Resumo: Desde os primórdios, as relações familiares mereceram destaque na sociedade e no Direito, por manterem uma política voltada a satisfazer vontades do chefe da família. Por muitos anos, o aludido conceito machista permaneceu vigorando, o que se verificou até a chegada da urbanização e da industrialização, que geraram a necessidade de rever os institutos da sociedade, inclusive das relações familiares. Com o advento da Constituição Federal, o poder-dever no âmbito familiar passou de poder concentrado para uma responsabilidade solidária em seu exercício. A criança e o adolescente passaram a ser tratados com prioridade nos interesses da coletividade, para figurarem como sujeitos de direitos e deveres cujos pais devem assegurar até a maioridade civil, atuando sempre em busca do melhor interesse da criança e do adolescente. Assim, em decorrência da responsabilidade atinente ao poder-dever do exercício do poder familiar, os pais acabam deixando, por vezes, de priorizar o lado afetivo dessas relações, gerando desconforto e danos na infância e adolescência dos filhos. O abandono afetivo é comum nas relações familiares, e a busca pelo poder judiciário, na tentativa de serem reparados os danos emocionais sofridos, intensificou-se nos últimos anos. O respaldo para esta busca é no sentido de que, se houver um dano, a conduta que o provoca pode, com base no Código Civil, ser considerada um ato ilícito passível de responsabilidade, o que provoca controvérsia nos Tribunais. O objeto da presente monografia recai sobre a perspectiva do abandono afetivo como motivo ensejador de destituição do poder familiar, distinguindo-se completamente da responsabilidade monetária do autor do abandono, e de modo que se busca desvincular os laços familiares jamais constituídos, com reflexo inclusive no registro de nascimento do filho.
Palavras-chave: destituição; poder familiar; abandono afetivo.
INTRODUÇÃO
O pátrio poder sempre manteve um status de conceito machista na sociedade, segundo o qual o chefe da família mantinha o domínio das decisões em âmbito familiar. Com as mudanças sociais, a Constituição Federal e as leis infraconstitucionais tiveram de adaptar suas normas diante das inovações surgidas com a urbanização e industrialização, contexto este em que se percebeu que a mulher ocupava um espaço na sociedade, de modo que se buscou reavaliar o conceito do instituto.
O poder familiar trouxe um novo conceito e, consequentemente, uma nova realidade para as relações familiares, voltadas para uma isonomia de poder-dever entre os cônjuges, e atribuindo responsabilidade solidária na proteção integral, física e psíquica dos filhos menores, em decorrência do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que estabelece também o dever inerente aos pais, de sustento, guarda, educação e assistência.
A Constituição Federal assegura à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Já a Carta Magna, por sua vez, garante a dignidade da pessoa humana, que inclusive ultrapassa os limites constitucionais e abrange toda e qualquer relação que possa existir, juntamente com os princípios da liberdade e da igualdade, ligando-os diretamente ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, em busca da convivência familiar que se molda a partir da isonomia conjugal e do princípio da afetividade.
Finalmente, o Código Civil esclarece que as prerrogativas de assegurar os direitos e deveres à criança e ao adolescente são de responsabilidade do poder-dever dos pais, de modo que o descumprimento das obrigações poderá acarretar a perda do poder familiar, por meio de decisão judicial.
A destituição (ou perda) do poder familiar, no entanto, é considerada uma medida muito severa, devendo ser aplicada em última hipótese, com o objetivo de assegurar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Neste contexto, o presente trabalho objetiva fazer uma análise da possibilidade da perda do poder familiar tendo como motivo ensejador o abandono afetivo, levando em consideração o entendimento dos Tribunais diante de casos concretos.
Assim, para iniciar a discussão, apresenta-se a transição do conceito do pátrio poder -no direito romano - ao atual poder familiar, aplicando-se os princípios constitucionais e os intrínsecos do direito de família, e buscando acompanhar a evolução das relações familiares e o papel dos pais nessa nova concepção.
A responsabilidade solidária dos genitores de criar, educar, alimentar e prestar assistência aos filhos menores vai além dessas obrigações, de modo que acaba sendo negligenciado o elemento da afetividade, por não estar expressamente previsto no rol dos deveres constitucionais. Assim, é preciso uma especial atenção ao problema do abandono afetivo, sendo significativamente comum a ausência de amor e carinho por parte dos pais.
Do ponto de vista dos filhos abandonados, a problemática em torno do abandono afetivo foi analisada pelos Tribunais, numa discussão calorosa em face de uma possível responsabilidade civil em decorrência dos danos emocionais sofridos, expondo os posicionamentos favoráveis e contrários do instituto.
Finalmente, no que diz respeito à discussão principal do presente trabalho, consistente na possibilidade de destituição do poder familiar com base no abandono afetivo, os Tribunais são bastante contundentes em suas decisões. A busca judicial intentada pelos filhos, na tentativa de ser reconhecida a perda da relação familiar que nunca existiu, é um objeto de discussão relativamente recente. O argumento daqueles que foram abandonados é pela chance de ser lhe dada a oportunidade de se desvincular de qualquer vestígio que restou do genitor, diante da falta de interesse do exercício do seu papel de salvaguarda na infância e adolescência, e por ter convivido com o desprezo e a dor.
1. PODER FAMILIAR
O poder familiar sofreu grandes transformações até chegar ao conceito atual, partindo do pátrio poder exercido exclusivamente pelo genitor, para uma isonomia de direitos e deveres entre os cônjuges. Assim, no âmbito familiar as relações devem ser exercidas por ambos os pais no que diz respeito à criação, educação, alimentação e assistência aos filhos menores.
Sendo assim, é importante destacar os basilares princípios constitucionais aplicáveis nas relações familiares, sobretudo no direito de família, como norteadores pela busca do melhor interesse da criança e do adolescente.
1.1. Análise histórica e conceitual
Ao longo da história é perceptível a evolução dos pilares que constituem o poder familiar, tendo sua trajetória sofrido significativas alterações. O conceito machista em torno do pátrio poder, exercido apenas pelo chefe da família, foi substituído pelo poder familiar, que passou a integrar uma nova posição social na dissolução de poderes entre os genitores.
O pátrio poder era um conceito absoluto e ilimitado, baseado em subordinação e respeito, no qual o título de chefe da família se destinava apenas ao genitor. Com o passar dos anos foi sendo diluído esse conceito, contrabalanceando o “poder” da família e repassando-o também à genitora, a qual não possuía nenhuma posição no contexto social, a não ser o de cuidar da casa e dos filhos e, “na falta ou impedimento do pai é que a chefia da sociedade conjugal passava à mulher e, para isso, assumia ela o exercício do poder familiar com relação aos filhos” (DIAS, 2011, p. 423).
A nomenclatura de pátrio poder surgiu no Direito Romano, a patria potestas, e representava um poder incontrastável do chefe de família (VENOSA, 2004, p. 365). Uma relação de extremo respeito e subordinação dos filhos, refletida no pensamento de Jean Carbonnier (apud VENOSA, 2004, p.365), que expõe que “o pátrio poder ou poder familiar encerra, sem dúvidas, um conteúdo de honra e respeito, sem traduzir modernamente simples ou franca subordinação”.
O Código Civil de 2002 traz, nas Disposições Gerais do Capítulo V, previsão acerca do poder familiar, mas sem expor a definição propriamente dita do instituto: “Art. 1630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”.
Sílvio Venosa (2004, p. 366) relata que a ideia de poder familiar que prevalecia no século XIX e início do século XX era o conjunto de direitos dos pais com relação aos bens e aos filhos menores, sendo perceptível que ainda existia aquela visão do patria potesta do direito romano. Com o advento da urbanização e da industrialização, a mulher passou assumir uma nova posição social; além disso, o avanço das telecomunicações e a globalização da sociedade modificaram irremediavelmente a posição da mulher, de modo que se buscou reavaliar o conceito do instituto.
Além disso, o autor compara a noção de pátrio poder em Roma com o novo instituto surgido com a chegada da globalização:
Em Roma, pátrio poder tem uma conotação eminentemente religiosa: o pater famílias é o condutor da religião doméstica, o que explica seu aparente excesso de rigor. O pai romano não apenas conduzia a religião, como todo o grupo familiar, que podia ser numeroso, com muitos agregados e escravos. Sua autoridade era fundamental, portanto, para manter unido e sólido o grupo como célula importante de Estado. De fato, sua autoridade não tinha limites e, com frequências, os textos referem-se ao direito de vida e morte com relação aos membros de sua clã, aí incluídos os filhos (ob. cit, p.366).
É irrefutável que o exercício do poder familiar baseia-se na relação do pai e mãe em cuidar, alimentar e educar os filhos menores. Em Roma, esse exercício não se limitava apenas a isso: “o pater, sui juris, tinha o direito de punir, vender e matar os filhos, embora a história não noticie que chegasse a este extremo” (ob. cit.). É do conhecimento de todos de que os bens pertenciam totalmente ao genitor, não tendo a mulher direito algum, sendo os direitos sucessórios deixados apenas ao filho mais velho e caso fosse homem:
Na Idade Média, é confrontada a noção romana de pátrio poder com a compreensão mais branda de autoridade paterna trazida pelos povos estrangeiros. De qualquer modo, a noção romana, ainda que mitigada, chega até a Idade Moderna. O patriarcalismo vem ate nós pelo Direito português e encontra exemplos nos senhores de engenho e barões do café, que deixaram marcas indeléveis em nossa historia. Na noção contemporânea, o conceito transfere-se totalmente para os princípios de mútua compreensão, a proteção dos menores e os deveres inerentes, irrenunciáveis e inafastáveis da paternidade e maternidade. O pátrio poder, poder familiar ou pátrio dever, nesse sentido, tem em vista primordialmente a proteção dos filhos menores. A convivência de todos os membros do grupo familiar deve ser lastreada não em supremacia, mas em diálogos, compreensão e entendimento (ob. cit., p. 368).
A visão do poder familiar sofreu grandes influências no decorrer dos anos, e principalmente com a chegada da globalização, a qual deu uma nova posição social à mulher através do movimento feminista, buscando deixar de lado o papel de cuidadora do lar e exercendo uma influência no poder-dever com relação aos filhos.
Assim, a evolução histórica do conceito poder familiar é vislumbrada desde o direito romano, no conceito pátria potestas, passando pelo movimento feminista, o qual impulsionou mudanças, até o advento da Constituição Federal de 1988, que pôs fim ao machismo que vinha resistindo ao longo dos anos:
O poder familiar é, assim, entendido como uma consequência da parentalidade e não como efeito particular de determinado tipo de filiação. Os pais são os defensores legais e os protetores naturais dos filhos, os titulares e depositários dessa específica autoridade, delegada pela sociedade e pelo Estado. Não é um poder discricionário, pois o Estado reserva-se o controle sobre ele. (TEPEDINO apud LÔBO, 2010, p. 295) [gripo nosso]
Destarte, o poder familiar é uma obrigação imposta por lei inerente à condição de pai e mãe, quanto ao sustento, criação, educação, guarda e proteção dos filhos menores, não sendo possível eximir-se de tal obrigação: “o poder paternal já não é, no nosso direito, um poder e já não é, estrita ou predominante, paternal. É uma função, é um conjunto de poderes-deveres, exercidos conjuntamente por ambos os progenitores” (SANTOS apud VENOSA, p.355).
Vale salientar o ponto de vista de Maria Berenice Dias (2011, p.424), acerca da chegada da Constituição Federal, em cujo art. 5º concedeu-se tratamento isonômico ao homem e à mulher, bem como assegurou-se igualdade de direitos e deveres referentes à sociedade conjugal (art.226, §5º), outorgado aos genitores o desempenho do poder familiar. O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA veio integrar os termos da Constituição, exercendo um papel de proteção para os filhos.
1.2. Princípios constitucionais do direito da família
Cumpre esclarecer que a Constituição Federal exerce um papel de soberania diante dos vários ramos do direito, servindo seus princípios de norteio aos demais. Assim, “os princípios constitucionais foram convertidos em alicerce normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico do sistema constitucional” (BONAVIDES apud DIAS, 2011, p. 57).
Os princípios têm um importante papel, sendo requisitados pelos doutrinadores e juristas de modo geral para conduzir alguma norma em sua interpretação. A esse respeito, importante esclarecer que existem princípios gerais que servem de base para todo o ordenamento jurídico, e outros que são próprios de áreas específicas, como o direito de família, por exemplo.
Tendo em vista que a doutrina não é unânime sobre quais são os princípios aplicáveis ao direito de família, uma vez que se trata de um rol extensivo, vejamos aqueles aplicáveis a todo o ordenamento, quais sejam os princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade e igualdade, além dos princípios especialmente atinentes ao direito de família.
1.3. Princípio da dignidade da pessoa humana
A Constituição Federal traz no seu primeiro artigo um dos princípios mais importante do ordenamento jurídico:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III — a dignidade da pessoa humana.
De acordo com Berenice Dias (2011, p. 62), “o ingresso dos direito humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional”. No mesmo sentido, corrobora Rothenburg, ao dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana “talvez possa ser identificado como sendo o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregando de sentimento e emoções” (apud DIAS, ob. cit.).
A aplicação deste princípio ultrapassa os limites constitucionais e abrange toda e qualquer relação que possa existir, colocando a pessoa humana “no centro protetor do direito” (ob. cit., p. 63). Dessa maneira, não serve apenas de norteio na formação das relações jurídicas ou pessoais, mas também como uma garantia da não violabilidade.
Assim, por constituir um elemento essencial na formação do vínculo familiar, o princípio da dignidade da pessoa humana, além da proteção dada pelo direito de família, é igualmente assegurado pela Constituição Federal. A esse respeito, Dias (ob. cit. p.63) esclarece que “o princípio da dignidade da pessoa humana significa, em última análise, igual dignidade para todas as entidades familiares. Assim, é indigno dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família”.
Paulo Lôbo, por sua vez, traz um exemplo inerente ao direito de família e que faz referência expressa ao artigo 226, § 7º da Constituição Federal, segundo o qual o casal é livre nas suas decisões, mas nos termos dos limites impostos pela lei. Assim, na escolha do planejamento familiar não seria diferente, porquanto deve fazê-lo em obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana, com ponderação nos interesses legítimos e nos valores seguidos pela comunidade em geral.
No que respeita á dignidade da pessoa e da criança, o art. 227. da Constituição expressa essa viragem, configurando seu específico bill of rigths, ao estabelecer que é dever da família assegurar-lhe ‘com absoluta prioridade, o direito à vida, à suade, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária’, além de coloca-la ‘ salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão’. Não é um direito oponível apenas ao Estado, à sociedade ou a estranhos, mas a cada membro da própria família. É uma espetacular mudança de paradigma (2010. p. 54).
Dessa forma, o direito de família deve ter por base a incidência do princípio da dignidade da pessoa para tratar sobre a constituição das relações afetivas familiares.
1.4. Princípio da liberdade
O princípio da liberdade tem relação direta com o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista serem ambos direitos fundamentais assegurados a todos. A liberdade é ofertada dentro dos limites impostos pelo direito, em cujos termos se garante a sua concessão com certa proporcionalidade, ou seja, até os limites dos outros direitos, não podendo existir supremacia de um quanto ao outro.
As relações familiares são baseadas na liberdade de escolha, desde o momento da busca pelo par, seja pelo mesmo sexo ou não, até a extinção do laço afetivo dos cônjuges, sendo estabelecido que na criação, educação e alimentação dos filhos a responsabilidade é solidária, apesar de haver situações excepcionais, como por exemplo no caso de desconhecimento do genitor, em que não há que se falar em obrigações compartilhadas.
Ainda a respeito do princípio da liberdade, vejamos:
O papel do direito – que tem como finalidade assegurar a liberdade- é coordenar, organizar e limitar a liberdade, justamente para garantir a liberdade individual. Parece um paradoxo. No entanto, só existe liberdade de houver, em igual proporção e concomitância, igualdade. Inexistindo o pressuposto da igualdade, haverá dominação e sujeição, não liberdade. (CANUTO apud DIAS, 2011, p. 64) [grifos nossos]
Destarte, esse princípio foi previsto pela Constituição com o intuito de se extinguir qualquer espécie de discriminação, dando maior liberdade de escolhas na formação da entidade familiar, sem que haja interferências externas.
Paulo Lôbo (2010, p. 63) menciona que existem “duas vertentes essenciais: liberdade da entidade familiar, diante do Estado e da sociedade, e liberdade de cada membro diante dos outros membros e da própria entidade familiar”, sendo importante a observância desse princípio tanto na constituição quanto na dissolução nas relações afetivas.
1.5. Princípio da igualdade
Possuindo íntima ligação com o princípio da liberdade, esse princípio exerce uma significativa influência sobre a entidade familiar, o que possibilitou igualdade entre os homens e mulheres não apenas nas responsabilidades inerentes ao poder familiar, mas em todo ordenamento jurídico.
O artigo 5º da Carta Magna assegura que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, previsão esta que garante igualdade nos direitos e deveres pertencentes ao exercício do poder familiar dos pais, diferentemente da concepção do pátrio poder no Direito Romano, em que
a mulher casada era juridicamente dependente do marido e os filhos menores estavam submetidos ao poder paterno. Não havia liberdade para constituir entidade familiar, fora do matrimônio. Não havia liberdade para dissolver o matrimônio, quando as circunstâncias existenciais tornavam insuportável a vida em comum do casal (LÔBO, 2010, p. 62).
A evolução do princípio da igualdade é perceptível nos termos do artigo 226, § 5º, da Constituição Federal, em que se atribui o exercício dos direitos e deveres da sociedade conjugal igualmente a ambos os companheiros, sem a sobreposição de um em relação ao outro.
No mais, Rui Barbosa expõe que “tratar a iguais com desigualdade ou a desiguais com igualdade não é igualdade real, mas flagrante desigualdade” (apud DIAS, p. 65). Consequentemente, tratar os desiguais de forma igual, como uma forma de equiparação, é dar aos homossexuais, por exemplo, os mesmos direitos na formação da entidade familiar. O Superior Tribunal de Justiça, em 2011, posicionou-se a respeito, dessa questão:
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO EDISSOLUÇÃO DE UNIÃO AFETIVA ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO POST MORTEMCUMULADA COM PEDIDO DE PARTILHA DE BENS. PRESUNÇÃO DE ESFORÇO COMUM.
1. Despida de normatividade, a união afetiva constituída entre pessoas de mesmo sexo tem batido às portas do Poder Judiciário ante a necessidade de tutela. Essa circunstância não pode ser ignorada, seja pelo legislador, seja pelo julgador, que devem estar preparados para regular as relações contextualizadas em uma sociedade pós-moderna, com estruturas de convívio cada vez mais complexas, afim de albergar, na esfera de entidade familiar, os mais diversos arranjos vivenciais.
2. Os princípios da igualdade e da dignidade humana, que têm como função principal a promoção da autodeterminação e impõem tratamento igualitário entre as diferentes estruturas de convívio sob o âmbito do direito de família, justificam o reconhecimento das parcerias afetivas entre homossexuais como mais uma das várias modalidades de entidade familiar.
3. O art. 4º da LICC permite a equidade na busca da Justiça. O manejo da analogia frente à lacuna da lei é perfeitamente aceitável para alavancar, como entidades familiares, as uniões de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Para ensejar o reconhecimento, como entidades familiares, de referidas uniões patenteadas pela vida social entre parceiros homossexuais, é de rigor a demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização de entidade familiar diversa e que serve, na hipótese, como parâmetro diante do vazio legal - a de união estável - com a evidente exceção da diversidade de sexos.
4. Demonstrada a convivência, entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, sem a ocorrência dos impedimentos do art. 1.521 do CC/02 , com a exceção do inc. VI quanto à pessoa casa da separada de fato ou judicialmente, haverá, por consequência, o reconhecimento dessa parceria como entidade familiar, com a respectiva atribuição de efeitos jurídicos dela advindos.
5. Comprovada a existência de união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente à meação dos bens adquiridos a título oneroso ao longo do relacionamento, mesmo que registrados unicamente em nome do falecido, sem que se exija, para tanto, a prova do esforço comum, que nesses casos, é presumida.
6. Recurso especial provido.
(STJ - REsp: 930460 PR 2007/0044989-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 19/05/2011, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/10/2011) [grifos nossos]
O Código Civil de 2002 igualmente tratou do princípio da igualdade, havendo inclusive previsão no Direito da Família: “Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Além disso, mencione-se o art. 1.596. do mesmo Código, segundo o qual “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Neste diapasão, seja no casamento ou no que diz respeito aos direitos e deveres em face do filho, a responsabilidade dos pais será solidária. Além disso, verifica-se a igualdade dos filhos, independentemente de qualquer critério que pudesse ser estabelecido.
1.6. Princípio da afetividade
O princípio da afetividade é base de toda relação existente na sociedade, sendo especialmente importante nas relações familiares, mas sem desmerecer os outros tipos de afeição. O amor é apontado como base dessas relações e aqui não vamos discutir a esse respeito, porquanto se trata de uma denominação muito subjetiva.
O princípio da afetividade não está expressamente previsto na Constituição Federal, o que não impede o Estado de assegurar a todos a sua garantia. Já no âmbito do direito de família, os vínculos familiares têm suas relações afetivas originadas no vínculo sanguíneo ou não, tendo por base o liame afetivo que une os seus membros uns aos outros, tendo em vista que “expressa a passagem do fato natural da consanguinidade para o fato cultural da afinidade” (LÉVI-STRAUSS apud LÔBO, 2010, p. 64).
O Código Civil, por sua vez, demonstra a realidade desse princípio através do artigo 1593, no qual estabelece que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Nesse sentido, é possível fazer menção aos filhos adotivos, que embora não tenham o liame consanguíneo são, em contrapartida, acolhidos pela afetividade.
Paulo Lôbo (2010, p. 68), assevera que a força da afetividade está exatamente na sua aparência frágil, sendo o único elo que mantém as pessoas unidas umas as outras nas relações familiares.
1.7. Princípio da convivência familiar
Acerca desse princípio, Paulo Lôbo (ob. cit.), esclarece que “a convivência familiar é a relação afetiva diuturna e duradoura entretecida pelas pessoas que compõem o grupo familiar, em virtude de laços de parentesco ou não, no ambiente comum”.
A convivência familiar deve ser exercida sob um espaço físico no qual não há ingerência do poder estatal, um ambiente em que os membros da família criam seu modo de vida e suas regras, formando suas características próprias em um contexto social. Viver no âmbito familiar é de suma importância para o progresso da criança e do adolescente, porquanto é no lar que são desenvolvidas noções de cidadania, de certo e errado, de construção do vínculo socioafetivo e de respeito.
Nesse contexto, é perceptível que crianças e adolescentes pertencentes a um ambiente familiar agradável possuem um conceito de família diferente daqueles que nunca conviveram com uma. Assim, as noções desse princípio abrangem também a participação de avós, tios, etc., dependendo do ambiente familiar em que o menor está inserido.
Partindo-se da premissa de que um dos vínculos mais importante é aquele estabelecido entre pai e filho, nos casos em que seja extinta a sociedade conjugal não se deve permitir que haja reflexos aos filhos, os quais devem continuar a conviver com ambos os genitores, por ser de suma importância a manutenção de uma relação harmônica.
Em face da garantia à convivência familiar, há todo uma tendência de buscar o fortalecimento dos vínculos familiares e a manutenção de crianças no seio da família natural. Porém, às vezes, melhor atende aos interesses do infante a destituição do poder familiar e sua entrega à adoção. O que deve prevalecer é o direito à dignidade e ao desenvolvimento integral, e, infelizmente, tais valores nem sempre são preservados pela família. Daí a necessidade de intervenção do Estado, afastando a criança e adolescente do contato com os genitores, colocando-os a salvo junto a famílias substitutas (LÔBO apud DIAS, 2011, p. 69).
Assim, o princípio da convivência familiar é um direito fundamental da criança e do adolescente, através do qual se busca manter o colhimento familiar como forma de proporcionar o melhor desenvolvimento psíquico do menor.
1.8. Princípio da isonomia conjugal
A Constituição Federal modificou o paradigma do poder-dever na relação familiar, conforme artigo 226, § 5º, no qual esclarece que a família constitui a base da sociedade e possui especial proteção do Estado, sendo que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.
Assim, houve inúmeras mudanças na evolução histórica do poder familiar para se chegar à isonomia conjugal, tendo a Constituição Federal fundamental participação na busca da responsabilidade solidária de ambos os genitores no exercício do poder familiar.
A igualdade prevista no caput do artigo 5º e no § 5º do artigo 226 provocou uma grande mudança no Direito de Família: o homem deixou de ser considerado o chefe da sociedade conjugal e os dispositivos legais que lhe garantiam tal prerrogativa foram revogados pela Lei Maior, extinguindo-se a primazia e sendo os direitos e deveres exercidos de igual forma, por ambos. Quebrou-se com a nova Carta Constitucional a hegemonia masculina e a desigualdade legal de homens e mulheres (RIBEIRO, 2002, p.2). [grifo nosso]
O princípio da isonomia conjugal relaciona-se diretamente com o princípio constitucional da igualdade, no qual impõe ao casal a isonomia nas obrigações decorrentes da constituição do lar, especificamente quando há filhos menores. Assim, é dever dos genitores a busca do equilíbrio dos direitos e deveres no ambiente familiar, mesmo depois de desconstituído o relacionamento entre os cônjuges.
A criação do filho não se limita apenas ao período em que se está sob o mesmo teto, ou mesmo à fase em que há relação entre ambos os nubentes, tendo em vista que ultrapassa qualquer desconstituição da relação conjugal, sendo as obrigações para com os filhos exercidas de forma igualitária, na proteção e manutenção dos direitos e deveres estabelecidos por lei aos menores. Assim, não pode um dos genitores se eximir da sua responsabilidade.
1.9. Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
Tanto no âmbito familiar como socialmente, as crianças e os adolescentes são considerados seres frágeis e merecedores de especial atenção, não podendo os interesses da sociedade ou da família se sobrepor aos direitos daqueles, de maneira que se busca com prioridade atender aos interesses da criança e do adolescente.
Dessa forma, Lôbo (2010, p.70) coloca a criança como sujeito que deve ter seus “interesses tratados com prioridade, pelo Estado, pela sociedade e pela família, tanto na elaboração quanto na aplicação dos direitos que lhe digam respeito, notadamente nas relações familiares, como pessoa em desenvolvimento e dotada de dignidade.”
Complementa ainda o autor que o princípio do melhor interesse
não é uma recomendação ética, mas diretriz determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais, com sua família, com a sociedade e com o Estado. A aplicação da lei deve sempre realizar o princípio, consagrado, segundo Luiz Edson Fachin como ‘critério significativo na decisão e na aplicação da lei’, tutelando-se os filhos como seres prioritários. O desafio é converter a população infanto-juvenil em sujeitos de direitos, ‘deixar de ser tratada como objeto passivo, passando a ser, como os adultos, titular de direitos juridicamente protegidos’ (ob. cit, p. 71).
Assim, a vulnerabilidade do menor não o faz desmerecedor de direitos, e sim sujeito prioritário de direitos frente aos demais indivíduos.
1.9.1. Responsabilidade familiar na formação dos filhos
O ordenamento jurídico, na constituição do poder familiar, atribuiu aos pais prerrogativas inerentes a sua condição de garantidores dos direitos e deveres dos filhos menores, uma vez que, pela sua condição de vulnerabilidade, tornou-se necessário impor a alguém deveres fundamentais para formação e sobrevivência da prole.
A Constituição Federal, por reconhecer a fragilidade da criança, tutela alguns direitos e deveres que devem ser exercidos pelos pais imperiosamente, em face da omissão referente ao artigo 1634 do Código Civil, objeto de estudo logo mais adiante. Já a Constituição Federal, no artigo 227, garante à criança e ao adolescente “direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, os quais devem ser exercidos com prioridade, livrando o menor de “toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Além disso, o artigo 229 da Carta Magna estabelece o dever dos pais de “criar e educar os filhos menores,” tendo os filhos maiores o “dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade,” existindo um contrapeso sobre os deveres dos pais sobre os filhos e vice versa.
A lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), em seu artigo 3º, busca proteger esses menores, assegurando também outros direitos fundamentais “inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral [...] assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.
A esse respeito, em 2004 o Código Civil alterou significativamente o seu artigo 1634, no qual dispõe um rol de obrigações que competem aos pais em face de seus filhos. Vejamos:
Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;
VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
São notórios alguns deveres dos pais sobre os filhos, como por exemplo o de criação e educação, os quais são considerados deveres fundamentais, e que portanto devem ser exercidos sem qualquer impedimento, sobretudo o dever de sustento, sendo por meio da educação que se cria um cidadão com caráter e valores morais eticamente corretos, dando reflexo a uma sociedade moralmente justa.
Os pais que deixam de prover o sustento do filho menor sem justa causa incorrem em crime contra a assistência familiar, nos termos do artigo 244 do Código Penal, em face do qual resta configurado o crime de abandono material, que pode até mesmo dar ensejo à perda do poder familiar. Ademais, a Carta Magna impõe o dever de sustento e educação ao filho menor, e sua desobediência implica em cometimento de crime. Assim, deixar de prover a instrução primária, ou seja, a educação do filho, caracteriza crime de abandono intelectual, conforme o artigo 246 do Código Penal.
Art. 205, CF. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 244, CP. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo. Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Art. 246, CP. Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar. Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
Dessa forma, as responsabilidades familiares são exercidas por ambos os genitores, e na ocorrência de dissolução do relacionamento, o menor terá sua guarda definida por decisão judicial. Ademais, Gonçalves (2015, p. 428) traz um entendimento jurisprudencial que, embora seja de 1992, expõe uma visão interessante sobre a responsabilidade dos pais em decorrência do divórcio: “se sob a guarda e em companhia da mãe se encontra o filho, por força de separação judicial ou divórcio, responde esta, e não o pai, pelos atos praticados pelo filho.” Por força desse entendimento seria cabível a situação contrária, quando o pai fica com a criança no período de visitas. Tal posicionamento, contudo, deve ser melhor analisado nos dias atuais, em especial diante do novo enquadramento jurídico instituído com a recente regularização legal acerca da guarda compartilhada.
1.9.2. Suspensão, extinção e perda do poder familiar
O poder familiar é exercido a partir da prerrogativa do poder-dever, oriunda da responsabilidade dos pais em face dos filhos menores. Dessa forma, o Estado pode atuar na fiscalização do cumprimento de tais deveres, e, em caso do desrespeito ou da prática de atos que prejudiquem os interesses dos menores, há possibilidade de ser imposta suspensão, extinção ou perda do poder familiar. Assim, “a lei disciplina casos em que o titular deve ser privado de seu exercício, temporário ou definitivo” (VENOSA, 2004, p. 379).
Maria Berenice (2011, p. 433-434) argumenta que é prioridade do Estado fazer esse acompanhamento, no dever de preservar a integridade física e psíquica da criança e do adolescente, sendo assim possível a atuação do Poder Judiciário na coibição de qualquer conduta que possa acarretar prejuízo, ao menor, atuando no sentindo de promover seu afastamento do convívio com os pais.
A extinção do poder familiar é prevista no artigo 1635 do Código Civil: “Extingue-se o poder familiar: I - pela morte dos pais ou do filho; II - pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único; III - pela maioridade; IV - pela adoção; V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638”.
Segundo Lôbo (2010, p. 302), “a extinção é a interrupção definitiva do poder familiar. As hipóteses legais são exclusivas, não se admitindo outras, porque implicam restrição de direitos fundamentais”. Sendo assim, percebe-se que os fatores que levam à extinção do poder familiar ocasionam uma ruptura automática do vínculo entre pais e filhos.
A morte é um fator natural que faz recair ao genitor sobrevivente o exclusivo direito do exercício do poder-dever sobre os filhos menores. Outra causa é emancipação, concedida pelos pais ao filho maior de 16 anos, para o atingimento prévio da capacidade plena no âmbito civil, já que a maioridade é forma a natural de atingir a “plenitude da capacidade negocial”, como afirma Paulo Lôbo (ob. cit., p. 303).
A adoção é outra forma de extinção do poder familiar, por desconstituir os laços primários da criança. Nesse sentindo, argumenta Lôbo (ob. cit.) que, “a adoção do filho por terceiro leva à sua total extinção em relação aos pais de origem, mas passa a vincular-se ao poder familiar do pai ou pais que o adotaram, enquanto perdurar a menoridade”.
É importante trazer considerações a respeito da constituição de uma nova união estável em face do divórcio, situações em que as relações existentes continuam a existir, de modo a não haver perda do poder-dever diante dos filhos do relacionamento anterior, como nos ensina o Código Civil, no seu artigo 1.636:
O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro.
Parágrafo único. Igual preceito ao estabelecido neste artigo aplica-se ao pai ou à mãe solteiros que casarem ou estabelecerem união estável.
Em relação à perda do poder familiar por decisão judicial, vejamos o que estabelece o artigo 1638 do Código Civil: “Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I-castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente”.
A concepção de castigo imoderado faz referência àqueles que ultrapassam a razoabilidade do emprego do castigo como uma forma de corrigir os erros praticados pelo menor. Assim, quando o castigo causa dor, sofrimento ou coação psíquica de forma intensa, que extrapola os limites normais, é considerado imoderado e pode ocasionar a perda do poder familiar.
A esse respeito, com o advento da Lei nº 13.010/14 (Lei da Palmada) trouxe grande impacto no exercício do poder familiar, no que se refere aos meios e modos utilizados para criação e educação da criança e do adolescente. A mencionada lei impossibilitou qualquer forma de tratamento desumano ou degradante que pudessem resultar em sofrimento físico ou psíquico ao menor.
O abandono por sua vez, causa diversas sequelas ao menor. O Código Penal traz 5 (cinco) tipos de abandono, e a prática de qualquer um deles, além de ser considerada crime, poderá levar à perda do poder familiar, a saber: “ abandono material (art. 244); abandono intelectual (art. 245); abandono moral (art. 247); abandono de incapaz (art. 133); e abandono de recém-nascido (art. 134). Todavia, a perda do poder familiar, nesta situação, “não desobriga os pais de sustentar os filhos, sendo-lhes devidos alimentos ainda que estejam em poder da mãe” (GONÇALVES, 2015, p.426).
Quanto à prática de atos contrária à moral e aos bons costumes, Gonçalves (ob. cit., p. 437) expõe:
O lar é uma escola onde se forma a personalidade dos filhos. Sendo eles facilmente influenciáveis, devem os pais manter uma postura digna e honrada, para que nela se amolde o caráter daqueles. A falta de pudor, a libertinagem, o sexo sem recato podem ter influência maléfica sobre o posicionamento futuro dos descendentes na sociedade, no tocante a tais questões, sendo muitas vezes a causa que leva as filhas menores a se entregarem à prostituição.
A convivência familiar é importante para o desenvolvimento da personalidade da criança e do adolescente, sendo fundamental um lar que preserve os bons costumes e que mantenha uma postura ética, para que sirva de exemplo aos filhos menores.
Finalmente, em se tratando da suspensão do poder familiar, é uma medida facultada ao juiz e que pode ser decreta e revogada a qualquer tempo, desde que seja conveniente, sendo os motivos para sua decretação expressos no artigo 1.637 do Código Civil, a saber:
Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão. [grifos nossos]
A suspensão é a medida menos grave, e que pode ser decretada de forma total ou parcial e por tempo limitado, por discricionariedade do juiz, mas através de pronunciamento devidamente fundamentado.