Com a ocorrência cada vez mais comum da dissolução das famílias, seja decorrente da falência dos casamentos, uniões estáveis ou mesmo das paternidades decorrentes de relações casuais, é igualmente comum a busca no judiciário pela regulamentação da guarda e visitação dos filhos originados destas relações.
Observa-se, neste tipo de ação, a tentativa de estabelecer-se datas fixas e horários para que o genitor que não detenha a guarda do filho possa visitá-lo e, desta forma, conviver com ele e fiscalizar a educação e criação que lhe está sendo proporcionada pelo guardião.
Muitas vezes, no entanto, a despeito da decisão ou acordo judicial estabelecido, o genitor guardião impede que o genitor não detentor da guarda efetue a visita e, desta forma, priva o filho desta convivência, causando-lhe danos de ordem psicológica e social.
A este tipo de situação, quando acrescida de componentes como imputações de condutas inadequadas ao genitor não detentor da guarda, que sejam capazes de gerar sentimentos ambíguos e de inadequação à criança, dá-se o nome de alienação parental.
Mas este instituto já vem sendo amplamente estudado, divulgado e inibido de muitas formas em nossa sociedade.
O assunto que não é tratado tão abertamente é justamente a situação inversa: quando o genitor não detentor da guarda, reiteradamente, deixa de visitar o filho nas datas pré-estabelecidas ou simplesmente não convive com a criança.
Inequívoco que tal atitude gera igualmente intenso sofrimento à criança, que espera ser visitada e ter oportunidade de conviver com o genitor.
A criança, especialmente na faixa etária de 02 a 05 anos de idade, não consegue compreender a razão pela qual está sendo privada do convívio familiar com o genitor e passa a enfrentar angústia e ansiedade em separar-se de familiares, temendo que também não volte a reencontrá-los.
Consoante casos trabalhados no âmbito do direito de família, observou-se que crianças nesta faixa etária sofreram de transtorno psicológico denominado “Ansiedade de Separação”, diante do qual passaram a apresentar sintomas de sofrimento exagerado frente a qualquer situação de separação, estresse, prejuízos no convívio social e no rendimento escolar.
Entende-se, pois, tratar-se de ato atentatório contra a dignidade da pessoa humana, direito fundamental previsto em nossa Constituição, através do qual desenvolveu-se a “Teoria do Desamor” ou também chamada de “Tese do Abandono Paterno-Filial”, que caracteriza o abandono afetivo.
Um julgado notório sobre a referida tese deu-se no extinto Tribunal de Alçada Civil de Minas Gerais:
“Indenização danos morais. Relação paterno-filial. Princípio da dignidade da pessoa humana. Princípio da afetividade. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana” (TAMG, Apelação Cível 408.555-5, 7ª. Câmara de Direito Privado, decisão 01.04.2004, Rel. Unias Silva, v.u.).
Tratou-se de caso em que, após a separação, o genitor, ao constituir nova família, deixou de conviver com o filho menor, apenas arcando com os alimentos para seu sustento. Caracterizou-se, pois, o abandono apenas do afeto e convivência, mantendo-se o dever de sustento.
Contudo, o STJ houve por bem reformar a referida decisão, conforme acórdão a seguir transcrito:
“Responsabilidade civil. Abandono moral. Reparação. Danos morais. Impossibilidade. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp 757.411/MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves).
O acórdão entendeu que não há dever de indenizar, porque o pai não está obrigado a conviver com o filho, não constituindo ato ilícito.
Grande parte da doutrina, contudo, discorda de tal entendimento, tendo-se em vista que a questão do abandono afetivo é uma das mais controvertidas do direito de família contemporâneo.
Segundo Flávio Tartuce, “é perfeitamente possível a indenização, eis que o pai tem o dever de gerir a educação do filho, conforme o art. 229 da CF/1988 e o art. 1634 do CC. A violação desse dever pode gerar um ato ilícito, nos termos do art. 186 do CC, se provado o dano à integridade psíquica.”.
Em decisão mais recente proferida pelo TJSP, a abstenção da convivência paterno-filial foi condenada:
“Responsabilidade civil. Dano moral. Autor abandonado pelo pai desde a gravidez de sua genitora e reconhecido como filho somente após propositura de ação judicial. Discriminação em face dos irmãos. Abandono moral e material caracterizados. Abalo psíquico. Indenização devida. Sentença reformada. Recurso provido para este fim.” (TJSP, 8ª Câmara de Direito Privado, Apelação com Revisão 511.903-4/7-00-Marília-SP, Rel. Des. Caetano Lagrasta, j. 12.03.2008, v.u.).
Giselle Câmara Groeningra, ao analisar o disposto no art. 227 da CF, menciona que o direito à convivência familiar, como princípio básico do direito da família, deve receber nova configuração, constituindo-se como “Princípio do Direito ao Relacionamento Familiar”, inclusos aí a convivência, companhia, visitas, contato permanente e garantias de efetividade.
Percebe-se, então, que o direito de visitas assegurado pelos diplomas legais ao genitor não detentor da guarda é um direito-dever, que não deve ser exercido somente pela conveniência do genitor, mas pela necessidade do filho.
É direito da criança em receber o convívio do genitor, estabelecer com ele seus laços de afeto e firmar seus vínculos familiares, sendo dever do genitor proporcionar ao filho formas de concretizar este direito.
Desta forma, configura-se uma obrigação personalíssima, uma vez que só pode ser cumprida pelo próprio genitor, pelo que deveria ser instado ao cumprimento de tal obrigação por ordem judicial, tal como a aplicação de multas ou pelo entendimento da ocorrência de crime de desobediência, em razão do descumprimento do estabelecido na decisão judicial que regulamentou as visitas.
Não há forma de obrigar os pais a amarem os filhos, mas busca-se formas de conscientizar os genitores da obrigação que possuem na formação destas crianças, que só se dará satisfatoriamente por meio da convivência afetuosa com estes.