A lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, é oriunda do projeto de lei do Congresso Nacional nº 14 de 1980, contendo normas de natureza processual para especialização procedimental da execução dos créditos fazendários.
Deste modo, o objetivo da LEF é regular o processo de execução para a cobrança da dívida ativa dos entes públicos legitimados, com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.
A dívida ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez, que somente pode ser elidida mediante prova do executado, constituindo título executivo hábil a instruir a ação de execução fiscal (art. 585, inc. VII do CPC/73, art. 784, inc. IX do CPC/2015 e artigo 3º da LEF).
“Em linhas gerais a sistemática da execução fiscal introduzida pela Lei nº 6.830 é a mesma do Código de Processo Civil, ou seja, a execução por quantia certa contra devedor da Fazenda Pública é processo de pura atividade de realização do direito do credor”. (HUMBERTO THEODRO JÚNIOR, Processo de execução, p. 517).
Tanto isto é verdade que se não houvesse a lei nº 6.830/80, a Fazenda Pública teria que se valer da execução por quantia certa, disciplinada no Código de Processo Civil, para a cobrança da dívida ativa, pois a execução forçada pode ser promovida pelo credor a quem a lei confere título executivo (art. 566, inc. I do CPC/73 e art. 778 do CPC/2015).
O artigo 646 do Código de Processo Civil de 1973 dispõe que a execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor. O Código de Processo Civil de 2015, no artigo 824, dispõe que a execução por quantia certa se realiza pela expropriação de bens do executado.
Isto porque, “a atividade desenvolvida pelos órgãos judiciários para dar atuação à sanção recebe o nome de execução; em especial, execução civil é aquela que tem por finalidade conseguir por meio do processo, e sem o concurso da vontade do obrigado, o resultado prático a que tendia a regra jurídica que não foi obedecida” (ÉNRICO TÚLIO LIEBMAN, Processo de execução, p. 18).
A ação de execução fiscal se destina a satisfação do crédito da Fazenda Pública por meio dos atos expropriatórios do processo de execução, não se discutindo o acertamento da relação creditícia nem a definição de responsabilidades. Eventual discussão acerca do título da Fazenda Pública será objeto dos embargos à execução.
O parágrafo 1º do artigo 16 da lei nº 6.830/80 dispõe expressamente que não são admissíveis os embargos à execução quando a execução fiscal não estiver garantida.
De fato a lei de execução fiscal seguiu o disposto no artigo 747 do Código de Processo Civil de 1973 (lei nº 5.869/73), vigente à época da elaboração do projeto de lei do Congresso Nacional nº 14 de 1980 (transformado na lei nº 6.830/80), que na sua redação original não admitia os embargos à execução sem que a ação de execução por quantia certa estivesse garantida por penhora. O prazo para a propositura dos embargos tinha início com a intimação da penhora, nos termos do inciso I do artigo 748, na sua redação original.
Posteriormente, com as reformas do CPC/73, a parte do processo de execução sofreu mudanças, dentre elas a possibilidade do executado opor-se à execução por meio dos embargos independentemente de penhora, depósito ou caução (art. 736 com redação dada pela lei nº 11.382/2006). A ausência de efeito suspensivo dos embargos à execução, salvo se deferido pelo juiz quando, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução, nos termos do artigo 739-A do CPC/73 (redação dada pela lei nº 11.382/2006).
Deste modo, “a segurança do juízo não foi, propriamente, eliminada da disciplina dos embargos à execução. Mudou, porém, de papel. Em lugar de condição de procedibilidade passou a ser requisito do efeito suspensivo, quando pleiteado pelo embargante (art. 739-A, § 1º)” (HUMBERTO THEODORO JUNIOR, Curso de Direito Processual Civil vol. II – Processo de Execução e Cumprimento da Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência, 2007, pág. 435).
Ocorre que o legislador não promoveu as mesmas alterações no artigo 16 da LEF, para possibilitar a propositura dos embargos à execução independentemente de segurança do juízo, a contar da citação. Com isso criou-se o descompasso do procedimento dos embargos à execução na lei de execução fiscal e no Código de Processo Civil.
A alteração do artigo 16 da LEF para possibilitar que o executado pudesse se opor a execução fiscal por meio dos embargos à execução, não afetaria as garantias e privilégios da Fazenda Pública pois os embargos não teriam o condão de suspender a execução fiscal que prosseguiria na busca de bens penhoráveis do devedor, nem autorizaria a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa (art. 206 do CTN) sem que houvesse a prestação de garantia suficiente.
A reforma legislativa do artigo 16 da LEF para compatibilizá-lo com o procedimento dos embargos à execução do Código de Processo Civil, somente traria benefícios as partes possibilitando o acesso a justiça, a ampla defesa, a razoável duração do processo e a sua efetividade. Traria uniformidade para o prazo de oposição dos embargos, uma vez que independeria de garantia.
Na ação de execução fiscal é corriqueira a apresentação de exceção de pré-executividade, quando citado o executado, justamente em razão da obrigatoriedade de garantia de juízo para o ajuizamento dos embargos, e posteriormente quando efetivada a penhora e rejeitada a exceção, os mesmos argumentos são reiterados, ipsis litteris, nos embargos. Isto seria evitado com a dispensa de garantia do juízo para a oposição dos embargos, nos moldes do CPC, pois o executado poderia apresentar todas as suas alegações logo no início do processo de execução fiscal.
No Recurso Especial nº 1.272.827/PE o Superior Tribunal de Justiça decidiu que em atenção ao princípio da especialidade da lei execução fiscal, a dispensa da garantia como condicionante dos embargos à execução do artigo 736 do CPC, com redação dada pela Lei nº 11.382/2006, não se aplica às execuções fiscais em razão da existência de dispositivo específico (artigo 16, §1º da Lei nº 6.830/80), que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal (Recurso Repetitivo, Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 31/05/2013 – Informativo de Jurisprudência do STJ nº 0526 de 25 de setembro de 2013).
Como assentado no Recurso Especial nº 1.178.883/MG (STJ, Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 25/10/2011), o efeito suspensivo dos embargos à execução (art. 739-A do CPC de 73) esta associado a exigência de garantia prévia de juízo (art. 739, § 1º e art. 736 do CPC de 73). Deste modo, o entendimento que prevaleceu foi o de que ao contrário do que ocorre no CPC, no regime da execução fiscal, persiste a norma segundo a qual não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução por depósito, fiança ou penhora (art. 16, § 1º da Lei 6.830/80).
O Código de Processo Civil de 2015, no artigo 914, mantém a regra da desnecessidade da garantia da execução para que o executado possa opor-se mediante embargos à execução, e da ausência de efeito suspensivo dos embargos, ressalvada a possibilidade de deferimento pelo juiz de efeito suspensivo quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória (art. 294 a 311) e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficiente, nos termos do artigo 919.
Portanto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é necessária a garantia do juízo, como condição de procedibilidade, para que o executado possa opor-se à ação de execução fiscal por meio dos embargos à execução, continuará sendo aplicável.
Nem mesmo ao devedor beneficiário da gratuidade de justiça (lei 1.060/50) é facultado opor-se a ação de execução fiscal sem a prévia garantia do juízo (STJ, REsp. nº 1.437.078/RS, Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 31/03/2014 – Informativo de Jurisprudência do STJ nº 0538 de 30 de abril de 2014). O entendimento é no sentido de que a isenção das despesas de natureza processual ao beneficiário da gratuidade justiça não alcança a isenção de garantia do juízo para propor os embargos à execução.
Efetivada a penhora e dela sendo intimado o devedor, atendido estará o requisito de garantia para a oposição de embargos à execução. A eventual insuficiência da penhora será suprida por posterior reforço, que pode ocorrer em qualquer fase do processo, nos termos do inciso II do artigo 15 desta lei, sem prejuízo do regular processamento dos embargos (STJ, REsp nº 1115414/SP, Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 26/05/2011).
O curador especial (Súmula n.º 196 do STJ) é dispensado de oferecer garantia ao juízo para opor embargos à execução. Com efeito, seria um contra-senso admitir a legitimidade do curador especial para a oposição de embargos, mas exigir que, por iniciativa própria, garantisse o juízo em nome do réu revel, mormente em se tratando de defensoria pública, na medida em que consubstanciaria desproporcional embaraço ao exercício do que se constitui um munus público, com nítido propósito de se garantir o direito ao contraditório e à ampla defesa (STJ, REsp nº 1.110.548/PB, Min. Laurita Vaz, Corte Especial, DJe 26/04/2010 – Recurso Repetitivo).
De fato a decisão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.272.827/PE, é acertada, visto que a LEF possui dispositivo específico que trata do procedimento dos embargos à execução fiscal, e como o CPC somente se aplica subsidiariamente, não há como se dispensar a necessidade de garantia do juízo para o oferecimento dos embargos.
Portanto, fica este descompasso entre o procedimento dos embargos à execução na lei nº 6.830/80 e no Código de Processo Civil, com evidente atraso na sistemática do artigo 16 da LEF que não foi alterado para acompanhar a evolução do processo de execução.