Homicídios passionais: evolução histórica e jurídica

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RESUMO: Delibera sobre o homicídio passional e sua evolução histórica e jurídica.  O presente estudo tem início com breves considerações sobre o crime de homicídio. Na sequência foram abordados os principais aspectos do homicídio simples, homicídio privilegiado e do homicídio qualificado. Logo após, adentrou-se as particularidades que caracterizam o homicídio passional. Seguidamente buscou-se mostrar que entre os motivos que levam à conduta do delito passional destacam-se o ciúme, a rejeição, o sentimento de vingança e a possessividade. Os homicidas, frequentemente desequilibrados no seu psíquico, acreditam que as vítimas são suas propriedades. Dessa maneira cometem o delito e afirmam que sua ocorrência se deu em “nome da paixão”.  O objetivo do artigo é explorar a evolução da punibilidade do homicida passional devido ao avanço sociocultural ocorrido através dos anos. Com o intuito de alcançar o fim proposto foram utilizadas obras de notáveis doutrinadores, artigos e produções científicas a respeito do tema. Ao final, por intermédio da abordagem do tema pode-se concluir que a doutrina majoritária e a jurisprudência dominante não mais consideram o autor do crime como o sujeito que comete o delito por amor, afirmando que a sua prática advém de uma mistura de sentimentos derivados do egoísmo e não da paixão.

Palavras-chave: Homicídio passional. Possessividade. Punibilidade. Vingança.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho possui como alvo uma análise sobre o homicídio, em especial o passional, abarcando-se a evolução da penalidade do delito impelido por paixão na constituição brasileira. Mesmo com o grande número de crimes nessa modalidade ocorrentes no Brasil, o ordenamento jurídico pátrio não faz alusão ao homicídio passional, apenas tratando-o como uma das vertentes do homicídio, com previsão legal no artigo 121 do Código Penal Brasileiro.

O delito passional é um crime motivado pelos sentimentos de ódio, posse, rejeição, vingança, na maioria das vezes, cometido por autores desequilibrados psicologicamente, ocorrendo o crime em consequência de um “amor conturbado” e por vezes não correspondido. Para sua motivação concorre um complexo de sentimentos egoísticos. Trata-se, na sua mais perfeita exatidão, de uma paixão doentia, cercada de ciúme, possessividade e desejo de vingança.

O homicídio passional é repleto de questões socioculturais. Durante várias décadas a reflexão da sociedade era direcionada para a superioridade do homem e dependência da mulher. Assim, o homem traído foi por muitos anos beneficiado pela tese da legítima defesa da honra. Posteriormente, em decorrência do aumento de índice do delito foi enquadrado nas hipóteses de homicídio privilegiado ou qualificado, podendo classificá-lo somente após análise dos fatos concretos.

Contudo, os inúmeros casos de delitos e a crueldade existente neles fizeram com que o autor deixasse de ser beneficiado pela excludente de ilicitude da legítima defesa e passasse a responder pelo crime de forma mais severa. Como forma de auxílio e tendo como norte o grande número de vítimas mulheres tornou-se necessária a criação de uma lei que objetivasse a proteção do sexo feminino. Nesse intuito surge a Lei nº. 11.340/2006, passando a garantir medidas protetivas às vitimas.

Este artigo tem como objetivo elaborar uma linha sobre a transformação da punição do homicida passional com o caminhar dos anos. Para tanto, inicia-se com um estudo acerca do homicídio e suas modalidades, será dado em seguida enfoque ao homicídio cometido em função da paixão e a posteriori analisa-se a evolução histórico e jurídico do crime passional. 


METODOLOGIA

A metodologia utilizada neste artigo de revisão foi pesquisa bibliográfica a partir de argumentos teóricos, doutrina, revistas, artigos periódicos, entre outras fontes, relevantes para a construção da presente pesquisa científica. O estudo será desenvolvido tendo como base os livros de Direito Penal como: Curso de Direito Penal parte geral e parte especial dos autores Rogério Greco, Cezar Bitencourt e Damásio e Jesus, com relação à doutrina específica optou-se pela obra intitulada “A paixão no banco dos réus” de autoria da Desembargadora Luiza Nagib Eluf. Assim, serão concretizadas ponderações com a finalidade de tornar evidentes os propósitos deste trabalho.


CONSIDERAÇÕES SOBRE O HOMICÍDIO

De acordo com Cunha (2013, p.238), “O homicídio é a conduta na qual uma pessoa ceifa a vida de outrem [...] tutela-se a vida extrauterina, iniciada com o parto”.

O ato de matar alguém se embasa em findar a vida de outrem. Esse delito pode ser executado por qualquer pessoa, do mesmo modo o sujeito passivo pode ser qual ser humano. O bem jurídico tutelado é a vida humana.

Conforme os ensinamentos de Greco (2014, p.132), o homicídio é considerado o pior dos delitos que o homem pode praticar. É o que se vê no texto abaixo:

De todas as infrações penais, o homicídio é aquela que, efetivamente, desperta mais interesse. O homicídio reúne uma mistura de sentimentos- ódio, rancor, inveja, paixão, etc.- que o torna um crime especial, diferente dos demais. Normalmente quando estamos diante dos criminosos profissionais, o homicida é autor de um único crime, do qual normalmente se arrepende.

Corrobora com o entendimento Bitencourt (2010, p.45), consoante texto seguinte:

Homicídio é a eliminação da vida de alguém levada a efeito por outrem. Embora a vida seja um bem fundamental do ser individual-social, que é o homem, sua proteção legal constitui um interesse compartido do individuo e do Estado. A importância do bem vida justifica a preocupação do legislador brasileiro, que não se limitou a protegê-la com a tipificação do homicídio, em graus diversos simples, privilegiado e qualificado, mas lhe reservou outras figuras delituosas, como o aborto, o suicídio e o infanticídio, que, apesar de serem figuras autônomas, não passam de extensões ou particularidades daquela figura central, que pune a supressão da vida de alguém.


PRINCIPAIS ASPECTOS DO HOMICIDIO SIMPLES

O homicídio simples se alicerça basicamente no verbo e seu objeto, sem preceituar qualquer circunstância da ação do agente, pode-se observar através do ensinamento de Bitencourt (2010, p.53):

O homicídio simples, em tese, não é objeto de qualquer motivação especial, moral ou imoral, tampouco a natureza dos meios empregados ou dos modos de execução apresenta algum relevo determinante, capaz de alterar a reprovabilidade, para além ou para aquém da simples conduta de matar alguém.

O homicídio será simples quando não se acomodar-se nas modalidades privilegiada ou qualificada. Admite-se ainda nesse delito a figura da tentativa. Sobre o assunto aduz Greco (2014, p.133):

O homicídio simples, previsto no caput do art. 121 do Código Penal, cuja pena de reclusão varia de 6 (seis) a 20 (vinte) anos, possui a redação mais compacta de todos os tipos penais incriminadores, que diz: matar alguém. É composto, portanto, pelo núcleo matar e pelo elemento objetivo alguém. Matar tem o significado de tirar a vida; alguém a seu turno, diz respeito ao ser vivo nascido de mulher. Assim, o ato de matar alguém tem o sentido de ocisão da vida de um homem por outro homem.


PRINCIPAIS ASPECTOS DO HOMICIDIO PRIVILEGIADO

O homicídio na sua espécie privilegiada encontra previsão no § 1º do artigo 121 do Código Penal, significa que o crime possui uma causa especial de redução de pena. Nesse mesmo parágrafo é possível observar três situações diferentes. Na primeira parte a minorante será utilizada quando o sujeito ativo comete o delito compelido por um motivo de relevante valor social, como por exemplo, homem matar traidor da pátria. Com relação ao valor moral, o agente possui interesses particulares como o sentimento de compaixão, exemplo cita-se o homicida que com o intuito de livrar o sofrimento de um doente terminal desliga aparelho vital.  A terceira privilegiadora diz respeito ao homicídio emocional. O agente comete o crime logo em seguida à injusta provocação do agente, agindo de imediato.

Sobre o relevante valor social sustenta Greco (2014, p.133):

Relevante valor social é aquele motivo que atende aos interesses da coletividade. Não interessa tão somente ao agente, mas, sim, ao corpo social. A morte de um traidor da pátria, no exemplo clássico da doutrina, atenderia à coletividade, encaixando-se no conceito de valor social. Podemos traçar um paralelo com a morte de um político corrupto por um agente revoltado com a situação de impunidade do país, em que o Direito Penal, de acordo com a sua característica de seletividade, escolhe somente a classe mais baixa, miserável, a fim de fazer valer a sua força.          

No tocante ao delito impelido por motivo de relevante valor social e moral firma De Jesus (2014, p.95):

Para alguns o CP é redundante ao falar em motivo social ou moral, uma vez, que segundo eles, um abrange o outro. Na verdade as duas expressões evitam interpretação duvidosa. Motivo de relevante valor social ocorre quando a causa do delito diz respeito a um interesse coletivo. A movimentação então é ditada em face de um interesse que diz respeito a todos os cidadãos de uma coletividade.

Sendo reconhecido o privilégio nos crimes de homicídio será obrigatória a redução da pena. Não se trata, portanto, de uma faculdade do juiz e sim de um dever. Assim, o delito deve ter redução de um sexto a um terço. Sobre esse entendimento assevera Greco (2014, p. 147), “Embora a lei diga que o juiz pode reduzir a pena, não se trata de faculdade do julgador, senão direito subjetivo do agente em ver diminuída sua pena, quando seu comportamento se amoldar em uma das situações elencadas pelo parágrafo”.


PRINCIPAIS ASPECTOS DO HOMICIDIO QUALIFICADO

O § 2º do artigo 121 do Código Penal aborda as hipóteses em que o homicídio será qualificado. Essa modalidade de homicídio é considerada crime hediondo conforme o artigo 1º da Lei 8.072 de 1990:

Art. 1º São considerados crimes hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:

I. Homicídios (art.121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado.

 Nos incisos I e II a qualificadora é no que tange aos motivos determinantes, o inciso III trata dos meios, o IV da forma e por fim o inciso V que trata da conexão com outro crime.

Os incisos I e II do citado artigo correspondem ao crime cometido em virtude de pagamento ou promessa deste, motivo fútil ou torpe. Ensina Greco (2014, p. 155), que “torpe é o motivo que causa repugnância, nojo sensação de repulsa pelo fato praticado pelo agente”. No que diz a paga ou promessa de recompensa afirma ainda que esta pode ter ou não cunho patrimonial.

 No inciso III a qualificadora corresponde ao emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum. A respeito do meio insidioso e cruel explica De Jesus (2014, p.100):

Meio insidioso existe no homicídio cometido por intermédio de estratagema, perfídia. O veneno é um meio insidioso [...] meio cruel é aquele que causa sofrimentos à vítima, não incidindo se empregado depois da morte. O fogo pode ser meio cruel ou de que possa resultar perigo comum, conforme as circunstâncias.

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Conforme inciso IV a forma utilizada para concretização da infração são: traição, emboscada, mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível à defesa do ofendido. De acordo com Nucci apud Greco (2014, p. 162):

“Trair significa enganar, ser infiel, de modo que, no contexto do homicídio, é a ação do agente que colhe a vítima por trás, desprevenida, sem ter esta qualquer visualização do ataque. O ataque súbito, pela frente pode constituir surpresa, mas não a traição”.

Sobre os fins, trata o inciso V que estes podem ser utilizados para assegurar a execução, a ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime. Haverá, portanto, conexão com outro delito.


 O HOMICÍDIO PASSIONAL

O termo passional deriva da palavra paixão, expõe o Dicionário Aurélio (2000, p. 518), passional é “relativo à paixão; suscetível de paixão; causado por paixão”. Com relação ao significado da palavra paixão continua afirmando o Dicionário Aurélio (2000, p. 519), é uma espécie de “afeto violento, amor ardente, vício dominador”.

No ambiente jurídico combinaram-se intitular de passional os crimes ocorridos, principalmente, em razão de relacionamento amoroso ou sexual.

Sobre o tema, Plácido & Silva (1990, p. 326), afirma: “passional” é o vocábulo empregado na terminologia jurídica, especialmente do Direito Penal, para designar o que se faz por paixão, isto é, por uma exaltação ou irreflexão, consequente de um amor desmedido.

A respeito do assunto crimes passionais Eluf, ensina que estes são cometidos em virtude da paixão sendo o crime passional sequente a uma paixão alicerçada no ódio, na posse, na vingança, no ciúme possuindo natureza psicológica, pois tem o poder de transformar a mente humana.

Certos homicídios são chamados de “passionais”. O termo deriva de “paixão”; portanto, crime cometido por paixão. Todo crime é, de certa forma, passional, por resultar de uma paixão no sentido amplo do termo. Em linguagem jurídica, porém, convencionou-se chamar de “passional” apenas os crimes cometidos em razão de relacionamento sexual ou amoroso (ELUF, 2007, p.156).

Com referência à análise sobre a conduta do homicida, prossegue a mesma autora defendendo que:

Em uma primeira análise, superficial e equivocada, poderia parecer que a paixão, decorrente do amor, tornaria nobre a conduta do homicida, que teria matado por não suportar a perda de seu objeto de desejo ou para lavar sua honra ultrajada. No entanto, a paixão que move a conduta criminosa não resulta do amor, mas sim do ódio, da possessividade, do ciúme ignóbil, da busca da vingança, do sentimento de frustração aliado à prepotência, da mistura de desejo sexual frustrado com rancor.  Paixão não é sinônimo de amor. Pode decorrer do amor e, então, será doce e terna, apesar de intensa e perturbadora; mas a paixão também resulta do sofrimento, de uma grande mágoa, da cólera. Por essa razão, o prolongado martírio de Cristo ou dos santos torturados é chamado de “paixão” (ELUF, 2007, p.156).

A preocupação principal dos indivíduos que realizam o crime passional é com imagem e honra perante a sociedade. Para eles pouco importa a sanção legal.  Continua Eluf, os seus estudos sobre os delitos passionais e assevera:

Os homicidas passionais trazem em si uma vontade insana de auto-afirmação. O assassino não é amoroso, é cruel. Ele quer, acima de tudo, mostrar-se no comando do relacionamento e causar sofrimento a outrem. Sua história de amor é egocêntrica. Em sua vida sentimental, existem apenas ele e sua superioridade. Sua vontade de subjugar. Não houvesse a separação, a rejeição, a insubordinação e, eventualmente, a infidelidade do ser desejado, não haveria necessidade de eliminá-lo (Eluf, 2007, p.159).

Por fim, aborda, Toigo (2010, p.13), que a sociedade por razões morais e psicológicas entende os crimes passionais como inaceitáveis, conforme se pode constatar na citação abaixo transcrita:

Os crimes passionais são crimes que chocam a sociedade em virtude da repúdia inaceitável do “matar por amor” por razões morais e psicológicas. Com características bem peculiares, o homicídio passional, uma espécie de vingança privada, cresce de forma desordenada e comumente visível em noticiários e reportagens jornalísticas diárias. O homicídio passional, assim denominado por ser um crime que deriva da paixão, do ciúme, de um sentimento amoroso e da possessão, já teve sua sentença decretada de diversas formas, ora o autor do delito era absolvido, ora condenado.

Nada obstante, atenta-se que o delito analisado é um crime que relaciona ligame afetivo e sexual entre os agentes, e apesar de ser decorrente da paixão, não pode ser confundido com o amor, pois, a circunstância que leva a concretização do ato é um complexo de sentimentos nocivos como o sentimento de posse e ciúme doentio.

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Sobre os autores
Eujecio Coutrim Lima Filho

Delegado de Polícia Civil no Estado de Minas Gerais. Doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA, RJ). Mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (UNESA, RJ). Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal do Estado da Bahia (UFBA, BA). Graduado em Direito pelo IESUS (BA). Professor de Direito Processual Penal na UNIFG (BA) e na FAVENORTE (MG). Professor nos cursos de pós-graduação da UNIFG/UNIGRAD (BA) e da ACADEPOL (MG). Ex-Advogado. Ex-Juiz Leigo do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Autor de obras jurídicas. Colunista do Canal Ciências Criminais.

Tuana Ranielli Fernandes Cotrim

Bacharel em Direito. Faculdade Guanambi-FG/CESG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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