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O que fazer com presos perigosos?

O que seriam as penitenciárias federais?

25/11/2003 às 00:00
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"O Regimen penitenciário exige, igualmente, reforma imediata por antiquado e "extremamente deficiente". Sob a influência dos modernos princípios de penalogia, a penitenciária das Neves marca o início dessa reforma; deverá ser ella uma escola de reeducação do delinqüente, ao qual facilitará, pelo trabalho a volta aos quadros sociais de onde sua temibilidade o banira..." Parece recente essa promessa ? Pois não é. Trata-se de discurso do então secretario de Estado de Minas Gerais, José Maria Alkimim, proferido em 20-09-1936 na inauguração do Presídio das Neves em Minas. Para não recuarmos muito na historia do país, fiquemos com esse marco. È, pois, já antiga a nossa proverbial solução meramente retórica.

O que são essas figuras conceituais recentes: preso federal, prisões federais E o que fazer com presos lideres do crime organizado? São as questões emergenciais submetidos ao crivo da opinião publica e de nossos já bem conhecidos maquiadores de plantão. O saudosíssimo mestre tributarista Geraldo Ataliba dizia que nosso Código Tributário teria sido elaborado por estafetas do palácio... O nosso Código de Trânsito já se disse tem por pai um jornalista bem conhecido. Tivemos lei subjetivamente genérica e abstrata, como de bom alvitre, porém feita para um caso homem especifico (a Lei Fleury). Já tivemos Código (o de Menores de 1927) aprovado no "rabicho da lei orçamentária" (como dizia Rui).

Agora queremos resolver um problema estrutural mais de natureza social que penal e menos penitenciário, com gastos urgentes com construção de presídios assunção de conceitos (quase folclóricos: todos conhecem mais ninguém sabe que m criou) de preso e presidio federais. Crise essa já há anos prevista e denunciada pelo menos desde 1979 (vide 1º Encontro Nacional sobre Violência e criminalidade, reunindo secretários de segurança/justiça, cientista e juristas no MJ). Prisões federais seriam, assim, estabelecimentos prisionais administrados e mantidos pelo governo da União. Definir aqui menos complicado que localizar territorialmente essas edificações prisionais: em que terras nacionais seriam elas fixadas ?? Ora, se a tênue linha divisória que delimita a competência jurisdicional estadual e federal ainda é objeto de diversos embates e muitas duvidas, especialmente em situações cuja competência legislativa seja concorrente ou a competência comum dos entes federativos. Teremos, com tais presídios federais, então outra fonte de conflito entre Estados e União ? Não sabemos ainda bem o que são muitos dos crimes federais e já teremos prisões federais. Em definição sucinta, o Ministro NELSON JOBIM tenta distinguir o federal do estadual: "o que visava e visa a Constituição é assegurar o conhecimento à Justiça Federal do que esteja sob a égide da União". E temos tantos criminoso federais para justificar esses presídios federais. Não seria mais razoável e mais federativo, uma administração compartilhada, uma política de convênios para adequar os presídios e suas gerências às atuais necessidades.

Resgate-se, por oportuno, o conceito de penitenciária [penitência+ária], tão questionada, atualmente, em nosso regime prisional, certamente teve sua origem no Direito Canônico, que a adotou com a idéia da punição como penitência. A idéia era a de levar o apenado ao arrependimento pelo mal causado, com base em conceitos teológicos e morais, em voga na época. O objetivo da prisão (assim como o objetivo principal da pena, segundo o pensamento jurídico mais moderno), de um modo ou de outro sempre esteve associado a fins didáticos, ou seja, a reeducação do prisioneiro. Hoje, no entanto, temos que não se admite pena que não traga uma forte dose de utilidade social; a pena meramente vindita (pessoal ou social) é finda. Com efeito, a pena continua sendo "sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração penal, como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos", como leciona Damásio de Jesus. Todavia a pena há de trazer forte ou predominante teor de utilidade social que deve estar fundada nos três princípios da superação humana: estudo, trabalho e disciplina. Essa preocupação se existe em relação a todas as penas, com muito mais razão na hipótese de prisão, por motivos já óbvios. Dai porque as penas alternativas são bem-vindas, pois não há sentido didático em aprisionar pessoas que conquanto tenham cometido algum delito, não oferecem perigo real à sociedade.

A prisão, no entanto, não deve ser mais vista como único instrumento sancionatório, mas como o último. È preciso coragem para assumir isso, posto que todos esperam mais cadeias, mais longas penas, para maior quantidade de apenados. Condenado que não vai para a cadeia parece, entre nós, absolvido, perdoado, premiado. Aqui ocorre o fenômeno análogo ao da síndrome do vice-campeão de futebol no Brasil: não tem valor algum. Hoje, contudo, é senso comum a afirmativa de que a prisão não cumpre mais suas finalidades e diria eu até porque o contexto histórico atual é bem outro: o freio mítico já é controlador do homem. Não se trata apenas da constatação de que o cárcere constitui um local da mais alta degradação humana e sob o palio do Estado. Em algumas regiões do Brasil, os índices da reincidência ultrapassam 80% e mesmo sabendo-se que há outros fatores determinantes nessa reincidência não se pode olvidar que a questão carcerária é decisiva nesse crise. Pior, no entanto, é a enorme possibilidade de que esse criminoso, já tratado pelo Estado, venha a cometer crime ainda mais violento do que aquele que o levou pela vez primeira ao sistema prisional. A prisão tem custos inversamente injustos para a sociedade que a mantém Quanto o prisioneiro Beira-mar já consumiu do Estado e da sociedade que mantém ambos ? Ademais, outro subproduto da solução prisional: as fugas e rebeliões que em todo o País tornaram-se uma perigosa epidemia.

Outro lado, precisamos de logo, dirimir se queremos ou devemos a pena como vingança ou como meio de recuperação. Há mentes aferradas ao modelo radical do talião, sem perceber que outro é nosso contexto moral e civilizatório. Tal radicalismo procede quase sempre das deformações humanísticas e das agruras da atividade policial, ou de quadro de trauma vitimológico. Ora, a pregação de que a guerra não se justifica, não pode ser bem vista pelo profissional da guerra. Assim, agravando as penas, retirando a esperança de progressão dos presos e aumentando seu tempo de contato com a instituição total do presídio, a lei dificulta uma melhor readaptação do preso, que cedo ou tarde "in casu" será devolvido à sociedade, e agora, com chances menores de readaptação. Sobre seu aspecto de instituição total, "transformadora de indivíduos", podemos lembrar o ensinamento de Foucault no sentido de que a obviedade da prisão se fundamenta também em seu papel, suposto ou exigido, de aparelho de transformar os indivíduos. A "recuperação" do preso passa pela manutenção de sua referência com o mundo exterior, tais como, a família, o meio de trabalho, o bairro onde reside, quanto mais esses referência forem afastados (e o são), mas difícil será sua readaptação posterior à sociedade. A possibilidade de recuperação do preso (numa dada media geral) só existe na razão inversa da perda da esperança pessoal. Há de se infundir e manter a esperança no espirito do preso era assim que penitencia carcerária funcionava e bem sob os auspícios dos padres. Células de isolamento penitencial: induzia-se e acompanhava-se a reflexão depuradora. È esse o segredo da alta taxa de recuperação de presos até perigosos obtida pelas igrejas evangélicas que atuam nos presídios.

Ora, se a solução-prisão já é tão contra-indicada, tal qual placebo em relação às doenças gravemente contagiosas. Por que devemos criar placebos federais? As prisões federais, tão estranhas quanto desconhecidas entre nós, estão previstas em nosso Direito positivo, como diretriz da politica criminal e penitenciária, no artigo 18 da Resolução n.º 05, de 19/07/1999 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária-CNPCP/MJ nestes termos: "construir estabelecimentos federais, de segurança máxima, nomeadamente em regiões de fronteiras ou em zonas de grande concentração de criminalidade violenta." Há sérios óbices federativos nessa "solução". Em que terra poderemos plantar essa uma "penitenciária federal"? Afora a concordância dos Governos estaduais (da sociedade e dos deputados locais) não há como impor-se tal intervenção da União nas unidade federativas, isso é parte sensível do travejamento do Estado federal, é o coração do pacto federativo, a não intervenção, a autonomia de cada unidade federada. Esses estabelecimentos penais, a rigor só mesmo nas faixas de fronteiras (essas cadeias devem ser longe, mas não tanto: já saindo país?), nas margens das rodovias federais, ou nas águas federais (quiçá nem as ilhas federais, da União comportem tais edificações). Largas terras federais, convenientes e adequadas, para uma prisão federal só mesmo no Distrito Federal, único trecho do território nacional que é da União (se bem que o DF hoje é ente federativo e não apenas sede/União, distrito neutro, como antes).Os imóveis da União situados em territórios dos Estados que em tese poderiam ser usados, certamente, se não houver acertos federativos e ajustes prévios, serão mais fontes de problemas que de soluções.

Não se pode promover uma revolução no sistema penal, como povo e a mídia esperam. Tais medidas, quase sempre, não passam de maquiagem para disfarçar a grave doença estampada já no rosto do país. Aqui o marketing é mais danoso do que o nada a fazer. Fala-se (falou-se) na adoção de medidas polêmicas e de grande impacto, que permitiriam, segundo anunciou-se a liberação de 100 mil presos. Seria isso a aplicação em nosso país do chamado Direito penal mínimo. Ora, seria isso outra subversão de boas das idéias que importamos. Substitui a prisão por penas alternativas ou administrativas adaptadas ao carretar aflitivo e ético da sanção sobretudo em crime não-sanguinários, mas violentos também porque agridem e desorganizam o senso comum de licitude. Assim, crimes do colarinho branco, de rapineiros do sistema financeiro, tributário e providenciarão, estelionatários (não de cheque sem fundo num país de desempregados e baixíssima renda e com bancos ávidos por taxas/tarifas em profusão sufocando o correntias-assalariados preso ao banco e ao patrão) devem ter penas que sejam proporcionalmente duras exemplarmente divulgadas. Mas simples caluniadores, motoristas irresponsáveis, pequenos soldados comercio ilícitos de fauna e flora, meros trabalhadores da economia ilícita todos esse gênero de criminosos não devem ir para as cadeias comuns, principalmente onde não há possibilidade de classificação e efetiva separação de presos diversificados. A cadeia (como fala o povo) deve estar sempre reservada e bem pronta para os criminosos de alta periculosidade e que representam uma ameaça à paz pública e à integridade física dos cidadãos. São esses e só esses razão de ser das prisões de alta segurança e pouca margem de instabilidade na rotina e na rigorosa disciplina prisional. Hoje certos criminosos lideram e comandam a cadeia mais que os diretores porque dispõem de enorme massa de manobra que nada tem a perder (eis aqui a utilidade daquela teoria de Foucault ) e muito a ganhar com o tumulto na prisão.

Ora, o Estado brasileiro continua optando por atuar sobre mais sobre os efeitos, fugindo da causa e empurrando o foco central do problema para o depois. Por certo para quando as eternas desculpas e evasivas macro-economias perderem sua utilidade. Com efeito, precisamos escapar da histórica e toda poderosa retórica de todos os governo (prioridade maior que a vida do povo é o controle inflacionarão, crescer e depois distribuir, o velho contingenciamento de recursos financeiros...) tudo isso tem afastou os governos da verdadeira solução (taxas aceitáveis, controle efetivo da do crime e da violência) da crise que já se desenhava há mia de duas décadas. O governo, ao invés de ficar criando soluções mirabolantes, deveria primeiro se movimentar no sentido de dar efetividade à Lei de Execuções Penais (LEP), lei essa que está em vigor desde 11/07/1984 e até hoje não pode ser aplicada na sua totalidade, por falta de medidas que deveriam já ter sido adotadas pelo próprio Estado, tal como a criação em cada cidade de casa do albergado, de colônias penais agrícolas e industriais, de presídios com alas de trabalho etc. Diz que irá substituir as penas reclusivas pelas administrativas e restritivas de direito, porém, hora alguma mencionou em criar condições para que tais penas possam ser cumpridas a contento, já que as restritivas de direitos estão previstas na LEP e não são aplicadas, repito, por falta de estrutura governamental, ou seja, não há locais adequados para cumpri-las. Já existem, mas não se realizam. Situação idêntica ocorre com o Estatuto da Criança e do Adolescente, onde se confere direitos e deveres aos menores e adolescentes infratores (menos ainda se fez enquanto prevenção), mas nada se fez ou se faz para se criar condições de torná-los viáveis. Alguém já viu um menor tendo orientação, apoio e acompanhamento temporário? Presenciaram um adolescente-infrator inserido em regime de semiliberdade ou internado em estabelecimento educacional que realmente eduque?

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Vejam como nossos governos (federal e estaduais) atuam com displicência e empirismo absolutos, ou seja, só temos interferido nos efeitos do mal: "mais 11 penitenciárias deverão ser construídas, em parceria com o ministério da justiça e com financiamento do BNDES, visando retirar os demais presos condenados do interior. Esse esvaziamento das delegacias de polícia reverterá não apenas em uma melhoria substantiva do sistema prisional, pois quem prende não pode tomar conta de preso, mas também liberará a polícia para a tarefa de investigação, que lhe é própria, levando-se mais segurança à população. Tais argumentos não falsos, não são verdadeiros, porem profundamente insuficiente senão insignificante em face da dimensão do mal a debelar. Exatamente por gerenciarmos desse modo uma questão tão crucial como a segurança individual e coletiva do povo (razão de ser do próprio Estado). Questão essa que antes apresentava um ritmo bem mais pausado de agravamento, já agora esse ritmo tornou-se célere e a crise de insegurança, até da polícia e do próprio Estado, restou insuportável. Assim se explica o quadro atual !

Mas respondendo o que fazer com os presos perigosos? Para os já perigosos, só mesmo trancafiá-los em celas individuais em estabelecimento prisional pequenos (logo de fácil controle mas pela segurança publica) e sob regime disciplinar rígido para que o caráter aflitivo da pena seja mantido em prol da prevenção (especifica e genérica) e da recuperação criminal. A pena precisa ser o remédio amargo mas certo porque isso interessa a sociedade. E não se diga que esse rigor ofende os direitos humanos dos presos (todos os presos têm no mínimo esses direitos básicos).E rigor punitivo e profissionalismo policial e penitenciário é o ponto de honra e de equilíbrio para essa aparente tensão. Esses presídios é que poderiam ser construídos, mantidos e geridos em parceria Estado e União. Mas em faixa de fronteira tais cadeias mais complicariam (fugas p/outro país e as inseguranças conhecidas nessas localidades, etc.) que amenizariam a crise.

È mister nesse passo uma reparação: essa resposta teria algo de criticável posto que poderia deixar transparecer que há uma cura do mal; em verdade há adiamento do início da cura, uma despistamento temporário do mal. Seria tal como construir-se muitas, mas muitas casas de acolhida para aidéticos. Isso, é claro, nada resolveria quanto à doença e sua difusão, o que exigiria que fosse atacada em suas causas quebrado o circulo vicioso, esgotando o caldo de cultura gerador/facilitador, como temos feito em relação à AIDS no Brasil e com elogioso reconhecimento internacional. Por que também não se combate a criminalidade com programas sociais, pesquisa, pessoal técnico e atuando nos fatores criminogênicos muitos das quais já são bem conhecidos e reconhecidos ?? Sucede que no Brasil ainda estamos querendo curar a criminalidade, com a violência (e sem a inteligência) como remédio, com profissionais de formação técnica incompatíveis com a complexidade do mal. Exército, polícia, penitenciária, não resolvem a crise da criminalidade e da violência (podem quando muito contribuir indiretamente), mas só do criminoso e do violento (efeito individualizado do mal). O improviso aqui é tão perigoso e nefasto quanto o crime organizado, que ainda pode muito mais se organizar e se fortalecer à sombra deixada pela omissão ou atuação imprópria do Estado (combate a corrupção em geral e profissionalização seria na polícia, e isso é mais que armas/tiros e quantidades) e da sociedade (rechaçar e não glamourizar o viciado, o bandido, o pequeno delito, a falta ética leve).O orgulho de ser brasileiro tem de estar acompanhado pelo orgulho de ser bom cidadão. Mas como isso será impossível enquanto houver homens públicos exemplo de maus cidadãos. Mas alguma coisa já tem melhorado.!

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Sobre o autor
Luiz Otavio O. Amaral

advogado, professor de Direito da Universidade Católica de Brasília, autor de obras e ensaios jurídicos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Luiz Otavio O.. O que fazer com presos perigosos?: O que seriam as penitenciárias federais?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 142, 25 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4544. Acesso em: 18 abr. 2024.

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