3. CONSEQUÊNCIAS DO TRABALHO LEGIFERANTE E A NECESSIDADE DE HIGIDEZ NA FORMAÇÃO DA LEI
Ainda que não se tenha um consenso no que se refere ao destinatário final da norma jurídica, – se aos órgãos do Estado ou aos cidadãos – o fato é que o seu processo de constituição precisa estar vinculado aos valores supremos de justiça e gizado em consonância com o contexto regional em que se figura, incluindo os aspectos econômico, social, geográfico e cultural (BOBBIO, 2014).
Os defeitos jazidos no plano das comissões permanentes e descritos nesse trabalho, que terminam, certamente, por macular o processo legislativo no município de Sousa-PB, trazem a possibilidade de uma série de consequências perniciosas à formação das normas e, por conseguinte, ao cotidiano dos munícipes e ao andamento dos órgãos estatais.
O disparate para com a fase consignada no seio das comissões permanentes, ilustrado: (i) pelo critério autocrático de escolha dos relatores; (ii) pela precária organização comprovada na falta de prefixação de datas e horários; (iii) pela inexistência de reuniões públicas e frequentes em completo desrespeito à transparência nos atos da Administração; (iv) pela ausência de formalização de atas e pelo reduzido número de consultas públicas, a aprovação de leis, em Plenário, à toque de caixa, sem o necessário e esmiuçado esmero no estudo e na discussão, leva a produção normativa a um caminhar sem regresso de compromisso permanente com a imperfeição.
Há de se obtemperar, no entanto, que não se pode confundir dois males do processo legislativo: a morosidade na aprovação de matérias relevantes aos segmentos sociais e o desprezo às etapas importantes da formação da norma. De modo contrário, é mister que agilidade e atenção sejam elementos conciliatórios e umbilicalmente ligados pelo parlamentar, no momento de atuação, enquanto legislador, nem é possível utilizar um como justificativa para o outro, uma vez que a sociedade necessita de respostas rápidas do Legislativo no que tange aos avanços primordiais da política, ao passo que não pode este Poder se valer das pressões sociais e aprovar regras sem o apurado discernimento e a acuidade com todas os atos do processo legiferante.
Outro argumento sólido para rechaçar a presente dualidade é a fixação de prazos até a votação em Plenário, como intenção de acelerar a elaboração legislativa, porém sem permitir qualquer tipo de aprovação de espécies normativa por decurso do tempo, transfigurando-nos à seguinte digressão: ora, se há um período razoável delimitado para que os atos sejam devidamente produzidos, não há que se explicar as causas de uma possível demora, salvo se configurar a extrapolação indevida.
O próprio RI da Câmara Municipal de Sousa-PB, em seu art. 135, delimita o prazo de dez dias para que os pareceres técnicos emitidos pelas comissões permanentes sejam oferecidos, cabendo, em caso de descumprimento, a qualquer parlamentar, o pedido de urgência, nos moldes do art. 143. do mesmo Regimento.
A utilização desta técnica denota-se como de bom alvitre, uma vez que intenta agilizar o processo legislativo e imprimir um ritmo menos lânguido à aprovação das normas, utilizando um prazo, ao que se parece, conforme a demanda do município, extremamente razoável.
É evidente que a norma jamais desembocará ao ordenamento jurídico perfeita, na sua plenitude, até porque hão de se encontrar as mais sortidas interpretações e críticas ao texto insculpido, dada a sagrada diversidade de pensamento, porém o legislador deve se empenhar, abnegadamente, pela máxima higidez do processo de produção das normas, de forma objetiva, respeitando e cumprindo integralmente todos os seus meandros positivados.
Para solucionar a já dissecada problemática, poderia se aventar a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, através de uma provocação de um parlamentar ou do Ministério Público, a fim de que seja cumprido fielmente aquilo que ordena a Constituição Federal, ainda que sucintamente, em seu art. 58. e seus parágrafos e a legislação local, a saber: Regimento Interno da Câmara e Lei Orgânica do Município, todavia, essa ferramenta implicaria na intervenção de uma função estatal sobre a outra, infringindo frontalmente o Princípio da Separação dos Poderes, cláusula pétrea do Estado brasileiro e tornando-se, por conseguinte, uma medida absolutamente inconstitucional.
Entende-se que esse imbróglio deve ser saneado dentro do próprio Poder Legislativo, a partir da criação de uma lei que intime os insignes membros das comissões permanentes e seus respectivos presidentes a retificarem os vícios até então cometidos, sob pena de serem estabelecidas sanções de natureza pecuniária, cuja minuta do projeto já foi desenvolvida e proposta por este pesquisador (vide apêndice A).
A aludida proposição possui amplitude para punir os vereadores omissos em todos os seus horários e compromissos de trabalho, incluindo as reuniões de comissões e as sessões em Plenário e a prefixação de datas e horários pelos presidentes das comissões permanentes, além de inserir as justificativas taxativas a possíveis ausências que devem ser apresentadas previamente e com documento comprobatório, em anexo.
Indubitavelmente, se esse projeto se transformasse em lei, sendo aprovado, e fosse aplicado de forma metódica pela Mesa Diretora, o tratamento dispensado pelos gabinetes dos vereadores com relação às tarefas realizadas pelas comissões permanentes seria completamente distinto do que, hodiernamente, se pratica, uma vez que estariam comprometidos os tão ansiados subsídios dos edis.
4. O PROBLEMA DA INFANTILIZAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO MUNICIPAL E A POSIÇÃO DOS MUNICÍPIOS NO SISTEMA FEDERATIVO BRASILEIRO
Como já cediço, a Constituição Federal propugnou em, notadamente, seus arts. 1º e 18, a ideia de um Estado formado pela união indissolúvel de União, Estados Membros e Municípios, com repartições de competências administrativas e legislativas, elemento fundamental da lógica federativa.
O Município, em especial, permeou, durante muitos anos, de acordo com os regimes que se sucediam em cada Constituição, entre várias posições, no sistema federativo, ora como unidade meramente administrativa, ora como ente federado propriamente dito, ainda que a tão proclamada autonomia municipal estivesse presente, de modo constante, em quase todos os textos constitucionais (MEIRELLES, 2001).
A Constituição de 1988 conferiu, em seu art. 1º, aos Municípios a condição de entidades federativas, ao lado da União, dos Estados Membros e do Distrito Federal, no entanto esse pacto federativo engendrado pelo constituinte, na prática, é alvo de um tremendo desequilíbrio, notadamente, em relação à independência financeira e tributária dos municípios, existindo um descompasso muito grande entre o poderio municipal e sua dependência para carrear recursos mais vultosos para com a União (GADELHA, 2012).
Alguns doutrinadores, a exemplo de José Afonso da Silva, contestam, inclusive a posição dos municípios como entes federativos, fazendo uma interpretação mais holística da Carta Maior, que envolve a utilização das terminações “unidade federada” e “unidade da federação” apenas aos Estados Membros e à União (SILVA, 2012).
Na realidade, é nas cidades onde se encontram as principais dificuldades das pessoas, não passando a União e os Estados Membros de meras abstrações, para aprimorar a organização administrativa do país. O buraco do calçamento, o poste de luz apagado, o posto de saúde sem médico, a escola sem estrutura, todos esses percalços do cotidiano do cidadão ocorrem no Município, e são os vereadores e o prefeito os responsáveis por apresentarem as soluções para esses problemas, de modo que não se faz necessário modificar essa atual conjuntura por uma mera questão de justiça, de equilíbrio entre os entes ou de cumprimento do Princípio federativo, mas, simplesmente, por uma questão de lógica e razoabilidade.
Essa pequenez equivocada estimada ao ente municipal causa, além disso, uma série de problemas que descreditam a própria autoestima dos seus agentes políticos e da própria entidade, levando a crer, realmente, que os Municípios merecem um tratamento mais inferior ou infantilizado.
Não resta dúvidas de que todo esse funcionamento deficitário das comissões permanentes, na Câmara de Vereadores de Sousa-PB, deve-se, além do eventual escasso conhecimento jurídico de seus componentes, da insuficiente e má utilização das ferramentas assessórias dos gabinetes e do Poder Legislativo e da negligência deliberada dos parlamentares, também ao sentimento de infantilização dos municípios, provocado, especialmente, pela desidratação financeira a eles acometida, uma vez que, como dissertado nesse trabalho, a atuação dos órgãos fracionários melhora de acordo com o porte da casa legislativa, logo veja-se que, no Congresso Nacional, as comissões permanentes atuam de forma já cadenciada, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais de maior monta, os problemas já começam a serem desnudados e naquelas de menor tamanho, a precariedade já é a tônica da rotina das comissões.
Essa dependência exorbitante dos recursos do Governo Federal acaba por tornar o Município um ente federado posicionado em um degrau inferior, ao menos perante a interpretação mais corriqueira do pensamento social mediano e do senso comum, que o infantilizam como se essa subordinação fosse análoga, por exemplo, a relação entre pais e filhos, onde o genitor leciona e mantem um domínio sobre sua prole infante que, incipiente, ainda engatinha nos passos da vida e ignora inúmeras experiências.
A justificativa do caráter infantilizado dos Municípios no que se refere ao trabalho realizado pelas comissões permanentes, em Sousa-PB, é, ao que se parece, o tom da conformação, como se as leis municipais, salvaguardando as competências próprias repartidas na CF/88, fossem hierarquicamente inferiores às federais e às estaduais, discurso que merece irrestrito repúdio, em nome da autonomia municipal conquistada também na seara legislativa. Ainda que o município não recebesse a posição a qual lhe foi conferida pelo constituinte, a ideia conformativa seria igualmente nefasta, pois, independente, do grau de relevância, qualquer trabalho deve ser confeccionado e tratado com a mais alta destreza e o mais apurado zelo.
Urge, portanto, a repaginação do pacto federativo vigente, para que os municípios possuam, do ponto de vista prático, a sua autonomia revigorada, principalmente, quando se fala sobre a gerência de recursos públicos e uma mais abrangente arrecadação destes, de modo que isto não influa nas autonomias já assentadas constitucionalmente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como restou demonstrado, o trabalho desenvolvido no seio das comissões parlamentares permanentes, possui enorme valia dentro do processo de produção das normas, pois visa a analisar a propositura de maneira mais profunda e estudá-la com mais acuidade, além de emitir um parecer eminentemente técnico sobre a sua matéria, em nome do Princípio da divisão do trabalho em um órgão.
Ocorre que, na Câmara de Vereadores da cidade de Sousa-PB, conforme decantado pelo presente estudo, observou-se um profundo desrespeito por parte dos parlamentares às tarefas realizadas no âmbito das comissões permanentes, materializado por problemas como o critério de escolha dos relatores por designação do presidente e, na maioria das oportunidades, por avocação do mesmo; a falta de prefixação de dias e horários; a inexistência de reuniões públicas e frequentes, em flagrante dissonância para com o Princípio da Publicidade; a ausência de atas que formalizem os supostos encontros, confeccionando-se apenas a emissão do parecer técnico; e a não realização de audiências públicas, que deveriam nortear o processo legislativo por completo, para que este se revestisse de uma amálgama de participação popular e estimulasse os diversos instrumentos de democracia direta, e o Legislativo passasse a possuir legitimidade, com o aval da sociedade, nas suas decisões.
Por meio de algumas entrevistas realizadas com parlamentares de outras casas legislativas no Estado da Paraíba, entre os meses de novembro de 2014 e dezembro de 2015, verificou-se que a presente problemática é uma tônica que persegue boa parte do Poder Legislativo brasileiro, especialmente, nos municípios menores que padecem de uma visão mais respeitosa no que se refere ao seu enquadramento enquanto ente federado, ou seja, quanto menor o território e o porte da circunscrição, mais evidentes e abundantes se tornam essa indiferença para com as atividades consignadas dentro das comissões permanentes.
Além do reduzido preparo jurídico dos parlamentares eleitos, que, inclusive, mereciam uma melhor orientação dispensada pela Mesa Diretora da Casa Legislativa a partir da oferta de cursos preparatórios sobre a temática e uma assessoria técnico legislativa mais diligente e atuante, e do deliberado sentimento de desprezo à labuta exercida nas comissões permanentes por, provavelmente, considerarem uma atividade menos rentável e visível politicamente, nota-se que essa problemática é uma constante nas Câmaras Municipais, piorando o quadro de maneira proporcional ao tamanho do Município, em virtude de uma noção equivocada que alimenta a sociedade e os agentes políticos municipais menos entendidos de que o município é um ente inferior ou merece tratamento que denomina-se de “infantilizado”.
De fato, na prática, o pacto federativo pugnado na Constituição de 1988, que celebrou autonomia ao ente municipal, é alvo de um profundo desequilíbrio, notadamente financeiro e tributário, ao se assistir a maior parte do bolo arrecadado nos cofres da União e minguados rendimentos nas mãos dos Municípios e dos Estados Membros. Além disso, a dependência do tesouro nacional para projetos de grande monta é algo quase que humilhante, diante das dificuldades financeiras enfrentadas pelas prefeituras.
A precariedade na atuação e no funcionamento das comissões permanentes, na Câmara Municipal de Sousa-PB, no entanto, deve-se, principalmente, à própria vontade política dos parlamentares em negligenciar essa fase, fato que pode provocar uma série de riscos à qualidade da norma e um comprometimento à total higidez do processo legislativo municipal.
A solução apresentada para o despiciendo tratamento conferido a esses órgãos fracionários, na Casa Legislativa sousense, seria a criação de uma lei, cuja minuta do projeto foi apresentada no curso deste trabalho, com o propósito de punir as ausências dos parlamentares às sessões ordinárias em Plenário e às reuniões dos órgãos fracionários, bem como os presidentes das comissões que não fixarem dia e horários e não convocarem as reuniões, com uma multa de 1/30 do subsídio integral, de modo que essa ferramenta, inobstante o seu caráter fortemente coativo, forçaria os vereadores a criarem uma tradição de maior primor no que tange à labuta legiferante, em sentido estrito.