Juizados especiais cíveis e a efetividade da jurisdição

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O presente texto, fruto de pesquisa quantitativa, analisa a efetividade dos Juizados Especiais Cíveis (JEC) no município de Cachoeiro de Itapemirim/ES enquanto instrumento de acesso à Justiça.

INTRODUÇÃO

O presente texto analisa a efetividade dos Juizados Especiais Cíveis (JEC) no município de Cachoeiro de Itapemirim/ES enquanto instrumento de acesso à Justiça. Necessário informar primeiro ao leitor tratar-se este de direito fundamental assegurado pela Constituição brasileira de 1988. O estudo é fruto de pesquisa quantitativa em ambiente acadêmico, e, mesmo fora do campus, tenciona-se, pois, evidenciar o desconhecimento, por público diversificado, da prestação jurisdicional fornecida pelos Juizados, incluídas pessoas das mais diferentes origens e com os mais variados graus de formação cultural.

Com base na relevância dos dados coletados espera-se que a iniciativa venha a contribuir de alguma forma para que o poder judiciário (a princípio, em âmbito local, mas quiçá por inspiração nas esferas estadual e/ou federal) possa refletir de modo construtivo sobre o ainda limitado alcance efetivo dos Juizados Especiais, buscando meios oportunos para informar a sociedade e reverter tal quadro.


MATERIAL E MÉTODOS

A metodologia adotada nesta produção científica intermediária obedece a alguns passos distintos: além do necessário levantamento bibliográfico, leitura e anotações preliminares, bem como discussão de ideias, e sistematização dessas na forma de textos, buscou-se ainda fundamentá-la em cuidadosa pesquisa de campo. Trata-se de investigação criteriosa do tema proposto, caracterizada por exame essencialmente quantitativo realizado no âmbito do município de Cachoeiro de Itapemirim e, em particular, no campus do Centro Universitário São Camilo Espírito Santo. Destarte, durante uma semana, foram entrevistados acadêmicos dos mais distintos cursos e níveis de graduação, excetuando-se apenas os de Direito, em razão da natureza da pesquisa. Ouviu-se, ainda, em momento posterior, público externo ao do ambiente acadêmico, com realização de entrevistas na Praça Jerônimo Monteiro, em pleno centro da cidade.


DESENVOLVIMENTO           

 Se há uma questão recorrente entre acadêmicos e estudiosos do Direito brasileiro, é a efetividade da jurisdição. Para compreender seu significado é necessário submetê-la, primeiramente, ao escrutínio semântico. Jurisdição, segundo o Dicionário Houaiss, é “poder de um Estado, decorrente de sua soberania, para editar leis e ministrar a justiça”. Em outras palavras, trata-se da capacidade que o Estado detém para aplicar o direito a um determinado caso concreto, com o objetivo de solucionar conflitos de interesse e, com isso, resguardar a ordem jurídica e a autoridade da lei. Reale, por exemplo, afirma que jurisdição, como fonte do direito, corresponde ao Poder Judiciário (2001, p.131). “A jurisdição, que é o ato através do qual o Poder Judiciário se pronuncia sobre o objeto de uma demanda, é indiscutivelmente um serviço público” (REALE, 2001, p.325).

A temática, por óbvio, torna-se ainda mais pertinente se considerada sob a perspectiva dos Juizados Especiais, órgãos do poder judiciário brasileiro, criados pela Constituição Federal de 1988, concebidos sob a inspiração dos antigos Juizados Especiais de Pequenas Causas e norteados pela premissa de democratizar o acesso à Justiça. Esta tendência democratizante encontra-se presente, por assim dizer, no segundo artigo das Disposições Gerais da Lei 9.099/95, norma que veio regulamentar o texto constitucional. Diz o citado artigo que: “O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando sempre que possível, a conciliação ou a transação” (BRASIL, 1995).

Passados, no entanto, 20 anos da aprovação da lei, um problema não imaginado tem se imposto como obstáculo à realização dos princípios norteadores dos Juizados Especiais. Por ignorância e/ou ausência de campanhas regulares que informem o cidadão, é relativamente restrito o universo de pessoas que sabem, de fato, o que são os JECs. Menor ainda é o contingente dos que conhecem seus mecanismos ou como dar entrada em uma ação sem o uso, por exemplo, dos serviços advocatícios. Sem a pretensão de esgotar o assunto, mas, antes, de fomentar o debate, imperioso se faz aprofundar-se na análise de dados que ajudam a endossar o ponto de vista exposto. Tome-se, contudo, como necessário ponto de partida a sucinta compreensão sobre os Juizados.

Os JECs foram instituídos com o objetivo principal de promover a conciliação, o julgamento e a execução das causas consideradas de menor complexidade pela legislação em razão da prova necessária. Sob sua competência encontram-se processos cujos valores em discussão não excedam quarenta salários-mínimos. A garantia constitucional à celeridade processual, por exemplo, citada anteriormente e prevista de modo expresso no art. 5°, LXXVIII da Constituição Federal, reforça a importância dos JECs para o Direito brasileiro. É possível mesmo dizer que os princípios que regem os Juizados Especiais buscam desafogar a justiça comum e reduzir as demandas.  Claro que tal objetivo, por mais nobre e desejável, só pode ser alcançado considerando-se o conhecimento efetivo dos Juizados pela totalidade ou parcela crescente da população brasileira. Evidente, contudo, como demonstra pesquisa apresentada junto ao presente trabalho, que atualmente não é isso que se verifica. Muito pelo contrário.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como ilustrado pelo gráfico abaixo, no universo de 313 pessoas entrevistadas pela pesquisa, apenas 70 informaram conhecer os JECs. Outras 72 confirmaram já ter ouvido falar, mas a maioria, 171, sequer sabia o que eram. 

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Gráfico 1: Você sabe para que serve o Juizado Especial Cível?

Fonte: Os autores, 2015.

Outro dado que chama a atenção na pesquisa refere-se ao conhecimento sobre quem, de fato, pode utilizar os serviços oferecidos por meio dos Juizados Especiais Cíveis. Sobre essa questão em particular os números são ainda mais surpreendentes. Considerada a totalidade de entrevistados, 79,87% (250 pessoas) informaram desconhecer totalmente o público atendido pelos JEC. Apenas 63, ou 20,13%, afirmaram ter ciência.

Gráfico 2: Você sabe quais pessoas podem utilizar os serviços oferecidos pelo JEC?

Fonte: Os autores, 2015.

Por fim, e não menos importante, dos 313 entrevistados, a esmagadora maioria, 255 pessoas ou 81,46%, admitiu não saber como dar entrada em uma ação no Juizado Especial ou quais os documentos necessários para fazê-lo. Somente 40 pessoas, ou 12,77%, confirmaram conhecer os trâmites, enquanto outros 18, ou 5,75%, informaram já ter ouvido falar.

Gráfico 3: Você sabe como dar entrada em uma ação no JEC e quais os documentos necessários?

Fonte: Os autores, 2015.

Com base nos dados informados, o primeiro problema a ser destacado diz respeito ao considerável número de pessoas que confirmam desconhecer a existência dos JEC. Passadas quase duas décadas da promulgação da norma jurídica que regulamentou a criação dos Juizados Especiais na estrutura do Poder Judiciário parece estranho haver percentual tão significativo de pessoas que sequer tenham ouvido falar dos Juizados.

Outro ponto digno de atenção é a substancial inversão existente em relação ao público que afirma conhecer os JEC e o que, concretamente, sabe dizer quem de fato pode utilizar os serviços oferecidos. Não parece racional, tampouco lógico, que, ao afirmar conhecer os Juizados Especiais Cíveis, o indivíduo não saiba quais são as pessoas assistidas pelos mesmos. É mais fácil deduzir, portanto, que o número dos que desconhecem, de fato, os Juizados seja maior - o que, sem dúvida, acentua o mérito do presente levantamento.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerado o público entrevistado e a relevância do tema, ao final da pesquisa e estudo relacionados para a feitura deste resumo expandido, pode-se deduzir que, mesmo sendo realmente mais descomplicada e célere, a prestação jurisdicional oferecida pelos Juizados Especiais ainda alcança um público menor do que poderia. Inegável, a bem da verdade, que, por meio dos JECs, muito já tenha sido feito para ampliar o acesso do cidadão à justiça. Falta aprimorar, contudo, os meios de informação que permitam que mais pessoas utilizem-se dos Juizados para pacificar demandas.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 07 jun. 2015.

__________. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em 07 jun. 2015.

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2009.

MONTEIRO, Rita Borges Leão. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 2 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2010.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

SANTOS, Marisa Ferreira dos; CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados especiais cíveis e criminais: federais e estaduais. 9 ed. V. 15, tomo II. São Paulo: Saraiva, 2011.


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Sobre os autores
Wellington Cacemiro

Advogado, jornalista e pesquisador jurídico com publicações em revistas nacionais e internacionais. Graduado em Direito pela faculdade Multivix Cachoeiro Ensino, Pesquisa e Extensão Ltda., pós-graduado em Direito Processual Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec-SP, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela mesma instituição e pós-graduando em Direito Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec-SP.

Andréa Cristiane Reis Tussini

Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário são Camilo-ES, [email protected];

Polyana Trentini Pena

Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário são Camilo-ES, [email protected];

Sara Simonato Tosato

Professor orientador: Mestre em Direito Privado pela Faculdade FDC de Campos/RJ, Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected]

Philipe de Almeida Fonseca

Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário são Camilo-ES, [email protected];

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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