Dentre outros temas, existem pelo menos quatro situações referentes ao benefício da pensão por morte que, por gerarem, pelo menos sob o nosso ponto de vista, anacronismo e desvirtuamento do real objetivo da seguridade social, merecem destaque e chamamento para uma reflexão.
Sem arrodeios, vamos a elas:
A primeira diz respeito à denominada dependência econômica presumida dos dependentes constantes na primeira classe. Aqui, o legislador optou por entender, por exemplo, que os cônjuges, entre si, presumidamente, dependem economicamente um do outro. A presunção é absoluta, pois pouco importa se o cônjuge supérstite percebia um salário bem maior do que o do que faleceu. Basta apenas que se demonstre o vínculo matrimonial com a certidão de casamento, ou mesmo uma união estável, se for o caso, para que se faça jus ao benefício da pensão, afastando os dependentes das demais classes, como os pais do falecido.
A situação acima descrita prevalece mesmo que, na prática, os pais do cônjuge falecido, por serem pobres, dele dependessem efetivamente para viverem. Neste caso, mesmo que o filho falecido, informalmente, sustentasse seus pais, toda a pensão por morte irá para sua esposa, mesmo que ela dele não dependesse em nenhum centavo.
A atual regra, portanto, nega o benefício a quem dele efetivamente precisa, para garantir-lhe a quem dele não necessita. No caso aqui demonstrado, o cônjuge supérstite será premiado com mais recursos do que realmente necessita para viver, em detrimento de quem sempre demonstrou a dependência econômica para com o morto.
O atual modelo, destarte, é cruel, injusto, caro e desprestigia o princípio da verdade real.
A segunda questão diz respeito à divisão de pensão entre cônjuge e concubina, nos chamados concubinatos impuros, quando o segurado mantem relação paralela ao casamento. Isto é, mantém relação afetiva paralela, constituindo prole, “família”, com duas mulheres, a esposa e a concubina, por longo período, uma sabendo da existência da outra.
Neste caso, a norma e a jurisprudência dominante, inclusive o STF, entendem que não há o que se falar em rateio da pensão, visto que a proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. Entende ainda o STF que a titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina (RE 397762).
Entretanto, em que pese os esforços do legislador e da jurisprudência em defenderem a instituição família nos moldes em que a CF/88 estabeleceu, estamos, de fato, diante de uma situação extremamente preocupante e injusta, visto que, no caso de falecimento do servidor que, paralelamente mantinha relação “afetiva/familiar” com duas mulheres, esposa e amante, de forma pública, notória e duradoura, a concubina, que presumidamente também dependia dele, não fará jus ao rateio na pensão e por isso morrerá à mingua, mesmo que tenha convivido por longos e longos anos com o falecido servidor.
Eis outro estarrecedor descalabro do atual modelo legal. Fere de morte o princípio da verdade real e não cumpre o verdadeiro papel da Seguridade Social. Por ser tão polêmico e preocupante, o tema já foi declarado de repercussão geral pelo STF (RE 669465).
A terceira questão a ser apresentada diz respeito à opção do legislador, em muitos entes federativos, de extinguir a extensão da pensão por morte ao filho maior até os 24 anos de idade, desde que universitário, e manter o direito à pensão vitalícia ao cônjuge supérstite, independente da sua idade.
Muitos entes federativos não mais preveem em suas legislações previdenciárias a possibilidade do filho que frequenta curso universitário perceber pensão por morte até os 24 anos de idade. Tal opção nos parece infeliz, pois o valor da cota da pensão a que teria direito o filho universitário, seguramente, ajudaria muito no custeio dos seus estudos. Este dependente, futuramente, poderia se tornar um médico, um engenheiro, um professor, dentre outras profissões, o que, sem sobra de dúvidas, acarretaria um extraordinário retorno social. Não se trata de um curso, mas de um investimento social.
Por outro lado, à exceção da União que editou a MP nº 664/14, atual Lei nº 13.135/15, os estados e municípios, ou pelos menos a maioria deles, mantem a pensão vitalícia ente cônjuges, pouco importando a idade e a efetiva dependência econômica entre si. Este modelo legal propicia a existência de uma das mais esdrúxulas e inaceitáveis situações da Previdência brasileira, o fenômeno dos chamados viúvos/viúvas jovens.
Pessoas bem jovens que se casam ou mantêm união estável com servidores já aposentados e de elevada idade, com o intuído de herdar futura pensão por morte. Quando o servidor falece, farão jus à pensão vitaliciamente. Em razão desta renda paga pelo Estado, muitos não mais trabalham e se acomodam.
O legislador, portanto, preferiu extinguir o direito a estender a pensão para o filho universitário até os 24 anos e manter, para a toda a vida, a pensão para o cônjuge sobrevivente que, em muitos casos, casou por conveniência e, ao contrário do filho universitário, jamais dará retorno social, mas só despesa vitalícia ao regime.
O Estado, portanto, que sofre de miopia crônica, perdeu, mais uma vez, a oportunidade de fazer a melhor opção em prol da sociedade.
Por fim, a quarta e última situação a qual chamamos atenção, refere-se ao rateio de pensão por morte entre ex-cônjuge que percebe alimentos e o atual.
Neste particular, muitos RPPSs, inclusive o da União, preveem que, por estarem na mesma classe de dependentes, no caso a primeira classe, tanto o ex quanto o atual cônjuge ratearão o benefício em igualdade de condições.
Isto quer dizer que pouco importa o percentual da pensão alimentícia que é paga ao ex-cônjuge (10, 15, 20%). No caso de morte do servidor, o ex e o atual cônjuge terão direito a 50% do valor do benefício cada.
Ora, salta aos olhos este tipo de previsão legal, pois é comum o ex-cônjuge perceber, por anos a fio, alimentos em um determinado percentual, estabelecidos no processo de divórcio, cujo valor é suficiente para manter-se. Até porque, se não o fosse, poderia ter pedido uma revisão de alimentos durante o período. E agora, somente pelo fato de seu ex-cônjuge, servidor público, haver falecido, o percentual antes estabelecido no divórcio transforma-se em 50%, em caso de rateio com outro cônjuge ou companheiro do morto. Imagine o quão injusto esta regra é para com o atual cônjuge. Uma verdadeira premiação ao ex em detrimento do atual.
O mais justo seria que os demais entes federativos fizessem o que fez o Estado do Piauí, que, em 2013, que editou a Lei Ordinária nº 6.455, alterando a redação do §4º do art. 123 da LC nº 13/94, estabelecendo que a pensão por morte vitalícia de ex-cônjuge fica limitada ao percentual que o pensionista recebia de alimentos do servidor segurado, não sendo aumentada pela reversão de cota da pensão paga a outros pensionistas.
Com esta providência, dá-se a Cesar o que é de Cesar. O ex-cônjuge tem direito à pesão por morte, mas no mesmo percentual dos alimentos que vinha, pacífica e resignadamente, percebendo, e o atual tem direito à parte que lhe cabe.
Assim, embora os quatro temas aqui apresentados possam ensejar calorosas discussões, chamamos atenção ao fato de que a norma, da forma como se apresenta atualmente, não nos parece atender aos anseios da sociedade para a construção de uma Previdência justa, distributiva, eficiente e equilibrada atuarial e financeiramente.