Capa da publicação Direito Administrativo: histórico e objeto
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O surgimento do Direito Administrativo e o seu objeto de estudo

Resumo:


  • O Direito Administrativo é um ramo do direito público que surgiu com a consolidação do Estado de Direito, especialmente após a Revolução Francesa, sendo necessário para regular as ações do Estado que busca o interesse coletivo.

  • A teoria da separação dos poderes, proposta por Montesquieu, foi fundamental para a formação do Direito Administrativo, uma vez que estabeleceu a necessidade de um sistema jurídico que controlasse e guiasse as ações do Estado em relação aos cidadãos.

  • O Direito Administrativo brasileiro foi influenciado pelo modelo francês, mas adota um sistema de controle de atos administrativos pelo Poder Judiciário, sem contencioso administrativo especializado, característico do modelo francês.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O direito privado deve regular as relações individuais e o direito público a atividade do Estado, que visa o interesse público. Hoje pode parecer lógica essa afirmação, mas ela é resultado de anos de estudos.

O Direito Administrativo surge juntamente com o Estado de Direito (sendo um dos grandes marcos a Revolução Francesa), pois a partir do momento em que o Estado passa a criar leis que possuem eficácia contra a todos - indistintamente, essas mesmas leis começam a ser exigíveis também do próprio Estado. Oportunidade em que se percebeu que as leis de âmbito privado deveriam restringir-se a regular as relações individuais, não podendo serem as mesmas a regular a atividade do Estado, pois este visa o interesse coletivo.

Indissociável também se faz, da formação do Direito Administrativo, o pressuposto de um Estado em que existam Poderes “partidos”, separados e independentes, porém harmônicos no exercício de suas funções; em que um cria as leis, outro as coloca em prática e um terceiro cuida para corrigir os julgamentos errôneos quanto a sua aplicação, e “aponta” a direção correta, com correções, se necessário.

É a opinião de Meirelles (2008, p. 51-2):

O impulso decisivo para a formação do Direito Administrativo foi dado pela teoria da separação dos poderes desenvolvida por Montesquieu, L’Espirit des Lois, 1748, e acolhida universalmente pelos Estados de Direito. Até então, o absolutismo reinante e o enfeixamento de todos os poderes governamentais nas mãos do Soberano não permitiam o desenvolvimento de quaisquer teorias que visassem a reconhecer direitos aos súditos, em oposição às ordens do Príncipe. Dominava a vontade onipotente do Monarca, cristalizada na máxima romana “quod principi placuit legis habet vigorem”, e subsequentemente na expressão egocentrista de Luís XIV: “L’État c’est moi”.

O Direito Administrativo brasileiro foi bastante influenciado pelo modelo francês (não está unificado em um código próprio, e, sim, disciplinado em leis esparsas), embora não adote o contencioso administrativo. No Brasil, o controle dos atos administrativos ilegais ou ilegítimos é feito de forma definitiva (coisa julgada) pelo Poder Judiciário – modelo inglês, sem prejuízo da autotutela permitida à Administração. Já na França, existe uma jurisdição administrativa especializada, formada por tribunais que tratam de matéria exclusivamente administrativa, e uma jurisdição comum, formada pelos órgãos do Poder Judiciário tradicional. No modelo francês, a competência do tribunal administrativo é atribuída em razão da matéria.

Sendo assim, o objeto de estudo do Direito Administrativo, na França, possui uma razão especial de ser, pois é critério definidor das competências do Poder Judiciário e do contencioso administrativo. Esta pode ser definida como uma razão de ordem prática para a definição do Direito Administrativo como um ramo autônomo do direito.

Segundo Diogenes Gasparini (2008 apud MAZZA, 2013, p. 33), podem ser mencionadas seis correntes principais dedicadas a apresentar um critério unitário para a conceituação do Direito Administrativo e a consequente definição de seu objeto:

1) corrente legalista: considera que o Direito Administrativo resume-se ao conjunto da legislação administrativa existente no país. Tal critério é reducionista, pois desconsidera o papel fundamental da doutrina na identificação dos princípios básicos informadores do ramo; 

2) critério do Poder Executivo: consiste em identificar o Direito Administrativo como o complexo de leis disciplinadoras da atuação do Poder Executivo. Esse critério é inaceitável, porque ignora que a função administrativa também pode ser exercida fora do âmbito do Poder Executivo, como ocorre nas tarefas administrativas desempenhadas pelo Legislativo e pelo Judiciário (função atípica) e também cometidas a particulares por delegação estatal (por exemplo, concessionários e permissionários de serviço público); 

3) critério das relações jurídicas: com base nesse critério, pretende-se definir o Direito Administrativo como a disciplina das relações jurídicas entre a Administração Pública e o particular. A insuficiência do critério é clara, pois todos os ramos do Direito Público possuem relações semelhantes e, além disso, muitas atuações administrativas não se enquadram no padrão convencional de um vínculo interpessoal, como é o caso da expedição de atos normativos e da gestão de bens públicos; 

4) critério do serviço público: muito utilizado entre autores franceses na metade do século passado, tal critério considera que o Direito Administrativo tem como objeto a disciplina jurídica dos serviços públicos. O critério mostra-se, atualmente, insuficiente na medida em que a Administração Pública moderna desempenha muitas atividades que não podem ser consideradas prestação de serviço público, como é o caso do poder de polícia e das atuações de fomento (incentivo a determinados setores sociais); 

5) critério teleológico ou finalístico: considera que o Direito Administrativo deve ser conceituado a partir da ideia de atividades que permitem ao Estado alcançar seus fins. Essa concepção é inconclusiva em razão da dificuldade em definir quais são os fins do Estado; 

6) critério negativista: diante da complexa tarefa de identificar o objeto próprio do Direito Administrativo, alguns autores chegaram a sustentar que o ramo somente poderia ser conceituado por exclusão, isto é, seriam pertinentes ao Direito Administrativo as questões não pertencentes ao objeto de interesse de nenhum outro ramo jurídico. Tal modo de analisar o problema é insatisfatório por utilizar um critério negativo (cientificamente frágil) para estabelecer a conceituação (grifos nossos).

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Atualmente, predomina, na definição do objeto do Direito Administrativo, o critério funcional, sendo o ramo do direito que “estuda a disciplina normativa da função administrativa, independentemente de quem esteja encarregado de exercê-la: Executivo, Legislativo, Judiciário ou particulares mediante delegação estatal” (MAZZA, 2013, p. 33). São as normas administrativas esparsas, sendo aplicadas por quem tem competência para exercê-las, seja no desempenho de funções típicas ou atípicas.

Na sucinta conceituação de Direito Administrativo por Bandeira de Mello (2002, p. 35), também é possível observar esse viés funcional: “(...) o direito administrativo é o ramo do direito público que disciplina a função administrativa e os órgãos que a exercem”.

Moreira Neto (2014, p. 78) elabora um quadro evolutivo do tema identificando diversas escolas:

1) Escola Francesa: também chamada de Escola Clássica ou Legalista, propunha um sentido limitativo ao conceito de Direito Administrativo, restringindo-o ao estudo das normas administrativas de determinado país. 

2) Escola Italiana: igualmente adepta de uma conceituação limitativa, entendia o Direito Administrativo como o estudo dos atos do Poder Executivo. Seus grandes expoentes foram Lorenzo Meucci, Oreste Ranelletti e Guido Zanobini. 

3) Escola dos Serviços Públicos: considerava o Direito Administrativo como o estudo do conjunto de regras disciplinadoras dos serviços públicos. Teve entre seus adeptos Léon Duguit e Gaston Jèze. 

4) Escola do Interesse Público: entendia que a noção fundamental para conceituar o Direito Administrativo era a ideia de bem comum ou interesse público, cuja proteção seria a finalidade última do Estado. 

5) Escola do Bem Público: defendida por André Buttgenbach, entendia que a noção-chave para conceituação do Direito Administrativo seria a de bem público. 

6) Escola dos Interesses Coletivos: sustentava que a defesa dos interesses coletivos era a base para conceituar o Direito Administrativo. 

7) Escola Funcional: procurou associar o conteúdo do Direito Administrativo ao estudo da função administrativa. 

8) Escola Subjetiva: defendida no Brasil por Ruy Cirne Lima e José Cretella Júnior, centralizava a conceituação do Direito Administrativo nas pessoas e órgãos encarregados de exercer as atividades administrativas. 

9) Escolas Contemporâneas: as escolas mais atuais tendem a utilizar diversos critérios combinados para oferecer um conceito mais abrangente de Direito Administrativo capaz de incluir todas as atividades desempenhadas pela Administração Pública moderna.

Exemplo de conceito moderno e abrangente de Direito Administrativo que inclui todas as atividades desempenhadas pela Administração pública moderna é o de Alexandrino (2013, p. 03):

Conjunto de regras e princípios aplicáveis à estruturação e ao funcionamento das pessoas e órgãos integrantes da administração pública, às relações entre esta e seus agentes, ao exercício da função administrativa, especialmente às relações com os administrados, e à gestão dos bens públicos, tendo em conta a finalidade geral de bem atender ao interesse público.

O objeto de estudo do Direito Administrativo sofreu grande evolução ao longo do tempo, desde o momento em que era visto como um simples estudo das normas administrativas, passando pelo período do serviço público, da disciplina do bem público, até os dias atuais, quando se preocupa com os sujeitos que exercem e sofrem com a atividade do Estado, bem como das funções e atividades que a Administração Pública desempenha; o que leva a observar que o seu objeto de estudo é dinâmico e evolui, em consonância com a atividade administrativa e o desenvolvimento do Estado.


REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Administrativo descomplicado. 21. Ed. Rev. E atual. – São Paulo: Método, 2013.

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 34. Ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial – 16. Ed. Rev. E atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.

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Sobre o autor
Frederico Fernandes dos Santos

Advogado. Graduado em Direito pela Faculdade Estácio do Amapá. Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Faculdade Unyleya/AVM. Pós-Graduado em Direito Processual Civil e Direito do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes (UCAMPROMINAS). Pós-Graduado em Direito Imobiliário e Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD). Membro da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (ABAT). Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro do Congresso Internacional de Altos Estudos em Direito (CAED-Jus). Autor de livros e artigos publicados em diversas revistas jurídicas. Fundador do site www.adblogado.adv.br - O seu blog jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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