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A privatização do Sistema Telebrás e o Estado Democrático de Direito

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01/06/1999 às 00:00
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O presente artigo surgiu a partir de um problema concreto apresentado à Procuradoria da República de Minas Gerais. O Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações de Minas Gerais - SINTTEL - MG, encaminhou àquele órgão ministerial uma representação denunciando irregularidades no processo de privatização do sistema Telebrás e, mais precisamente, da empresa TELEMIG. O Sindicato pedia que o Ministério Público Federal instaurasse Ação Civil Pública para que fossem apuradas as responsabilidades dos agentes públicos que causaram lesão ao patrimônio nacional no procedimento de privatização do sistema Telebrás e, mais especificamente, da TELEMIG. Encaminhado o procedimento administrativo para nós, elaboramos parecer que ora é transformado em artigo, pela relevância do tema.

Para que possamos melhor compreender toda a problemática do tema, dividimos este artigo em cinco partes. Na primeira parte do artigo, será abordada noção extremamente importante para a real compreensão do tema, qual seja, a de paradigma e suas conseqüências para o Direito Constitucional e a Teoria da Ciência. Além disso, faremos uma breve reconstrução histórica no sentido de recuperarmos os principais paradigmas estatais, com suas principais características. Desde já alertamos que, enquanto reconstrução histórica, é parcial, cheia de imprecisões e preconceitos, já que a história é muito mais rica do que qualquer tentativa de recuperação que se possa fazer.

No segundo capítulo, abordaremos o princípio da moralidade administrativa, adentrando no caso concreto e vislumbrando as primeiras irregularidades dos agentes públicos, quando do procedimento de privatização do sistema Telebrás, por não terem respeitado o referido ditame constitucional.

Na terceira parte deste artigo, trataremos do desvio de finalidade no Direito Administrativo, mostrando os fatos que comprovam o desvio de finalidade da Lei Geral de Telecomunicações praticados pelos agentes públicos no já citado procedimento de privatização.

A seguir, serão analisadas as irregularidades cometidas na privatização da TELEMIG, como um particularismo das irregularidades cometidas na privatização do sistema Telebrás.

Por fim, será analisada a doutrina do STJ do fato consumado e suas conseqüências para o mundo jurídico, bem como serão tecidas críticas a esta doutrina. Se assim se fez é pelo fato de que o STJ decidiu uma ação contra a privatização da Telebrás lançando mão da teoria do fato consumado. Será mostrada esta decisão e os efeitos perversos que tal doutrina pode trazer se aplicada tout court.


1. OS PARADIGMAS CONSTITUCIONAIS DO ESTADO

Inicialmente, para o correto entendimento da questão, mister se faz que introduzamos uma idéia retirada da Filosofia da Ciência, hoje bastante aplicada na área da Ciência do Direito, qual seja, o significado de paradigma. Pesquisando de que forma evolui a ciência, THOMAS KUHN (1) lançou a idéia de paradigma. Para este americano, a ciência não evolui por acréscimo de conhecimento, de maneira linear, mas por revoluções. Estas, quando acontecem, rompem com o paradigma anterior, ou seja, com o conjunto de crenças compartilhadas por determinada comunidade científica, pelo fato deste não mais responder perguntas cruciais para aquela comunidade de cientistas. E, sempre uma revolução é desencadeada por um "ser estranho" à comunidade, pelo fato dele nem sempre compartilhar os mesmos valores que são inerentes a ela. Paradigma, então, é um conjunto de suposições e pressuposições em que está imersa uma comunidade científica e que permite a ela desenvolver uma ciência até o seu limite, quando o paradigma não mais consegue resolver problemas cruciais, sendo substituído por um outro. Toda troca de paradigma é uma ruptura, começando-se do zero, pois todas as crenças anteriormente assentadas são destruídas.

Rapidamente esta idéia foi transportada para a Filosofia e Hermenêutica Jurídicas, graças ao trabalho de HANS-GEORG GADAMER (2). Perguntando-se como funciona o esquema decisional do juiz, aplicou a idéia de paradigma. Para este autor, toda decisão judicial por estar estritamente ligada à hermenêutica jurídica, é direcionada, no sentido de que o juiz não é um autômato, mas um ser humano, que tem valores, crenças, preconceitos, que são passados para a sentença, quando decide um caso concreto. Em suma, o juiz é um ser humano que vive em determinado paradigma, em determinada época. E, em razão disto, compartilha os valores e crenças sociais desta época e local em que vive; quando emite uma decisão, esta sempre é impregnada de crenças e valores compartilhados por aquela sociedade.

Revisitando a história constitucional ocidental, com a adoção dos conceitos anteriormente explicados, o Direito Constitucional defende a existência de três paradigmas constitucionais de Estado. É bem verdade que existiu um paradigma pré-constitucional, caracterizado pelo Absolutismo Monárquico, no qual a palavra do rei era lei, que valia para todos, exceto para o próprio emanador das regras jurídicas. Este período, marcado por uma indiferenciação entre as regras sociais, religiosas, jurídicas e morais, pode ser facilmente entendido através da máxima inglesa the king do not wrong(o rei não erra), modificada, durante a evolução do constitucionalismo inglês, para a máxima do king in parliament(rei no parlamento, ou da limitação do poder real). Em decorrência de lutas sangrentas contra esse sistema, o paradigma entra em colapso, surgindo o primeiro paradigma constitucional de Estado: o Estado Liberal.

Caracterizado pelas máximas do liberalismo econômico, seus defensores entendiam que o Estado tinha sido criado para a realização da felicidade humana, sendo esta alcançada se a sociedade fosse deixada livre para que pudesse se desenvolver. Acreditava-se que apenas através do egoísmo humano poder-se-ia alcançar a felicidade e riqueza para todos. É dessa época o surgimento dos primeiros direitos: igualdade, liberdade e propriedade. Desde logo, é bom que se diga que tais direitos eram garantidos apenas formalmente, ou seja, a igualdade era na lei, a propriedade era apenas para poucos e a liberdade era entendida como a possibilidade de se fazer tudo aquilo que a lei não proibisse. O Estado devia apenas assegurar estes direitos e dar aos cidadãos segurança para que a sociedade se desenvolvesse. Como se vê, este modelo não poderia vingar, como de fato, em pouco tempo, foi contestado.

Devido a inúmeras críticas e lutas sociais, principalmente após o surgimento do operariado e do sucesso da Revolução Russa, o modelo liberal foi substituído pelo Estado de Bem-Estar Social, caracterizado, principalmente, pelo surgimento de novos direitos, ditos sociais, tais como saúde, educação, trabalho etc. Se antes o Estado deveria ficar inerte, agora ele é chamado a atuar, já que as pessoas não são iguais na realidade. Os direitos garantidos anteriormente, denominados por BOBBIO (3) de direitos de primeira geração, foram reformulados por essa nova série de direitos, denominados pelo italiano de direitos de segunda geração. Agora, igualdade é também material, devendo o Estado intervir quando haja uma grande desigualdade entre as partes; liberdade, é fazer tudo o que a lei permite, já que o Estado deve intervir na sociedade e só pode fazê-lo através de lei; a propriedade agora deve realizar sua função social. Este paradigma funcionou muito bem até meados da década de 1970, quando, com as crises do petróleo, percebeu-se que o modelo era bastante frágil. E, por uma simples razão: tinha ele falhado na sua pretensão maior, que era a de formar cidadãos; este paradigma, segundo seus críticos, formou, no máximo, clientes do Estado, já que este dava tudo e, quem nunca teve alguma coisa, quando passa a usufruir de algo, mesmo que de péssima qualidade, achava um grande avanço e não pedia melhorias. Assim, o Estado Social ofereceu saúde, educação etc., mas de péssima qualidade. E não se pense que esta crítica tenha sido feita apenas aos países de Terceiro Mundo, pois até mesmo na Europa ela foi recorrente.

Tendo em vista tudo isso, começou-se a desenvolver um novo paradigma, o do Estado Democrático de Direito, restando ainda inacabado. Para este novo modelo, todos os direitos anteriores só servem enquanto um meio para se alcançar mais direitos e de melhor qualidade. Em outras palavras, todos os direitos são vistos em um sentido caráter procedimental, não sendo fins em si mesmos. Surgem, a partir de 1970, novos direitos, ditos de terceira geração ou difusos, exatamente porque não pertencem mais a apenas um indivíduo, mas a uma coletividade indeterminada de pessoas, às vezes mesmo, dizendo respeito ao mundo inteiro. Assim, são os direitos relacionados com a ecologia, consumidor, patrimônio histórico e cultural, direitos da mulher, a uma administração pública moralizada e correta, que faça bom uso do dinheiro dos cidadãos etc. Além disso, uma característica central deste paradigma é a necessidade de fundamentação de todos os atos estatais, para que se possa controlar, democraticamente, os governantes de determinado país. E, uma reformulação do que seja o público. Se, sob a égide dos dois paradigmas anteriores, público era considerado apenas o estatal, para o paradigma do Estado Democrático de Direito, público é bem mais amplo, englobando a sociedade civil organizada, já que muitas vezes o estatal é privado, de acesso de poucos.

É nesse paradigma que surge a Ação Civil Pública, como instrumento processual hábil a controlar os atos lesivos aos direitos difusos ou de terceira geração e, dentre estes, o uso do dinheiro público por parte do Estado. Assim, se o Estado usa de maneira irresponsável suas verbas, causando prejuízos ao erário público, seja por não respeitar os procedimentos legais em um processo de privatização, originando uma subvalorização de seus bens, seja ao favorecer uma empresa em processo de licitação, devem seus agentes ser responsabilizados penal, civil e administrativamente, para que toda uma coletividade não reste lesada, em decorrência da ação inescrupulosa de alguns poucos.

Ora, no caso em que a seguir vamos analisar, adequa-se muito bem ao já exposto. O Estado, através de seus agentes, cometeu diversas ilegalidades e inconstitucionalidades, quando da realização da privatização do sistema Telebrás. A seguir, analisaremos algumas dessas irregularidades, dentre as quais o descumprimento do princípio constitucional da moralidade administrativa e o desvio de finalidade legal.

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2. DO DESCUMPRIMENTO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA POR PARTE DOS AGENTES ESTATAIS ENVOLVIDOS NO PROCEDIMENTO DE PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA TELEBRÁS

Os agentes públicos envolvidos no procedimento de privatização do sistema Telebrás, e particularmente, da Telecomunicações de Minas Gerais - TELEMIG -, aqui entendidos, a União Federal, o BNDES, a TELEMIG, dentre outros, descumpriram o princípio da moralidade administrativa, consagrado na Lei Fundamental, em seu art. 37, caput, que dispõe:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)"
(grifo nosso)

Portanto, nosso ordenamento acolheu, em sede constitucional, o princípio da moralidade administrativa. Necessário se faz, contudo, entendermos qual o delineamento deste princípio para o nosso ordenamento. Em obra de fôlego, CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA delimita com precisão este princípio constitucional. Vale a pena transcrever um trecho bastante esclarecedor desta obra:

"A moralidade administrativa é, pois, princípio jurídico que se espraia num conjunto de normas definidoras dos comportamentos éticos do agente público, cuja atuação se volta a um fim legalmente delimitado, em conformidade com a razão de Direito exposta no sistema normativo. Note-se qie a razão ética que fundamenta o sistema jurídico não é uma "razão de Estado". Na perspectiva democrática, o Direito de que se cuida é o Direito legitimamente elaborado pelo próprio povo, diretamente ou por meio de seus representantes. A ética da qual se extraem os valores a serem absorvidos pelo sistema jurídico na elaboração do princípio da moralidade administrativa é aquela afirmada pela própria sociedade segundo as suas razões de crença e confiança em determinado ideal de Justiça, que ela busca realizar por meio do Estado." (4)

Ainda segundo a autora, o que dá legitimidade ao sistema administrativo é o acatamento do princípio da moralidade administrativa, pois este reflete ou condensa uma moral extraída do conteúdo da ética socialmente afirmada, sendo esta considerada como o conjunto de valores que a sociedade expressa e pelos quais se pauta em sua conduta. (5)

Traçado o perfil deste princípio, resta saber quando os agentes públicos não o respeitaram no procedimento de privatização do sistema Telebrás. E a resposta só pode ser uma: no momento em que a Administração Pública, através de seus agentes, descumpriu a Lei Geral de Telecomunicações, desviando-se de suas finalidades. Isto porque, ainda segundo CÁRMEN LÚCIA, o princípio da moralidade está fortemente ligado ao da legalidade, pois o primeiro é a efetivação da legitimidade do Direito, tendo sido acrescentado ao último como conteúdo necessário à realização efetiva e eficaz da Justiça material (6). E, a Administração descumpriu a finalidade legal, por não ter obedecido o disposto no art. 193, da Lei Geral de Telecomunicações. Determinou o citado artigo legal que "a desestatização de empresas ou grupo de empresas citadas no art. 187 implicará na imediata abertura à competição, na respectiva área, dos serviços prestados no regime público(grifo nosso)". No entanto, não foi isso o que aconteceu. Contornando o dispositivo legal, com o objetivo de alcançar outra finalidade, qual seja a rápida venda das empresas de telecomunicações, com o intuito de fazer caixa o mais rápido possível para o pagamento das dívidas externa e interna(não era também esta a finalidade da lei 9472/97, conhecida como Lei Geral das Telecomunicações), como asseverou o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, José Roberto Mendonça de Barros (7), o Governo Federal modificou o cronograma inicialmente traçado para o procedimento de privatização, estabelecendo um outro, mais rápido, antecipando em seis meses a transferência para o capital privado de todas as empresas de telecomunicações. No entanto, o Governo só poderia privatizar estas empresas após o estabelecimento do regime de concorrência com a quebra do monopólio deste setor. Apenas assim, cumpriria o que dispõe o art. 193 da Lei Geral de Telecomunicações, pois, como vimos, ela manda a abertura imediata à competição, para que se possa desenvolver o procedimento de desestatização.

Feriu ainda a União Federal o princípio da moralidade administrativa, quando abaixou o preço de venda do sistema Telebrás, sem nenhuma justificativa plausível, com grave prejuízo para o patrimônio público. Segundo o então Ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, "a Telebrás poderia ser vendida por R$ 23, 11 bilhões, mas o Governo optou por receber menos para assegurar ao consumidor a livre concorrência no setor" (8). Mas, como assegurar a livre concorrência se o Governo só lançou os editais de licitação para outras empresas atuarem no ramo um dia após a privatização do sistema Telebrás?

Resta claro que o princípio da moralidade administrativa foi violado com graves conseqüências para o patrimônio público.

Analisaremos, a seguir, os vários desvios de finalidade cometidos pelos Agentes públicos envolvidos no procedimento de privatização do sistema Telebrás.


3. DO DESVIO DE FINALIDADE COMETIDO PELOS AGENTES PÚBLICOS

Inicialmente, devemos compreender o que significa desvio de finalidade. Para tanto, traremos à colação o ensinamento claro e conciso do grande jurista CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

"Não se pode buscar através de um dado ato a proteção de bem jurídico cuja satisfação deveria ser, em face da lei, obtida por outro tipo ou categoria de ato. Ou seja: cada ato tem a finalidade em vista da qual a lei o concebeu. Por isso, por via dele só se pode buscar a finalidade que lhe é correspondente, segundo o modelo legal.(...)

Ocorre desvio de poder, e, portanto, invalidade, quando o agente se serve de um ato para satisfazer finalidade alheia à natureza do ato utilizado." (grifos nossos) (9)

Portanto, como bem explicou o grande administrativista, há desvio de poder ou de finalidade quando o agente se serve de ato para alcançar finalidade diversa à natureza do ato utilizado. E foi exatamente isso o que aconteceu durante o procedimento de privatização. Se não, vejamos.

A Lei Geral de Telecomunicações, em seu Livro IV, artigos 186 a 206, estabelece os termos da reestruturação e desestatização autorizada. Logo em seu primeiro artigo, deixa ela clara a finalidade do processo de reestruturação e desestatização. O objetivo a ser alcançado é "conduzir ao cumprimento dos deveres constantes do art. 2º desta Lei". Mas, quais são os deveres constantes do art. 2º da Lei 9472/97? Responderemos citando o artigo em análise:

"Art. 2º . O Poder Público tem o dever de:

I - garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas;"

Ora, como é fácil perceber, o objetivo legal, com a desestatização das telecomunicações, não é o de amortizar a dívida interna ou externa, mas garantir a toda a população o acesso às telecomunicações. Revela-se aí mais um desvio de finalidade dos agentes públicos no procedimento de privatização das empresas do sistema Telebrás. Mas, o Governo não parou por aí. Ao autorizar a Telebrás que constituísse doze(12) sociedades de economia mista, com o intuito de alcançar sua finalidade(diversa da legal, como vimos), feriu o Governo a Constituição da República e a própria lei geral de Telecomunicações. Analisaremos este ponto com mais vagar.

Diz a Constituição da República, em seu art. 37, XIX:

"Art. 37.(...)

XIX - somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;"

Ora, o Texto Constitucional é tão claro que dispensa maiores comentários. Devemos, no entanto, saber se a lei de telecomunicações deu este poder à Telebrás para que criasse as doze sociedades de economia mista. No Livro IV da citada lei, em seu artigo 187, há a enumeração e especificação das empresas de telecomunicações que estão incluídas na autorização para a reestruturação e desestatização. No artigo seguinte, estabelecem-se as primeiras condições básicas para o início do processo de reestruturação e desestatização. Os artigos 189 e 190 tratam especificamente das medidas autorizadas para proceder à reestruturação das empresas federais de telecomunicações. São estes artigos que estabelecem os termos, limites, as restrições da autorização legislativa. No artigo referente à holding do sistema, a TELEBRÁS, o texto dispõe:

"Art. 190. Na reestruturação e desestatização da Telecomunicações Brasileiras S.A. - TELEBRÁS deverão ser previstos mecanismos que assegurem a preservação da capacidade em pesquisa e desenvolvimento tecnológico existente na empresa.

Parágrafo único. Para o cumprimento do disposto no caput, fica o Poder Executivo autorizado a criar entidade, que incorporará o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da TELEBRÁS, sob uma das seguintes formas:

I - empresa estatal de economia mista ou não, inclusive por meio da cisão a que se refere o inciso I do artigo anterior;

II - fundação governamental, pública ou privada."

De uma simples leitura, percebe-se que a lei autorizou a criação de empresa para cuidar do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento, sediado em Campinas. Quanto ao resto, não falou nada. Ora, em matéria de direito público, clássico é o princípio de que para o Estado o que não está expressamente permitido, está proibido, em decorrência do princípio da legalidade, alicerce do paradigma do Estado de Direito e, atualmente, do Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, ao Estado só é permitido agir mediante lei. Ora, a lei que cuida da matéria nada tratou sobre a possibilidade de criação, pela TELEBRÁS, de sociedades de economia mista para a reestruturação e desestatização das telecomunicações. Portanto, não poderia ter a TELEBRÁS criado as doze sociedades de economia mista. Ao criá-las, desrespeitou a lei e a Constituição da República, tudo com o intuito de alcançar a finalidade(deturpada, como já analisado) de se privatizar o mais rápido possível o sistema de telecomunicações.

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Sobre o autor
José Emílio Medauar Ommati

acadêmico de Direito na UFMG, estagiário do Escritório Campos & Mendes Advogados Especializados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OMMATI, José Emílio Medauar. A privatização do Sistema Telebrás e o Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 32, 1 jun. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/446. Acesso em: 24 abr. 2024.

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Parecer, transformado em artigo, elaborado na Procuradoria da República de Minas Gerais

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