I – A Caixa, de sua criação aos dias atuais.
Nestas breves linhas, tentarei traçar sugestões programáticas que socorreriam os vícios dos quais padece nossa Caixa Federal. Nosso objetivo não é a perfeição técnica das propostas, mesmo porque multidisciplinares, pensadas por profissional nem tanto. Nossa intenção é fomentar o debate, para que a sociedade, no atual momento de mudanças que passa o país, trate de nossa maior instituição como uma pedra preciosa a ser lapidada.
Fundada em 1861, no Rio de Janeiro, pelo Imperador Dom Pedro II, a Caixa tinha como missão nevrálgica conceder empréstimos e incentivar a poupança popular. A instituição atraiu príncipes, barões e escravos que, ávidos por comprarem suas cartas de alforria, nela depositavam seus recursos. Muito dela se assemelhava aos Montes de Socorro que se multiplicavam na Europa. Consta que até Machado de Assis tornou-se cliente da Caixa. Em 1876, depositava ali três contos de réis, importância que viria a ser, mais tarde, por ele legada em testamento a seus herdeiros. O escritor contava, então, 35 anos de idade.
Mais antiga do que se poderia imaginar é a política de financiamento da casa própria. Datam de 1885 os documentos em que o Visconde de Ouro Preto propunha ao Parlamento que a Caixa Econômica concedesse financiamentos habitacionais.
Dividida em Caixas Federais e operando autonomamente nos Estados, a CEF foi utilizada das mais diversas formas pelos sucessivos governos em programas de caráter social ou voltados para o interesse da população. Até 1969 a Caixa operava autonomamente nos diversos Estados da República, quando, naquele ano, todas as Caixas fundiram-se numa única empresa pública federal. [1]
Sendo a maior parceira do governo federal na implementação de políticas sociais, a Caixa, pouco a pouco, passou a ter suas principais características profundamente alteradas, na medida em que geria, mais e mais, dia a dia, responsabilidades que fugiam à unicidade de seus objetivos.
Além de suas pretensões primárias, incluiu-se em seu rol de competência o FIES (antigo Crédito Educacional), a administração das loterias legais do país, a gestão centralizada do FGTS, o pagamento de benefícios sociais como o Bolsa-Escola, dos valores do PIS e do Seguro desemprego. A Caixa ainda absorveu o antigo BNH e a par disso é, atualmente, a maior operadora do Sistema Financeiro da Habitação no país.
Ante tamanho alargamento de competências, a crise de identidade não demorou a vir, tornando-se evidente a partir de 1994. O acordo da Basiléia, em resposta ao caso Bahrings, incluiu na ordem do dia a reestruturação do sistema financeiro internacional, através de práticas internas de contenção de riscos. A regulação bancária deixou de ser estritamente jurídico-contábil, introduzindo critérios de racionalidade econômica.
O Índice de Basiléia, ou seja, a proporção entre o capital das instituições financeiras e o valor de seus ativos ponderados pelos correspondentes riscos, tornou forçosa a postura rígida dos organismos internacionais no controle da atividade bancária mundial, regulamentada e fiscalizada internamente pelos Bancos Centrais. No Brasil não foi diferente. A remodelação do SFN, após a Basiléia, foi evidente e teve como reflexo mais evidente a criação e atuação do PROER.
Para a Caixa, os resultados foram virulentos. A assunção de créditos de baixa qualidade como aqueles oriundos dos Bancos Meridional e Bamerindus tornaram a instituição demasiadamente pesada, com a carteira inflada de riscos e baixa capacidade de recuperação dos créditos. A reengenharia da instituição para adequação à Basiléia levou à criação da EMGEA, Empresa Gestora de Ativos, de capital exclusivamente público, que, cessionária dos créditos viciados da CAIXA, assumiu a dolorosa tarefa de gerenciamento daqueles.
Note-se que esta última, uma vez que não possui natureza jurídica de instituição financeira, não se submete ao acordo e, a par disso, gere e assume créditos de baixa qualidade de forma independente. Na época de sua criação, foi "carinhosamente" apelidada de "Podrebrás".
A Caixa, livre do peso que arrastava havia alguns anos, pôde finalmente trabalhar azeitada, produzindo, já em 2002, lucros compatíveis com os obtidos por outras instituições de porte semelhante. Ao mesmo tempo, tornou-se "top" nacional no gerenciamento de riscos, em esforço que merece de todos aplauso.
De outro giro, a dicotomia cristalizou-se. A Caixa "banco", enquadrada nos índices da Basiléia, eficiente, com liquidez em alta e controlando de maneira responsável os riscos creditícios passa a contrastar com a Caixa "social", que limitada à natureza jurídica de instituição financeira, não consegue, de modo pleno, mitigar as desigualdades, fomentar o pequeno crédito e realçar a poupança popular sem arranhar, senão inviabilizar, a Caixa "banco". São duas Caixas dentro de uma só instituição.
Compatibilizar as versões é um desafio para o qual o novo governo ainda não se atentou, mas se efetivada com sucesso, será um dos mais importantes legados que um governo pode conceder ao povo brasileiro.
II – Pontos que merecem debate – Habitação e Microcrédito
Com os atuais contornos do sistema financeiro internacional, fica bem claro que sem orçamento público não se faz política social. Todavia, a Caixa, maior operadora do SFH, opera o crédito habitacional no Brasil desde a extinção do BNH. Trata-se de evidente equívoco. Política habitacional de massa, visando a mitigação do déficit habitacional, não se faz em instituição financeira. O SFH deve sofrer, de modo efetivo, intervenção e mutação por parte da União, sendo administrado por entidade alheia ao SFN, não submetida ao regime helvético. O patrimônio lastreador seria tríplice, baseado no FGTS, em recursos do OGU e, finalmente, fundo próprio, soerguido em regime de municipalização.
Por sua vez, a concessão do pequeno crédito, alicerce de pretendido crescimento econômico, também não pode ser promovido e mantido como está. A Caixa "banco", nada obstante o início do trabalho com o microcrédito, trata-o de maneira preocupada, mas não relevante. Não há crédito suficiente e os bancos públicos, notadamente a própria Caixa e o BB, pouco contribuem para o fomento da pequena economia. Muito pelo contrário, foram os grandes compradores de títulos do governo nos anos passados.
O pequeno crédito não é tarefa para instituição financeira padrão, uma vez que se diferencia dos demais tipos de empréstimo essencialmente pela metodologia utilizada, bastante diferente daquela adotada para as operações de crédito tradicionais. É tarefa para a nova Caixa que há de nascer. A verdade é que o poder público pode participar indiretamente, fomentando entidades especializadas, ou diretamente, por intermédio de banco público com carteira especializada, como é o caso do programa Crediamigo, do Banco do Nordeste.
Nessa atuação indireta, como "banco de segunda linha", merecem destaque os programas de Crédito Produtivo Popular e de Desenvolvimento Institucional do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que têm por objetivo desenvolver e fortalecer a indústria das microfinanças no Brasil, com vistas a formar um mercado que oferte, de forma sustentável, serviços financeiros aos microempreendedores, formais ou informais, e a segmentos da população desprovidos de acesso a tais serviços. [2]
Ante as idéias trazidas, fica o debate para os leitores. As medidas para o renascimento da Caixa passam pela criação de um novo modelo para o SFH, excluindo-o, ao menos diretamente, do SFN, mas mantendo-o vinculado aos recursos do FGTS e SBPE. Passam ainda pela atuação intensa na concessão do microcrédito, com a presença e atuação direta da União. Finalmente passa pelo resgate dos valores que sempre permearam os corações economiários, compartilhados, até pouco tempo, pelo povo brasileiro. Em uníssono, pela Caixa e pelo Brasil.
Notas
01. Dados públicos obtidos junto à Caixa Econômica Federal.
02. Brasil. Banco Central do Brasil. Democratização do crédito no Brasil - Principais Desafios - atuação do Banco Central. Extraído de http://www.bacen.gov.br/mpag.asp?perfil=1&cod=1380&codp=1379&idioma=p em 13 de maio de 2003.