I – A QUESTÃO DO DANO MORAL
Já escrevi sobre o tema em site jurídico e ali disse:
Louve-me da lição de Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil, 9ª edição revista e ampliada, São Paulo, Atlas, pág. 82) para quem se pode conceituar o dano moral por dois aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é a violação do direito à dignidade. Por essa razão, por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu artigo 5º, V e X, a plena reparação do dano moral.
Sendo assim qualquer agressão à dignidade pessoal que lesiona à honra, constitui dano moral e é indenizável. ¨
É a linha do pensamento trazido pelo Ministro Cézar Peluso, no julgamento do RE 447.584/RJ, DJ de 16 de março de 2007, onde se acolhe a proteção do dano moral como verdadeira tutela constitucional da dignidade da pessoa humana, considerando-a como um autêntico direito à integridade ou incolumidade moral, pertencente à classe dos direitos absolutos.
Necessário a prova do dano moral.
Ainda é Sérgio Cavaliere Filho(obra citada, folhas 90) quem diz:
¨Neste ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente deo próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum.¨
Assim o dano moral decorre da gravidade do próprio fato ofensivo, de sorte que provado o fato, provado está o dano moral.
Mas em havendo responsabilidade civil do Estado será necessário provar que o comportamento omissivo decorreu de culpa ou dolo.
Bem disse Celso Antônio Bandeira de Mello(Curso de Direito Administrativo, 17ª edição, São Paulo, Malheiros, pág. 895) que quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado(o serviço não funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva.
Só faz sentido responsabilizá-lo se não cumpriu o dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.
Necessário provar que o Estado agiu por negligência, imprudência ou imperícia(culpa) ou então agiu com o deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação(dolo).
Bem ainda sintetiza Celso Antônio Bandeira de Mello(obra citada, pág. 897):
¨se o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu ou o fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por esta incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado quando, de direito, devia sê-lo. Também não o socorre eventualmente incúria em ajustar-se aos padrões devidos.¨
De outra parte há a responsabilidade objetiva, que se aplica aos chamados atos comissivos do Estado, que é a responsabilidade advinda da prática de um ilícito ou de uma violação ao direito de outrem que, para ser provada e questionada em juízo, independe da aferição de culpa, ou de gradação de envolvimento, do agente causador do dano. Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente.
A teoria do risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele."
O dano moral decorre da gravidade do próprio fato ofensivo, de sorte que provado o fato, provado está o dano moral.
Recentemente essas observações foram objeto de aplicação em caso prático.
Tratava-se de um eminente professor que foi acusado, indevidamente, por órgão do Estado de conduta indevida.
A Justiça Federal condenou o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), órgão que cuida da regulação dos fósseis no Brasil, a pagar uma indenização por danos morais de R$ 150 mil ao paleontólogo Alexander Kellner, pesquisador do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Um dos nomes mais conhecidos no estudo da pré-história no país, o cientista resolveu processar a autarquia, que é vinculada ao Ministério de Minas e Energia, após ser inocentado da acusação de tráfico internacional de fósseis, que o levou à cadeia em 2012.
“Não há dinheiro que pague todo o constrangimento, a vergonha e o prejuízo profissional que eu sofri”, resume Kellner. O cientista francês Romain Amiot, que acompanhava Kellner e foi preso sob a mesma acusação, move uma ação semelhante contra o DNPM.
Eles foram detidos quando se preparavam para embarcar no aeroporto regional do Cariri, em Juazeiro do Norte (Ceará), após uma temporada de escavação e recolhimento de fósseis, que seriam levados para a UFRJ. A Polícia Federal afirmou ter recebido uma denúncia anônima de que os fósseis brasileiros seriam vendidos no exterior, o que é considerado crime.
Kellner e Amiot foram presos em flagrante e liberados, no dia seguinte, após o pagamento de fiança. O total de 20 salários mínimos foi obtido com uma “vaquinha”.
Após a prisão, Kellner questionou publicamente a ação do DNPM, que teria passado informações deliberadamente equivocadas à PF.
No documento que decidiu pelo arquivamento do processo contra os pesquisadores constava que “a imperícia do chefe do escritório do DNPM [José Artur de Andrade] foi determinante para a prisão dos dois pesquisadores. (…) Mesmo não tendo competência para fiscalizar a pesquisa dos professores, foi contundente em afirmar (…) que estavam em atividade irregular”.
Kellner é uma autoridade em pterossauros e um dos maiores paleontólogos do país.
II – A QUESTÃO DA AÇÃO REGRESSIVA
Poderá ser aplicado o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
O art. 37, §6º da Constituição da República trata da responsabilidade civil da Administração pública, nos seguintes termos:
§ 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
No entendimento de Celso Ribeiro Bastos(Comentários à Constituição do Brasil, terceiro volume, tomo III, pág. 185) “embora a letra do art. 37, parágrafo sexto, in fine, não tenha favorecido, tecnicamente, o melhor entendimento que há sobre a obrigação de ser ajuizada ação regressiva contra o causador do dano imputável ao Estado, nos casos de dolo ou culpa deste, certo é que a principiologia que domina o sistema constitucional positivado não permite outra interpretação que não aquela que a fixa como dever estatal inafastável.”
Esse o entendimento que se deve ter à luz de uma intepretação teleológica, finalística.
Daí porque se deve entender que as pessoas jurídicas de direito público e as direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que causarem os seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiro, sendo obrigatória a regressão, no prazo estabelecido em lei, nos casos de dolo ou culpa.
Em seu entendimento, Celso Ribeiro Bastos (obra citada, pág. 187) considerava que “não pode, por igual, haver a denunciação da lide, já que isso se traduziria em compelir o agente a participar da própria ação de indenização”. Nessa linha de entendimento tem-se que da leitura da Constituição tem-se por sujeito passivo as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços públicos. No entanto, se o servidor desejar ingressar no feito, na qualidade de assistente, pois que ele teria interesse legítimo de que a ação fosse julgada em seu pedido improcedente.
Sobre a matéria bem disse Daniel Baggio Maciel (Ação de regresso do Estado):
“Questão tormentosa nos tribunais é a possibilidade ou não de o Estado denunciar à lide o agente causador do dano, quando for chamado a reparar um dano sofrido pelo particular. Neste campo os posicionamentos se dividem porque há entendimento de que a denunciação da lide afigura-se obrigatória, sob pena de o Estado perder o direito de regresso contra o seu funcionário, como, ademais, determina o artigo 70, inciso III, do Código de Processo Civil (RT 690, p. 100). Há, de outra banda, posicionamento no sentido de que a admissão da denunciação à lide nestes casos implica introduzir novo fundamento na demanda e na modificação da sua “causa petendi”, isto é, a discussão em torno da culpa do agente causador do dano, o que não se pode conceber na processualística. Nesse sentido o acórdão relatado pela Juíza Valéria Maron, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferido na apelação cível 7.387 (j. 16.10.96): “RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – Ação pleiteada pela viúva de deputado falecido em acidente de trânsito. Demandada a administração pública por responsabilidade objetiva, descabe a denunciação da lide ao servidor, porque implica na introdução de fundamento novo (dolo ou culpa), estranho à “causa pretendi” da ação principal. O trabalho do parlamentar não se resume àquele realizado em seu gabinete ou no plenário. Inexistência de prova de culpa da vítima. A pensão mensal há de ser fixada levando em consideração os ganhos do “de cujus” por ocasião de sua morte. Segundo a jurisprudência dominante, o montante do dano moral deve ser fixado em 100 salário mínimos.” No Superior Tribunal de Justiça há entendimento mais flexível no tocante à introdução de fundamento novo na lide, concluindo, porém, pela facultatividade da denunciação, a critério do juiz segundo as circunstâncias do caso: “RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – Administrativo – Denunciação da lide – Direito de regresso – Agente do Estado – Inexistência de obrigatoriedade – Culpa objetiva e subjetiva – Adição de fundamento novo – Precedentes do STJ – CPC, artigo 70, III – CF/88, artigo 37, parágrafo sexto. A denunciação da lide ao agente do Estado em ação fundada na responsabilidade prevista no artigo 37, parágrafo sexto, da CF/88 não é obrigatória, vez que a primeira relação jurídica funda-se na culpa objetiva e a segunda na culpa subjetiva, fundamento novo não constante da lide originária” (STJ – EDiv. em Resp. nº 313.886 – RN – 1ª Seção – Rel. Ministra Eliana Calmon, J. 26.02.2004, DJ 15.03.2004). Porém, há ainda forte corrente doutrinária e jurisprudencial que interpreta restritivamente a mencionada norma que trata da denunciação à lide daquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar em ação regressiva o prejuízo do que perder a demanda. Nessa linha, conforme enfatiza Carlos Roberto Gonçalves (Responsabilidade Civil, Saraiva, 1.994, p. 153), o artigo 70, inciso III, do Código de Processo Civil, apenas cria a obrigatoriedade da denunciação“quando, resolvida a lide principal, torna-se automática a responsabilidade do denunciado, independentemente de discussão de culpa ou dolo (casos das seguradoras), isto é, sem a introdução de um fato ou elemento novo”. Em outros termos, quando a responsabilidade do terceiro não depender de sentença em processo de conhecimento, o réu deve valer-se do mecanismo da denunciação à lide, sob pena de perder o direito de acioná-lo em ação autônoma. No caso da ação de indenização promovida pelo particular contra o Estado, importa assinalar que o agente causador do dano somente terá responsabilidade se provada culpa ou dolo de sua parte em processo de cognição exauriente. Não sendo automático o ônus ressarcitório, a denunciação à lide do agente público deixa de ser obrigatória e passa a depender, pensamos, das circunstâncias de cada caso, mais propriamente da postura processual que o Poder Público adotar ao defender-se da pretensão indenitária.”
No julgamento do RE 327.904/SP, tem-se:
Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
No Recurso Especial 23.453/SP, Relator Ministro Demócrito Reinaldo, DJ de 28 de novembro de 1994, conclui-se que acionado o Estado, para indenizar dano causado por funcionário dos seus quadros, estará ele obrigado a responder, via ação regressiva, pelo prejuízo provocado, se configurado dolo ou culpa, a teor do artigo 37, parágrafo sexto da Constituição Federal. Sendo assim, é admissível a denunciação da lide, hipótese prevista no artigo 70, III, do CPC, quando o litisdenunciado estiver obrigado, por lei ou contrato, a indenizar o litisdenunciante, em ação regressiva.
Tem-se, pois, que a matéria é realmente palpitante e poderá ser objeto de discussão da hipótese na via judiciária.