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A outorga conjugal nos atos de alienação ou oneração de bens imóveis

19/11/2003 às 00:00

Resumo:


  • O Código Civil de 2002 dispensa a outorga conjugal em alienações ou ônus reais sobre imóveis no regime de separação absoluta.

  • No Código Civil de 1916, era necessária a anuência do cônjuge para alienação ou ônus reais sobre imóveis, independentemente do regime de bens.

  • O novo Código Civil estabelece dois tipos de separação de bens: convencional, por pacto antenupcial, e obrigatória, imposta por lei, sendo dispensada a outorga apenas no regime de separação convencional.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Uma das inovações advindas da vigência do Código Civil de 2002 reside na dispensa da outorga conjugal quando da alienação ou constituição de ônus reais sobre imóveis, desde que o regime seja o da separação absoluta (art. 1.647, inciso I). De plano duas indagações surgem para o operador do direito, especialmente da área notarial, quais sejam: - o regime da separação "absoluta" é o convencional, o obrigatório ou ambos? - os casamentos anteriores ao código estarão abrangidos pelo dispositivo tendo em vista o que preceitua o art. 2039, do CCB?

No diploma maior do direito privado de 1916 (art. 235, I) qualquer que fosse o regime de bens entre os cônjuges era mister que na alienação ou oneração de bens imóveis houvesse a anuência do outro. Nesse sentido, embora o outro cônjuge não comparecesse ao ato como vendedor ou outorgante, era necessária a sua comparência para expressar a outorga uxória ou marital, conforme o caso.

Com a vigência do novo Código, a exemplo do anterior, existem dois tipos de separação de bens no casamento, quais sejam: o convencional, como o próprio nome diz, resultante da convenção entre os nubentes, através de pacto antenupcial, regrado pelos artigos 1687 e 1688 do CCB; e o obrigatório, resultante do casamento onde certas circunstâncias previstas em lei impõem que o mesmo seja celebrado exclusivamente com adoção do regime de separação legal obrigatória (art. 1641). Acontece que o artigo 1647 depõe no sentido de que no regime da separação absoluta não é necessário o comparecimento do outro cônjuge nos atos jurídicos delineados em seus incisos.

Segundo Venosa (Direito Civil, vol VI) "... o novo diploma aboliu a restrição quando o regime de bens entre os cônjuges é o da separação absoluta. Quando não se comunicam de forma alguma os bens de cada consorte..." (1). Diante desta assertiva podemos intuir que o regime de separação absoluta a que o artigo se refere é o da separação convencional. Entretanto, dito doutrinador, mais adiante, ao comentar a exceção legal ao princípio de livre escolha do regime patrimonial entre os nubentes, ou seja, o regime da separação legal obrigatória, qualifica-o como "separação absoluta de bens" (2). É notória a confusão doutrinária que se pode estabelecer em relação ao tema. Por isso a decisão de enfrentá-lo.

Para maior esclarecimento da questão entendemos necessária uma reflexão a respeito dos efeitos que cada um dos regimes operava na codificação anterior, bem como o tratamento doutrinário e jurisprudencial que lhes foi emprestado até então, não deixando de lado, por necessário à perfeita aplicação do direito hoje codificado, verificar o que atualmente o Código Civil disciplina.

O artigo 259 do Código Civil de 1916 estabeleceu um "celeuma doutrinário e jurisprudencial" ao prever que embora o regime de bens não fosse o da comunhão universal, no silêncio do contrato (o grifo é nosso) prevalecem os princípios dela quanto aos bens havidos durante o casamento. Com relação ao regime de separação convencional (através de pacto antenupcial = contrato) é pacífica a aplicação do dispositivo quando houvesse omissão no ajuste preliminar no que diz respeito à questão. Quanto ao regime obrigatório a resolução se deu através da súmula 377 do STF que determina a comunicação dos aqüestos no regime da separação legal de bens (obrigatória).

O artigo referido não foi recepcionado pelo Código Civil vigente. Assim, entendemos que o único regime onde não existe possibilidade de comunicarem-se os bens é o da separação expressamente convencionada através de pacto antenupcial, o que nos leva a concluir que o legislador a qualifica como absoluta. No que diz respeito a separação obrigatória (legal) entende-se aplicável, ainda, a súmula referida, havendo assim possibilidade de comunicarem-se os bens adquiridos durante o casamento, motivo pelo qual desqualifica-se a mesma como absoluta. Podemos concluir, então, que em relação ao primeiro problema formulado em nosso estudo, a outorga uxória ou marital somente é dispensada nos casos arrolados nos incisos do artigo 1647 quando o regime de bens for o da separação convencional.

Com mais propriedade ainda podemos ratificar o que acima foi dito baseado no que dispõe o artigo 1687 do Código Civil que possibilita a cada um dos cônjuges alienar ou gravar livremente os bens quando a separação de bens for "estipulada".

Quanto ao segundo enfoque deste ensaio, ao vislumbrarmos o que preceitua o art. 2039, do Código Civil, assombra-nos a seguinte dúvida: a dispensa da outorga somente é aplicável para os casamentos efetuados após a vigência do Código Civil ou também para os anteriores?

Para melhor podermos colocar o problema trazemos a lição histórica contida nos comentários ao Novo Código Civil, entabuladas sob a coordenação do relator final Deputado Ricardo Fiuza, quando expressa: "O Texto original do projeto proposto à Câmara dos Deputados consignava a seguinte redação: "O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil de 1916 é o por ele estabelecido, mas se rege pelas disposições do presente código". Durante a passagem do projeto pelo Senado Federal emenda do Senador Josaphat Marinho deu ao dispositivo a redação atual. Segundo o Senador "houve necessidade de se promover a modificação porque se, como dito na parte inicial do dispositivo, ‘o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil de 1916 é o por este estabelecido’, não se regerá pelo novo. Dúvida que porventura surja, será apreciada em cada caso". (3)

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Para possibilitar a interpretação que nos parece mais adequada neste momento nada melhor do que a palavra do legislador. Ora, se o legislador suprimiu a expressão "mas rege pelas disposições do presente código" foi exatamente para extirpar qualquer tipo de dúvida: fez permanecer tão somente o mandamento segundo o qual o regime é o estabelecido pelo Código de 1916, devendo aplicar-se as disposições do mesmo aos casamentos celebrados na sua vigência.

Reforça esta tese a doutrina contida na obra em comento, assinada por Maria Helena Diniz, quando expressa: "Regime de bens de casamento celebrado sob a égide do Código Civil de 1916: As relações econômicas entre os cônjuges regem-se pelas normas vigentes por ocasião das nupcias. Se assim é, o Código Civil de 1916, art. 256 a 314, por força da CF/88, art. 5°, XXXVI, e da LICC, art. 6°, irradiará seus efeitos, aplicando-se ao regime matrimonial de bens dos casamentos celebrados durante sua vigência, inclusive na vacatio legis, respeitanto, dessa forma, as situações jurídicas definitivamente constituídas". (4)

Nesse sentido, se o cônjuge ao casar-se sob o regime da separação de bens, na vigência do Código anterior, esperava que os efeitos se produzissem conforme a Lei, ou mais especificamente, que no caso de venda ou oneração de imóveis por seu consorte seria indispensável sua presença no ato jurídico para expressar a sua anuência, estes efeitos devem permanecer mesmo com a vigência de um novo ordenamento.

Reforça a posição acima a anotação feito por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, em seu Novo Código Civil e legislação extravagante anotados, quando depõem: "O sistema do novo Código, quanto ao regime de bens, principia por fixar regra absolutamente distinta da que existe para os casamentos celebrados sob a vigência do CC/1916. Para os casamentos celebrados antes da vigência do novo Código prevalece a regra do CC/1916". (5)

Neste momento não encontramos vozes discordantes na doutrina em relação ao tema proposto o que, sem sobra de dúvidas deverá ocorrer pois, como bem disso o Senador que alterou o dispositivo: "Dúvida que porventura surja, será apreciada em cada caso". Como os notários e aplicadores do direito em geral devem zelar pela validade dos negócios jurídicos em que intervém como agentes da paz social e no sentido da purificação dos mesmos, qualificando-os como "biologicamente normais", entendemos que deverá ser solicitada a anuência do outro cônjuge nos casos previstos nos incisos do artigo 235 do Código Civil de 1916, notadamente nas alienações e onerações de bens imóveis, em respeito ao que estabelece o artigo 2039 do Código Civil de 2002, aplicando-se o artigo 1647 somente para os casamentos celebrados pelo regime da separação convencional de bens, na vigência do Código de 2002.


Notas

1. Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família – 3ª Ed. – São Paulo: Atlas, v. 1., p. 1251.

2. Ibid. p. 174

(3) Novo Código Civil Comentado/ Coordenador: Ricardo Fiuza. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 1858

(4) Ibid., p. 1838

(5) Nery Junior, Nelson. Novo Código Civil e legislação extravagante anotados: atualizado até 15.03.2002/ Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 657

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Sobre o autor
Ricardo Guimarães Kollet

tabelião e registrador civil em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KOLLET, Ricardo Guimarães. A outorga conjugal nos atos de alienação ou oneração de bens imóveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 136, 19 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4502. Acesso em: 10 jan. 2025.

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