prosseguimento do recurso em sentido estrito ao tribunal, sem amparo legal a tanto, cabe à parte interessada interpor carta testemunhável. Esta é utilizada quando não houver outro recurso cabível. Ex.: se o magistrado indeferir o processamento de apelação, cabe recurso em sentido estrito (art. 581, XV, CPP), logo, inexiste razão para interpor carta testemunhável. Porém, se indeferir o processamento de recurso em sentido estrito, o caminho é a carta.

Podemos perceber nesse tipo de recurso um caráter subsidiário, pois nunca será cabível quando a legislação tiver estabelecido um outro remédio para a resistência à decisão denegatória do recurso, ou que obsta o seu seguimento.

Nas sabias palavras de Eugênio Pacelli (2011, p. 833):

Contra a denegação de apelação, por exemplo, cabe recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, XV, do CPP. Contra a decisão que não admite recurso extraordinário ou especial, cabe agravo de instrumento (art.28, lei 8.038/90). Assim, a carta dirigia-se basicamente, contra a denegação do recurso em sentido estrito.[2]

Neste sentido, chama-se atenção para a possibilidade de, em nome do Princípio da Fungibilidade dos Recursos, de receber-se a Carta Testemunhável como se Recurso em Sentido Estrito fosse.

Vejamos os seguintes julgados:

CARTAS TESTEMUNHAVEIS INTERPOSTA AO INVES DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - REJEICAO POR INADEQUACAO - PRINCIPIO DA FUNGIBILIDADE (ART. 579, DO CPP) - CONCESSAO DE ORDEM DE HABEAS CORPUS. SE O REU, EQUIVOCADAMENTE, INGRESSOU COM CARTA TESTEMUNHAVEL CONTRA A DECISAO QUE DENEGOU RECEBIMENTO AO SEU RECURSO DE APELACAO, PODE E DEVE O JUIZ, SEGUNDO O PRINCIPIO DA FUNGIBILIDADE INSITO NO SISTEMA PROCESSUAL (ART. 579, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL), RECEBER A PETICAO COMO DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO, QUE E O TECNICAMENTE ADEQUADO (ART. 581, XV, IDEM), DESDE QUE SATISFEITO O REQUISITO DA TEMPESTIVIDADE. LEGISLACAO: CPP - ART 579 . CPP - ART 581, XV. CP - ART 155, PAR 4, IV. CP - ART 29 . JURISPRUDENCIA: RT 598/427.(grifos meus).[3]

APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. INTERPOSIÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. NÃO-RECEBIMENTO. CARTA TESTEMUNHÁVEL. TURMA RECURSAL. RECURSO CONHECIDO COMO APELAÇÃO E PROVIDO. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. APELO MINISTERIAL. ENVIO DOS AUTOS AO TJRS. Trata-se de delito previsto no artigo 303, caput, da Lei nº 9.503/97, em que foi rejeitada a denúncia, tendo a acusação interposto recurso em sentido estrito, desta decisão, o qual não foi recebido pela magistrada monocrática, ensejando o requerimento de carta testemunhável pelo Parquet. Sobreveio, então, decisão da Turma Recursal Criminal, que conheceu do recurso interposto como apelação, pelo princípio da fungibilidade, determinando o regular prosseguimento do feito, nos termos da Lei. Apresentadas razões pelo Ministério Público e contrarrazões pela Defesa, subiram os autos a este Tribunal. Todavia, esta Colenda 2ª Câmara Criminal não possui competência para processar e julgar o presente recurso, cabendo tal atribuição à Turma Recursal Criminal, consoante prevê o artigo 82 da Lei 9.099/95. À UNANIMIDADE DECLINARAM DA COMPETÊNCIA. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70037935319, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosane Ramos de Oliveira Michels, Julgado em 27/08/2013) (grifos meus).[4]

CARTA TESTEMUNHAVEL. E O RECURSO ADEQUADO CONTRA O DESPACHO QUE DIZ SER INCABIVEL O PROTESTO POR NOVO JURI, EM RAZAO DO REU TER SIDO CONDENADO A PENA SUPERIOR A VINTE ANOS, MAS EM CONCURSO MATERIAL. PRINCIPIO DA FUNGIBILIDADE DOS RECURSOS. DEMONSTRADO QUE NAO HOUVE MA-FE QUANDO DA INTERPOSICAO DO PROTESTO POR NOVO JURI, CONHECIDO DEVE SER O RECURSO ORA INTERPOSTO E MANDAR PROCESSAR O PROTESTO COMO APELACAO. (Carta Testemunhável Nº 689007730, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Saulo Brum Leal, Julgado em 12/04/1989).[5]

Cabe aqui ressaltar o disposto no art. 814 do Regimento Interno do TRF5:

Art. 814. Em matéria criminal, dar-se-á carta testemunhável em primeira instância:

I - da decisão que denegar o recurso em sentido estrito ou o agravo em execução;

II - da decisão que, embora tenha admitido o recurso ou o agravo, obste a sua expedição ou seguimento ao Tribunal;

III- da decisão que não admitir o protesto por novo júri.

Assim, considerando as hipóteses dos julgados anteriores, o cabimento da Carta Testemunhável está restrita à decisão que denega ou bloqueia o seguimento para o tribunal competente do Recurso em Sentido Estrito, e do Agravo em Execução – em sede de execução penal - já que para essas hipóteses não há outra alternativa contemplada em lei.    

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Podemos dizer ainda que a Carta Testemunhável é uma forma de evitar abusos de juízes, que impedem que um recurso siga seu caminho natural, tanto que ele é encaminhado ao escrivão (que se não fizer a carta andar normalmente é suspenso) e não ao próprio juiz. Conforme artigo 640 do CPP, que seja:

Art. 640. A carta testemunhável será requerida ao escrivão, ou ao secretário do tribunal, conforme o caso, nas quarenta e oito horas seguintes ao despacho que denegar o recurso, indicando o requerente as peças do processo que deverão ser trasladadas.

Assim, o prazo para interposição de tal recurso – conforme doutrina e jurisprudência dominantes – é de 2 dias, e corre a partir da intimação da decisão denegatória do recurso.

Temos igual entendimento no disposto do art. 815 do Regimento Interno do TRF5, que seja:

Art. 815. A carta testemunhável será requerida ao escrivão, no prazo de quarenta e oito horas; não positivada a hora da intimação, a dilação será de dois dias. Parágrafo único. Na petição, o testemunhante indicará as peças do processo que deverão ser trasladadas.

No que diz respeito ao seu processamento a Carta Testemunhável será processada em autos apartados, cabendo ao recorrente indicar as peças do processo que formarão o instrumento que deverá subir ao tribunal para julgamento, quais sejam: recurso denegado ou obstruído, decisão denegatória ou ato impeditivo do recurso, certidão sobre a tempestividade recursal, além de outras peças processuais que sejam necessárias ao julgamento do mérito do recurso denegado ou obstado.

Em seguida o escrivão terá 5(cinco) dias para extrair, conferir e consertar o instrumento, entregando-o ao testemunhante para o oferecimento de razões, por 2(dois) dias, de acordo com o disposto no art. 641 do CPP e art. 816 do Regimento Interno do TRF5:

Art. 641.  O escrivão, ou o secretário do tribunal, dará recibo da petição à parte e, no prazo máximo de cinco dias, no caso de recurso no sentido estrito, ou de sessenta dias, no caso de recurso extraordinário, fará entrega da carta, devidamente conferida e concertada.

Art. 816. A carta será entregue em prazo não superior a cinco dias.

Após igual prazo para o testemunhado, os autos vão conclusos ao juiz, que, também em 2 (dois) dias, reformará seu despacho, dando prosseguimento ao recurso obstado, em juízo de retratação, ou o sustentará, seguindo-se o rito dos artigos 588 a 592(recurso em sentido estrito). Entendimento este constante no art. 818 do Regimento Interno do TRF5:

Art. 818. Autuado o instrumento, o escrivão abrirá vista ao testemunhante, para que ofereça suas razões no prazo de dois dias; em igual prazo, a parte contrária poderá oferecer sua resposta.

Uma vez extraído e autuado o instrumento a Carta Testemunhável terá o mesmo rito do recurso denegado, como dispõe o art. 645 do CPP, sendo admissível o juízo de retratação, quando se tratar de denegação de Recurso em Sentido Estrito.

Reza o art. 644 do Código de Processo Penal:

Art. 644. O tribunal, câmara ou turma a que competir o julgamento da carta, se desta tomar conhecimento, mandará processar o recurso, ou, se estiver suficientemente instruída, decidirá logo, de meritis.

E ainda o art. 820 do Regimento Interno do TRF5:

Art. 820. A câmara, dando pela procedência da carta, mandará processar o recurso em sentido estrito ou o agravo, conforme o caso; se a carta estiver suficientemente instruída, a turma julgadora decidirá desde logo o mérito.

Assim sendo, seguirá o rito do recurso que não foi recebido, seguindo o princípio da economia processual.

Saliente-se, por fim, que a Carta Testemunhável não tem efeito suspensivo, de acordo com o art. 646 do CPP e art. 821 do Regimento Interno do TRF5, portanto, uma vez admitido, não impede o seguimento do recurso principal, o Tribunal mandará processar o recurso denegado a fim de que ele suba à instância superior para ser apreciado ou, por economia processual, e havendo possibilidade, decidirá o mérito do recurso indeferido – daí a importância de a Carta Testemunhável estar suficientemente instruída.


[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Prática Forense Penal. – 8. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, out. /2014.

[2] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 14º Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

[3] TJ-PR - HC: 1020031 PR Habeas Corpus Crime - 0102003-1, Relator: Luiz Cezar de Oliveira, Data de Julgamento: 20/03/1997, Primeira Câmara Criminal (extinto TA)).

[4] TJ-RS, Relator: Rosane Ramos de Oliveira Michels, Data de Julgamento: 27/08/2013, Segunda Câmara Criminal

[5]TJ-RS - CT: 689007730 RS , Relator: Saulo Brum Leal, Data de Julgamento: 12/04/1989, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia.

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Sobre a autora
Helloá Rodrigues Cidrão

Bacharel em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará - UNIFAP-CE Estagiária do TJCE na 1ª vara criminal da Comarca de CratoCE. Pós- graduada em Ciências Criminais pela CERS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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