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Necessidade de inserção da estrutura do Judiciário na vida republicana e no contexto da nossa Carta.

Esboço para um novo quadro institucional

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13/11/2003 às 00:00
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SUMÁRIO: 1.Considerações preliminares;2.A demanda de legitimidade que questiona o judiciário (assunto examinado após um brevíssimo registro acerca da dimensão administrativa/gerencial da crise do poder); 3.Uma alternativa concreta e possível para encaminhar solução ao problema situado por trás da proposta de "controle externo" do judiciário - o fim da demanda de legitimidade que o atinge; 4. Conclusão


Considerações preliminares

Há quem suponha que todo projeto civilizatório, de qualquer cultura ou realidade política, terá sempre a democracia como pressuposto e destino, ainda que a concretização histórica de um governo fundado na soberania do povo tenha sido – conforme os respectivos e conhecidos registros históricos – potencialidade raramente concretizada ao longo dos séculos. Parodiando uma idéia bem possível ao neopositivismo – com o qual não tenho a mínima afinidade, como qualquer um, assim, haverá de concluir –, poderia até sugerir que os deuses devem ter roubado da natureza os contornos do princípio da incerteza, bem antes deste ser "descoberto" por Werner Heisenberg na área da física quântica("Não é possível medir, precisamente, a posição e a velocidade de uma partícula ao mesmo tempo"), para aplicá-los naquele(no projeto civilizatório), em suas linhas gerais, dado que o tempo tem demonstrado não ser determinada civilização corolário e garantia de ordem democrática. Aliás, a incerteza parece ser uma característica essencial de toda a vida política, como bem registra o pensador político norte-americano Robert Dahl, quando observa, em sua Análise política moderna(1), aquilo que há de imponderável na alma de todo aquele que a faz – o homem –, tanto quanto são as limitações impostas pela realidade objetiva à mesma.

O pensamento que supõe ser a democracia pressuposto e destino do projeto civilizatório residiria, imagino, na própria idéia de civilização, esta concebida dentro daquele sentido mais simples e elementar, assim fazendo referência a amplo e abrangente progresso de um determinado povo – bem como de outras categorias relacionadas ou derivadas do respectivo conceito, da noção, etc – e, especificamente, à sua cultura. Contra uma concepção majoritária que havia entre alguns dos mais ilustres de seus "inventores", os gregos – os quais, como é sabido, a tinham apenas como mais um dentre vários outros modelos políticos, e não dos melhores –, o mundo moderno, no entanto, erigiu o sistema democrático, baseado no pluralismo e na efetiva soberania popular(no que pese todas as imperfeições teóricas e práticas que recaem sobre o mesmo), em paradigma da "vida civilizada".

Divergindo da maioria dos pensadores modernos(especialmente dos racionalistas), os quais desde o iluminismo vêm concebendo a democracia como o patamar mais alto de uma civilização, Nietzsche, no entanto, em seu tempo, tomando a primeira de um modo bem negativo e idiossincrático, considerou a experiência democrática como algo indesejável e nefasto, isso dentro de uma visão característica e peculiar, que permeia toda a sua obra, que ilustro com a seguinte passagem, não aleatoriamente escolhida, do prefácio que ele escreveu para a sua A origem da tragédia: "...o espírito alemão, depois de ter possuído a vontade de dominar a Europa, a força de dirigir a Europa, chegava, à guisa de conclusão testamental, à "abdicação", e, com o pomposo pretexto de fundar um império, evoluía para a mediocridade, para as idéias modernas, para a democracia!"(2).

Como aquele romântico filósofo alemão do século XIX, muitos outros pensadores, seguidos por políticos, escritores e intelectuais, de diferentes vocações e inclinações ideológicas, por interesses e razões peculiares, ou apenas por idiossincrasias, como o próprio Nietzsche, também detestavam a democracia. Durante o século XX, foi expressivo e muito trágico esse desapreço de homens poderosos, ou apenas influentes(e a influência na vida social, econômica e política, não é igualmente uma forma de poder?), à democracia. No século que começa, o do terceiro milênio, a última continua sendo detestada, perseguida...incompreendida, pelos inimigos de sempre e até pelos que dizem aceitá-la.

A genial criação dos gregos da antigüidade para o universo da política – a democracia –, que os filósofos, escritores e políticos do século XVIII resgataram(franceses e norte-americanos, especialmente), no entanto, não marcaria tanto os tempos modernos se não fosse por uma invenção dos romanos, a república. Ambas, democracia e república, são, juntas, referencial básico para o exame e a discussão que pretendo realizar, a seguir, sobre a "Reforma do Judiciário", tema que há onze anos vem sendo debatido pelo parlamento e operadores do direito, com a completa indiferença da sociedade.

O esboço que é referência do título acima deverá ser delineado dentro da discussão do tema "Reforma do Judiciário", portanto, assunto esse que vem sendo debatido no parlamento desde 1992, precisamente, ano em que a Proposta de Emenda Constitucional – PEC, que recebeu na Câmara dos Deputados o Nº 96-A, foi nesta apresentada pelo eminente deputado federal Hélio Bicudo (PT/SP), autor da primeira iniciativa, na vigência da atual Constituição Federal, que busca promover modificações na estrutura do Poder Judiciário. Votada na Casa, após várias alterações, estas consolidadas com o último "Relatório" da ilustre deputada Zulaiê Cobra Ribeiro(PSDB/SP), referida PEC, na forma do texto conclusivo, foi regularmente encaminhada ao Senado Federal. Naquela Casa, depois de receber parecer do então senador Bernardo Cabral(PFL/AM), muitas críticas de segmentos da sociedade civil, de operadores do direito e de setores da magistratura, a proposta lá ainda encontra-se, certamente esperando uma definição sobre o seu destino.

Encerrando estas preliminares, devo registrar, também, que o presente texto(ainda conclusão precária de um trabalho que resulta de atividades como pesquisa, estudos multi-disciplinares, etc), é uma despretensiosa, mas, inobstante, sincera e autêntica contribuição ao debate em torno da "Reforma do Judiciário". Trata-se, na verdade, como consta do título, acima, apenas de um esboço – um pequeno esboço, se isto quer dizer alguma coisa –, que busca introduzir, dentro da discussão temática, algumas questões que esta vem ignorando, desde da PEC, por conta de faltar identificação, exata e rigorosa, daquilo que acredito constituir hoje a verdadeira problemática do Poder Judiciário: a complexa crise que o atinge, a qual teria natureza ambivalente, pois repousaria em duas dimensões; uma de fundo administrativo/gerencial, outra de caráter político, esta maior e mais grave.


A demanda de legitimidade que questiona o judiciário(assunto examinado após um brevíssimo registro acerca da dimensão administrativa da crise do poder)

Penso que o aspecto administrativo da crise do judiciário residiria nas deformações estruturais nascidas com o modelo organizacional, descentralizado e anárquico, que o próprio constituinte estabeleceu para o poder, ao tempo em que reconhecia, a favor do mesmo e da sociedade, a sua autonomia administrativa e financeira, especialmente esta – dado que a outra fora apenas uma reafirmação, ante o histórico princípio republicano de independência dos poderes –, uma dura e difícil conquista da magistratura, assegurada no caput do art.99, da Carta. Respeitados os planos federativos – união e estados–, não há dois, três, quatro...judiciários, óbvio, mas apenas um, pois o Poder Judiciário é um só, mesmo. Sua estrutura atual, no entanto, sugere haver tantos judiciários quantos são os tribunais, o que, de certo modo, configura um perfil organizacional de aparente aspecto feudal. A "Reforma do Judiciário" vem cuidando hoje apenas dessa dimensão da crise, e ainda assim não logrou identificar o centro da mesma, por esse ângulo.

Já a dimensão política da crise do judiciário residiria na inobservância, por parte de sua estrutura, de princípios constitucionais básicos para a vida republicana e fundamentais para a democracia representativa, ambas – vida republicana e democracia representativa – edificadas na Carta, de modo claro e aberto, mas ignoradas quase totalmente por aquela estrutura. Dali, daquela incongruência, suponho, é gerada uma tensão de legitimidade(o que já justificaria a "Reforma") com a cidadania(que anseia por uma justiça mais transparente, ágil e econômica, isso em todos os sentidos, inclusive nos campos institucional e operativo) e junto aos outros dois poderes, ambos afetados pela expansão do direito, e por isso questionados, rotineiramente, por obra da modernidade, no âmbito do próprio estado(via ministério público, principalmente), mas sempre através de um aparelho cujos membros não passaram, como os do legislativo e os chefes do executivo, pelo crivo das urnas.

Ao manifestar-se sobre o assunto "Reforma do Judiciário", o novo governo que assumiu em 1º de janeiro, decidiu pela imediata retomada de sua discussão, com a sociedade, a magistratura e o parlamento, mas com o firme propósito de "zerar" todo o trabalho anterior e recomeçar tudo do "zero", através da urgente formulação de uma nova proposta. Instalou-se, então, no âmbito da Câmara dos Deputados, Comissão Especial "destinada a efetuar estudo em relação às matérias em tramitação na casa, cujo tema abranja a Reforma do Judiciário – REFJUDIC", colegiado este que encontra-se desenvolvendo as suas atividades, na forma dos seus objetivos.

A idéia de "controle externo do judiciário", que já fora objeto de inserção no projeto anterior, ou melhor, na PEC já votada na Câmara e encaminhada ao Senado, retornou ao panorama midiático com extraordinária força, sendo hoje, depois de alguns temas da "Reforma da Previdência", o principal ponto de discórdia entre o executivo e determinados setores da magistratura, estes resistindo por todos os meios àquela, e o fazem ostensivamente, apresentando as mais diferentes justificativas, algumas até razoáveis e procedentes – como, por exemplo, a recusa à proposta de retirada da autonomia administrativa e financeira do poder, prevista no art.99, caput, da Carta(uma difícil conquista da sociedade, como já registrado acima, empreendida por todos nós, e com o especial empenho dos seus membros). Já outras justificativas(que aqui deixaremos de registrar, por dispensáveis), nem tanto.

Verifica-se que, partindo dos dois lados, formou-se uma grande confusão de enfoque e percepção em relação a diversos aspectos – prejudicando-se, com isso, uma correta identificação da verdadeira problemática que atinge a estrutura do judiciário, de flagrante e inequívoco perfil aristocrático, ou melhor, monárquico, para uma melhor adequação à nossa história – que envolvem temas como transparência, democratização, etc, equívocos tais que teriam levado o Presidente da República a referir-se ao Poder Judiciário como uma estrutura que guardaria uma "caixa-preta". Essa tal "arca negra" – talvez pudéssemos chamar a coisa assim –, segundo a sugestão lá contida, seria inacessível à sociedade e aos demais setores do estado.

No centro da discussão, todavia, vem faltando referência a um aspecto aparentemente obscuro e pouco mencionado em relação ao judiciário, talvez por representar um tabu herdado da nossa secular tradição republicana, o qual mexeria com a sociedade e com os dois lados: a falta de eleições para a magistratura. Sim, esta é a verdadeira questão que deve ser inserida no debate e responsavelmente encaminhada, ainda mais quando inequivocamente prevista em nossa Carta pelo constituinte, ao inovar o princípio democrático da emanação do poder, que passou do todo poder emana do povo e em seu nome é exercido, para o da redação fixada no parágrafo único, do art.1º, que reza : Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição – grifou-se.

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Segundo o previsto naquele dispositivo constitucional, portanto, o exercício do poder pelo povo faz-se por dois meios, exclusivamente:

1.1.– pela via direta, nos casos e segundo os termos dos arts.14 e incisos, 27, § 4º, 29, XIII, e 61, § 2º;

1.2.– por meio de representantes eleitos, nos três poderes, observado o voto direto, secreto, universal e periódico, base da democracia e do regime republicano, reafirmada pelo constituinte, também, no art.60, §4º, II, da Carta.

Para operar a representação democrática e republicana, que a doutrina específica e dominante concebe como formada apenas de representantes eleitos, o constituinte estabeleceu a estrutura tripartite do poder, a qual, no plano da união(projetado aos demais entes federativos), é compreendida pelos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, conforme e segundo os termos do art.2º, da Carta.

Ainda receioso com um eventual retorno do país a um regime de exceção como aquele que acabava de sepultar, o constituinte foi levado a uma redação genérica e inovadora do princípio democrático e republicano da origem do poder, como aquela que fixou no parágrafo único, do art.1º, da Carta, via normativa inclusiva dos três poderes da união(e também dos estados, óbvio), os quais são objeto de instituição imediata, consoante o referido art.2º, da mesma. A cláusula pétrea e reafirmatória daquela inovadora redação da origem do poder democrático e republicano, constante, especificamente, do retro-mencionado art.60º, §4º, II – voto direto, secreto, universal e periódico, direito da cidadania que é impedido de ser objeto de qualquer deliberação de proposta de emenda constitucional que pudesse vir a aboli-lo –, consagra o novo modelo de exercício do poder do povo instituído na Constituição Federal vigente.

Sempre na direção daquela mesma hermenêutica, aqui conduzida, necessariamente, pela via da interpretação sistemática, ou sistêmica, do texto constitucional – a qual impõe ao hermeneuta reconhecer este como uno e indivisível –, tem-se, portanto, que os juizes, como representantes do povo dentro de um dos três poderes da união(e também dos estados, óbvio), devem ser submetidos ao voto direto, secreto, universal e periódico(idem, art.60, §4º, II/CF), tal como o são os representantes do povo nos outros dois poderes, isso sem prejuízo do disposto no art.93, I, da Constituição, no qual, pelas especificidade e peculiaridades inequívocas da magistratura – relativamente aos outros dois poderes, óbvio – manteve o constituinte a carreira e o concurso público, este para o ingresso no cargo inicial de juiz substituto. Não seria absurda a hermenêutica que concebesse caber ao Estatuto da Magistratura(que, aliás, até hoje não foi apresentado pelo Supremo ao Congresso Nacional, permanecendo a carreira com a LOMAN, de 1979) disciplinar o processo eleitoral adequado à eleição do juiz, após cumprido por este o respectivo estágio probatório, por exemplo.

É oportuno registrar e ressaltar, também, que na Carta, a representação democrática e republicana – voto direto, secreto, universal e periódico –, em dois momentos importantes, vem antecedendo, de forma imediata e seqüencial, às disposições constitucionais concernentes aos poderes, conforme evidenciam, inicialmente, as prescrições constantes do art.1º, parágrafo único, da nossa Carta, e, posteriormente, as retro-mencionadas disposições insertas no §4º, do seu art.60, com a seqüência fixada nos incisos II e III. Em ambos os casos, algum tema dos poderes – independência e harmonia, no primeiro caso, ou separação, no segundo –, encontram-se relacionados e sequenciados, com o tema da representação política – representantes eleitos, ou voto direto, secreto, universal e periódico.

Nesse diapasão, é oportuno observar que, ao criar a inovadora figura ímpar da representação exclusivamente eletiva(ou eleitoral), de forma inequívoca, determinada e abrangente para os representantes do povo nos três poderes, o constituinte retirou da nossa Carta qualquer outra que deixe de ser operada pela via do voto direto, secreto, universal e periódico. Todo representante do povo, então, em qualquer um dos três poderes, deve, portanto, ser portador de um mandato eletivo, valendo dizer que, do Presidente da República ao Prefeito, no Executivo, do Senador ao Vereador, no Legislativo, ou do Ministro do Supremo ao Juiz Substituto, no Judiciário, o mandato eletivo – que neste caso poderá ser de 10, 15 ou 20 anos( não importa, mas apenas a observância à transitoriedade, exigência constitucional), dada a peculiaridade e as características da magistratura – será sempre a credencial que legitima o mesmo representante do povo.

Fosse, ao fim da "Reforma do Judiciário", ainda admitido como legítimo e regular o poder do suposto representante do povo no âmbito do referido poder – no caso do Juiz de primeira instância, por exemplo –, investido no cargo apenas por concurso público e sem ter sido submetido a sufrágio popular, como evidente e inequivocamente previsto na Carta – inicialmente observadas as respectivas disposições constitucionais a favor, que determinam para o mesmo o voto direto, secreto, universal e periódico, à luz da inteligência do parágrafo único do art.1º/CF, e, posteriormente, feita a devida interpretação sistemática do texto constitucional –, estaria sendo consagrada e aceita como normal e irrepreensível, dentro do regime democrático e da vida republicana, a figura distante e platônica – esta como idealizada pelo filósofo grego, naturalmente, que imaginou uma república governada por sábios, como o melhor governo para o povo –, do sábio no poder, que as elites dirigentes deste país vêm, injustificadamente, insistindo em manter (postura que, óbvio, coloca-se em desacordo com o texto constitucional), do primeiro ao último grau do Poder Judiciário, após o 5 de outubro de 1988, a data da promulgação da nossa Constituição.

Por outro lado, a inovação criadora do constituinte, revelada com a fixação no texto constitucional da figura política que resultou na edificação da representação eletiva, prevista naquele, em seu art.1º, parágrafo único, tornou o princípio constitucional da vitaliciedade, enquanto garantia da magistratura – que muitos interpretam como da sociedade –, incompatível com os fundamentos democráticos da Carta e da própria vida republicana que a inspira. Dentro da Constituição Federal vigente, portanto, atrevo-me a dizê-lo, aquele é apenas um resquício do antigo regime monárquico brasileiro – a vitaliciedade – vindo a ser, assim, nada mais, nada menos, que uma peça de museu, dado que encontra-se inteiramente em desacordo com a verdadeira democracia e os fundamentos do regime republicano. Deste modo, na "Reforma do Judiciário" que ora volta a ser discutida, aquela inútil e pesada relíquia da monarquia(a vitaliciedade, o que na verdade isso ela é, sem intenção de qualquer ofensa à magistratura, naturalmente), então, deveria ser substituída pela moderna e democrática garantia da estabilidade, esta que é constitucionalmente assegurada aos servidores civis, de um modo geral. A mesma garantia(a estabilidade) seria uma solução simples e prática destinada a proteger o Juiz que, eventualmente, não fosse eleito, ou por qualquer motivo excluído na lista ampla e apartidária periodicamente submetida ao crivo da cidadania, hipótese em que, também, poderia, opcionalmente, ser posto em disponibilidade.

Observe-se que o representante do povo no âmbito do Poder Judiciário, seja o Juiz Substituto ou o Ministro do Supremo Tribunal Federal, distinguido pelo constituinte dos demais representantes do povo nos outros dois poderes, com a exigência constitucional do saber jurídico – seja o testado nas provas do concurso público, ou o presumido, com o respaldo do notório saber –, guarda consigo a peculiaridade de ser um agente político de natureza jurídica complexa(mista, precisamente), ou seja, há um só tempo é servidor público e mandatário, muito embora a "procuração popular" que hoje confere o respectivo mandato seja apenas resultado de uma inconsistente e paradoxal ficção jurídica, face aos equívocos e às deformações da hermenêutica com o texto constitucional. A vida republicana e os fundamentos democráticos que embasam a Constituição, óbvio, não acolhem o mandatário que é investido no cargo por força de simples ficção jurídica – a qual, aliás, como visto, é coisa do apressado e equivocado hermeneuta, não do constituinte.

A ficção jurídica que sempre respaldou a suposta representação do Juiz, cabe observar, também vem continuamente amparando a vitaliciedade do magistrado desde a fundação da República – nesta, em seus primórdios, por receio de uma certa visão que o encarava como vulnerável e logo o tomava como presa fácil de grupos políticos ou econômicos, se aquela viesse a ser perdida. Hoje, em conseqüência do fortalecimento das nossas instituições e do amadurecimento vivido pela sociedade, com o estado democrático de direito erigido por graça da Constituição vigente, levantar o problema nesses termos é repetir o velho discurso dos tenentes das décadas de vinte e trinta, quando o Brasil ainda não dispunha de instituições sólidas e de mecanismos que atualmente já permitem identificar e punir qualquer iniciativa que iniba o pleno exercício dos direitos da cidadania, como o livre exercício do voto, a observância e o devido cumprimento da lei por todos, bem como as legítimas decisões dos seus representantes no poder, etc – a pujança da democracia brasileira é uma confirmação inequívoca dessa verdade. Pensar de modo contrário a essa realidade, portanto, é reviver o tenentismo, que é fenômeno morto e enterrado.

Não escapa ao signatário, no entanto, que, não obstante todo aquele quadro demonstrativo da força e da pujança da democracia brasileira, atualmente – resultado da segurança jurídica e dos mecanismos políticos proporcionados pela mesma Carta que ora se busca aperfeiçoar –, ainda ecoam no presente certos temores vindos do passado novecentista brasileiro, quando alguns dos nossos mais eminentes pensadores e juristas concordavam com os registros e as observações de Stuart Mill sobre a democracia inglesa do seu tempo, como a que segue: De todos os funcionários do governo, os que menos deveriam ser nomeados pelo sufrágio popular são os juizes. Ao mesmo tempo em que suas qualidades especiais e profissionais não podem ser avaliadas pelo povo, não existem outros funcionários para os quais a imparcialidade absoluta e a total falta de ligação com políticos ou facções de partidos seja de tão grande importância – in Considerações sobre o Governo Representativo(3), assim versada na tradução de Manoel Innocêncio de Lacerda Santos.

Óbvio, também, que as considerações do pensador inglês não se amoldam à nossa atual realidade política, de terceiro milênio, ainda mais se levados em conta a ordem política vigente no país – sustentada por uma Constituição moderna e democrática, que assegura o pleno estado democrático de direito, este que em tese ampara o exercício de direitos básicos e fundamentais do cidadão – e o conjunto de mecanismos jurídicos, midiáticos, tecnológicos, etc, hoje disponibilizados em favor da cidadania, que saberá influir, no momento oportuno, quando tiver de ser concluído o modelo que, observando a intenção do constituinte, autorize eleger os seus juizes.

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Sobre o autor
Láurence Ferro Gomes Raulino

procurador federal junto ao Centro de Estudos Jurídicos da AGU, em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAULINO, Láurence Ferro Gomes. Necessidade de inserção da estrutura do Judiciário na vida republicana e no contexto da nossa Carta.: Esboço para um novo quadro institucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 130, 13 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4463. Acesso em: 19 dez. 2024.

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Título original: "Esboço para um novo quadro institucional - voltado à necessidade de inserção da estrutura do Poder Judiciário na vida republicana e no contexto da nossa Carta".

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